Juvenal Fusinato e seu imóvel querido: terreno guarda lembranças da infância dos filhos e é objeto de desejo de imobiliárias e compradores particulares em Maringá| Foto: Fábio Dias/Gazeta do Povo
Rotina de trabalho em área de 2,5 mil metros quadrados não cansa Fusinato

Maringá - Um terreno que serviu como depósito para o lixo de Maringá, no Noroeste do estado, até o final da década de 50, hoje é disputado por empresas do ramo imobiliário da cidade. A área localizada no Jardim Novo Horizonte já recebeu proposta de compra por até R$ 2 milhões, mas Juvenal Fusinato, dono do imóvel, não vende de jeito nenhum. Para ele, o terreno tem um valor histórico e sentimental que supera qualquer cifra milionária. Foi ali que ele e a família se instalaram quando chegaram à cidade, há mais ou menos 50 anos. A pequena chácara, aberta no meio do mato e hoje cercada pelo cenário urbano, ainda guarda elementos do tempo em que os filhos dele brincavam sob as grandes árvores.

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Os visitantes que batem palma no portão semanalmente estão quase sempre interessados em adquirir a propriedade, já que as áreas disponíveis para construção no bairro estão cada vez mais raras. Há propostas de empresas e particulares. "Todo dia tem gente pedindo para comprar. Oferecem 30% de entrada e o resto para dois meses. Eu bato nas costas do cidadão e digo: então daqui dois meses você volta. Você sabe que quem fica devendo hoje, paga se quiser", brinca.

O apego a objetos e lugares pode parecer, num primeiro momento, uma valoração forte de um bem financeiro, mas pode ser visto também como uma forma de afirmação da própria história, explica a psicóloga Regina Abeche, professora da Univer­sidade Estadual de Maringá (UEM). Por meio de um patrimônio, o indivíduo consegue ex­pressar para as novas gerações como ele contribuiu para formar aquele espaço que o rodeia. "Narrar a própria história é como dizer que a pessoa viveu uma escolha dela e que foi feliz nessa trajetória. É um fio condutor que dá legitimidade para o que foi vivido. Valoriza a própria memória e sinaliza uma missão cumprida."

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Fusinato e a família não vivem mais no bairro, mas ele está no local todas as manhãs. O aspecto do terreno não dá pistas que o imóvel permanece desocupado. Com 80 anos de idade, Fusinato cuida sozinho de quase 2,5 mil metros quadrados. "Ontem foram duas horas para cortar a grama. Hoje tem de limpar", diz, apontando o gramado de cerca de 50 metros, onde costumava jogar futebol com os filhos.

Por quase 20 anos, Fusinato foi um dos únicos moradores da região. Apenas a partir da década de 70 os primeiros vizinhos começaram a chegar. O lugar era cercado de mato e a família acompanhou toda a formação do bairro.

Casos como o de Fusinato podem causar estranheza. De acordo com Regina, quem tem o consumismo como principal valor a ser seguido talvez não entenda os motivos que levam uma pessoa a valorizar mais a tradição ou a história. "Mas mesmo hoje em dia há pessoas que se recusam a ter o dinheiro como seu senhor", explica a psicóloga.

O dia a dia na lida com o terreno está longe de ser uma rotina enfadonha. Guarda pequenas surpresas ao proprietário. "Faz 30 anos que perdi esse serrote e esses dias achei", mostra a ferramenta desgastada pela ferrugem, mas ainda inteira. As grandes árvores do quintal, todas com mais de 25 metros de altura, Fusinato plantou e as viu crescer por duas vezes. "Em 1987 teve uma geada muito forte. Essas árvores morreram todas. Isso tudo é broto que veio depois". O arvoredo é composto de mangueiras, laranjeiras, de um pé de jaca e de uma caneleira, mas a vocação frutífera da chácara é o cultivo de bananas. São 200 bananeiras que rendem cinco ou seis cachos por semana. A maior parte é doada para um abrigo de crianças da vizinhança. Já com as mangas ele não é tão generoso. "Tem que esperar cair (as frutas). Não deixo a molecada subir na árvore não. Uma vez o cidadão veio aqui, subiu e caiu. Tive de pagar até o médico para ele."

Patrimônio

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Fusinato sabe que chegará a hora de deixar sua chácara para os filhos. Mesmo com disposição para o trabalho, ele sofre com tonturas e falta de ar. "Está chegando a hora de me aposentar", diz. Os filhos vão decidir o futuro da propriedade. Como não são ligados à terra, é grande a possibilidade de alguma imobiliária finalmente tomar conta do espaço. "Eles (os filhos) preferem ver a mão inchada do que a enxada na mão", brinca.

Regina lembra que o apego a imóveis e objetos não pode ser doentio e a pessoa deve se preparar para se desfazer de determinado bem, caso haja um bom motivo. "A pessoa pode trocar isso por algo maior, pela sua família, para dar continuidade a um sonho", diz. O indivíduo também se sentirá bem se conseguir abrir mão de um patrimônio por um novo projeto de vida. E aceitar que isso não será capaz de apagar as memórias e as experiências que ficaram ali registradas. "É possível se desfazer daquele espaço, não é preciso morrer ali. Se existiram uma história e um significado, mesmo que a pessoa se separe daquele lugar, sempre haverá um momento para lembrar aquilo. As memórias não serão vendidas."