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| Foto: Felipe Rosa/ Gazeta do Povo

Inovação

Professor diz que até o chorume do lixo pode ser reutilizado

Para fabricar as reluzentes chaves que usamos no dia a dia para abrir portas e gavetas é utilizado um processo de galvanização. Esse sistema produtivo gera um resíduo altamente tóxico, composto de metais pesados. Sem tratamento, esse rejeito é prejudicial aos seres vivos, mas combinado com outros elementos químicos se transforma em um material resistente e inofensivo. Até mesmo o chorume – líquido da decomposição do lixo – pode ser combinado e virar uma bela prateleira. Já in natura, polui a terra e a água.

Esses são alguns exemplos citados pelo professor Seva, que é membro da Academia Russa de Ciências Naturais e tem mais de 50 registros patenteados de invenções e descobertas. "Não basta conhecer química: é preciso testar a proporção entre os compostos e saber o que é necessário fazer para garantir a resistência do produto final", diz.

Em uma valise de veludo carregada com todo o cuidado e orgulho, Seva acondiciona quatro dezenas de cilindros e retângulos coloridos reluzentes. O brilho não é resultado de nenhuma combinação química pesquisada. Por sugestão de alunas, "para deixar o material mais apresentável", Seva passou esmalte nas peças. Mas o lustre ainda não foi suficiente para fazer brilhar os olhos do empresariado.

Serviço

Para mais informações sobre a pesquisa do professor Seva é preciso entrar em contato com a UTFPR pelo telefone (41) 3373-0623.

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Como romper o preconceito com a utilização de resíduos industriais?

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Uma pesquisa no Google sobre soluções em resíduos industriais resulta basicamente em uma relação de empresas que se encarregam de armazenar ou transportar as sobras de um lugar para o outro. Entre as maneiras de "dar a destinação correta aos rejeitos" e, assim, atender ao mínimo exigido por lei, estão o depósito de rejeitos em aterros especiais ou a formação de lagoas de decantação de produtos químicos. Em suma, a ideia de simplesmente se livrar dos resíduos é a que prevalece.

O problema é que, desta forma, as sobras do processo industrial não geram mais do que entulhos quando poderiam ser reaproveitadas como base para fabricação de outros produtos – dispensando assim a utilização de materiais mais nobres, como madeira e cimento.

A solução adequada para vários resíduos industriais pode ter "batido à porta" de centenas de empresários, que a ignoraram. O pesquisador russo Vsévolod Mymrine desenvolveu técnicas que transformam até lixo tóxico em materiais mais baratos e resistentes para serem usados, por exemplo, na construção civil.

Há 12 anos no Brasil, ele tenta convencer pessoas de que é possível lucrar – e muito – com o reaproveitamento de rejeitos, mas suas descobertas continuam restritas ao meio acadêmico. Atualmente professor visitante da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Seva – nome que adotou para descomplicar a comunicação – explica que utiliza os conhecimentos da faculdade de Cristaloquímica, frequentada em Moscou e do qual é PhD. No Brasil, essa graduação não existe – é apenas uma disciplina dentro de alguns cursos. O trabalho é baseado na combinação de elementos e processos, que geram novos produtos (veja infográfico).

O pesquisador sai procurando porções de diferentes resíduos, de indústria em indústria – por vezes é recebido com bastante relutância de proprietários e empregados, que têm receio de se tratar de alguma investigação. Aí pesquisa que produto combina com o outro e testa a resistência e os tipos de utilização possível. Dados preliminares mostram que alguns compostos ficam de 30% a 55% mais baratos com o uso dos rejeitos. Ou seja, o empresário teria mais uma opção de renda se apostasse em reaproveitar resíduos. É possível, por exemplo, produzir blocos com muito menos cimento – material que está com preço em alta e cuja produção é bastante poluente.

Seva calcula que apresentou suas ideias a mais de mil empresários e autoridades. Até agora, em vão. O interesse inicial se esvai, sem render resultados. Mas ele não desiste. É a aposta de uma vida inteira. "Ainda prevalece no empresariado brasileiro a lógica de que é mais barato e dá menos trabalho simplesmente jogar fora os resíduos. Os potenciais para a economia e para o meio ambiente estão sendo solenemente relegados", afirma Mário Mantovani, coordenador de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.

Comportamento

"Existe muito preconceito quando o assunto é resíduo", dizem especialistas

O trabalho do professor Seva é avalizado pelo responsável pelo Núcleo de Pesquisa Tecnológica da UTFPR, José Alberto Cerri, e pelo coordenador do mestrado em Engenharia Civil da mesma instituição, Rodrigo Eduardo Catai, ambos doutores.

Eles defendem que os experimentos realizados alcançaram ótimos resultados nos testes realizados. "Tem uma lacuna entre os produtos de laboratório e a utilização em grande escala. Essa ligação precisa ser feita", destaca Cerri. Para o pesquisador, é necessário dedicar mais tempo a levantamentos de viabilidade técnica, econômica e de mercado para assegurar que as boas iniciativas surgidas no ambiente acadêmico se transformem efetivamente em produtos.

Cerri avalia que ainda há muito preconceito quando o assunto é resíduo. Ele conta que um megaconstrutor de prédios de alto padrão em Curitiba reaproveita o material usado na obra – argamassa que respinga no chão, tijolos quebrados, etc – mas não conta para os clientes por receio de prejudicar a imagem do imóvel.

"Mas deveria ser o contrário. Esse reaproveitamento deveria ser valorizado no mercado. O material reprocessado é tão seguro quanto os demais utilizados", comenta.

Desinformação

Para o pesquisador, são as consequências do medo e da desinformação. "É o conceito de que resíduo é algo que não presta", diz. O professor Catai acredita que leis de incentivo à inovação e ao reaproveitamento, com isenções tributárias, por exemplo, seriam capazes de dar o impulso necessário para que a reutilização de resíduos industriais ganhe escala.

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