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 | Benett
| Foto: Benett

Era véspera de Natal de 1987 quando um grupo de amigos combinou de ir a caráter a uma festa à fantasia na casa de uma colega numa chácara nos arredores de Sobradinho, cidade-satélite de Brasília. Luciana, então com 13 anos, subiu na Kombi junto de mais quatro amigos do bairro, com idades entre 9 e 23 anos. As meninas estavam fantasiadas de fadas e os meninos, de duendes. O motorista era o Papai Noel da turma. Recém-desembarcado de São Paulo, inexperiente no trânsito brasiliense, o motorista foi dar em Ceilândia. Até então ninguém havia se dado conta do equívoco, que ao final teve algum propósito.

Chegando ao endereço escrito no papelzinho, se depararam com uma casa simples incrustada no meio da floresta. Uma moradia típica do Nordeste, de taipa, com paredes de barro sustentado por ripas e estacas. Bateram à porta. Uma garotinha de uns 7 anos atendeu, ao que os visitantes perguntaram:

– Esta é a casa de dona Bernadete?

A menina murmurou negativamente. De repente, surge do interior da casinha um senhor, com trajes humildes, aparentando bem uns 70 anos. Era o avô, que não tardou a exclamar àqueles desconhecidos:

– Por favor, entrem!

Um tanto ressabiado, o grupo foi entrando devagar na residência. Logo os olhos curiosos ficaram assustados diante de tamanha pobreza. Não era bem uma casa, mas um barraco de cômodo único, praticamente nu, revestido apenas de um beliche e um fogão. Vendo aquela simplicidade, o Noel do grupo foi até a Kom­bi, pegou dois presentes sem o nome do destinatário na embalagem e os entregou à criança e ao velho. Num embrulho havia uma toalha de renda; no outro, uma boneca. Passado o primeiro instante da emoção, diante dos olhinhos úmidos de avô e neta, uma das fadinhas perguntou:

– Vocês têm o que comer neste Natal?

Os dois olharam com expressões tristes no rosto. A menina muito provavelmente de resignação, o velho talvez de alguma vergonha. O clima ficou de certa forma tenso, até o instante em que Luciana pediu licença, abriu a geladeira e notou que só havia pedaços de frango, dois ovos e um pote de farofa no armário. Com a habilidade de quem se põe a resolver as coisas desde muito cedo, Luciana de imediato lança o que àquela altura mais parecia um desafio.

– Vamos pegar o pacote de passas que está na Kombi e fazer uma deliciosa farofa para eles.

E foi justamente o que o grupo fez. Ao final da ceia, avô e neta estavam com uma compleição um tanto melhor. Até alegres pareciam estar. No ano seguinte o grupo tentou repetir a surpresa e levou uma farofa com os mesmos ingredientes. O casebre de taipa não mais existia. Em seu lugar havia um edifício de seis andares, que revelava o rápido crescimento do entorno de Brasília. Do avô e da neta nunca mais tiveram notícias. Nem o porteiro do novo prédio ouviu falar deles. Já quase indo embora, de repente o grupo ouve do porteiro, que era nordestino:

– Estou triste, pois a minha família está longe e eu vou ter que passar o Natal trabalhando.

Ainda esperta, e um ano mais experiente, Luciana se precipitou a falar:

– Não seja por isso.

Dito isso, foram todos até o carro, tomaram a travessa com a farofa e a ofereceram ao porteiro, que naturalmente ficou feliz. Pouco tempo depois o pai de Luciana, militar, foi transferido para Curitiba e ela acabou perdendo o contato com os amigos. Por todas essas histórias, e pelas boas lembranças que evocam, é que até hoje a farofa especial não pode faltar no Natal de Luciana do Rocio Mallon.

Esta é a terceira história de Natal do leitor que a Gazeta publica diariamente, até o dia 24.

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