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A aposentada Maria assumiu há pouco tempo a guarda dos quatro netos. É com a ajuda do Creas e outros profissionais que ela está conseguindo assimilar a nova rotina | Roberto Custodio/Gazeta do Povo
A aposentada Maria assumiu há pouco tempo a guarda dos quatro netos. É com a ajuda do Creas e outros profissionais que ela está conseguindo assimilar a nova rotina| Foto: Roberto Custodio/Gazeta do Povo

Redes precisam ser fortalecidas, diz conselho municipal

O fortalecimento das redes de apoio à criança e ao adolescente e de ações preventivas é o caminho para evitar o avanço da violência contra este público, defende a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Londrina, Nanci Skau Kemmer de Moraes. Ela avalia que ainda se fala pouco sobre o assunto, em especial sobre casos de abuso sexual. "A violência sexual é velada. É preciso trabalhar isso com as crianças em rodas de conversa, histórias, de maneira lúdica", afirma.

Para Nanci, o alto índice de violência intrafamiliar mostra que no Brasil ainda há uma cultura equivocada de que os filhos estão submetidos à vontade dos pais e da subjugação ao sexo masculino. "Diante de uma situação de opressão, a mulher tem medo de perder o provedor denunciando", comenta.

Ajuda importante

Núcleo da UEL oferece assistência jurídica para vítimas

Casos de violência infantojuvenil registrados em Londrina podem receber atendimento jurídico gratuito. O serviço é ofertado às famílias por meio do Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Infância e Juventude (Neddiji), criado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atualmente, segundo a coordenação, há cerca de 400 processos ativos e uma média de 30 ações ajuizadas por mês, além de nomeações.

O requisito principal para atendimento familiar é estar inserido em situação de risco ou violência. A equipe do Neddiji atua orientando os assistidos na busca pela garantia de direitos, como pensão e guarda dos filhos.

A aposentada Maria, nome fictício, recorreu ao núcleo depois que os quatro netos foram retirados do convívio do filho e da nora dela, acusados de negligência. Duas das crianças, uma de 6 e outra de 3 anos de idade, estão morando provisoriamente com a avó, enquanto um casal de gêmeas ainda bebês, vivem com o tio.

Desde que passou a morar com os netos, há quatro meses, Maria teve de deixar o trabalho como vendedora e se dividir entre os cuidados com os pequenos e as tarefas domésticas. Ela diz que vem contando com apoio de assistentes sociais do Neddiji e do Creas. "Me colocaram no Bolsa Família, arranjaram vale-compras e passagens", relata. Ela espera obter a guarda definitiva das crianças nos próximos meses.

A estrutura para acompanhar casos de violência envolvendo crianças e adolescentes não cresce na mesma velocidade com que surgem novas vítimas em busca de atendimento no interior do estado. A cargo dos chamados Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Creas), as situações de agressão física ou psicológica, negligência, abuso e exploração sexual são tratadas nas maiores cidades do Paraná por psicólogos, pedagogos, educadores e assistentes sociais em número ainda aquém das denúncias registradas.

INFOGRÁFICO: Veja dados sobre a violação dos direitos da criança e do adolescente

Em Londrina, são 17 profissionais para atender a uma demanda de 1,2 mil casos, sendo a maioria, o equivalente a 58%, relacionada à violência sexual. A média é de 70 casos para cada especialista. Na região Centro-Oeste, o Creas de Cascavel tem uma equipe de oito profissionais para assistir 280 crianças e adolescentes. Nas demais cidades, a situação é semelhante. Em Ponta Grossa, são 354 casos aos cuidados de cinco profissionais, enquanto em Maringá 12 profissionais para atender 280 situações ativas.

É contando com outros agentes importantes na proteção da infância e da adolescência – conselhos tutelares, unidades básicas de saúde e escolas – que essas equipes conseguem avançar no trabalho. Segundo a secretária de Assistência Social de Londrina, Télcia Lamônica, embora seja o Creas que conduza um caso de violência infantojuvenil quando ele chega ao poder público, outras áreas, como a saúde, são acionadas conforme a necessidade – uma unidade de saúde pode orientar sobre a profilaxia para evitar doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo. "Entendemos a dimensão do nosso trabalho e estamos dando passos no planejamento para criar novos cargos, aumentar o número de profissionais", diz a secretária.

O acompanhamento familiar só é encerrado quando se verifica que a vítima está protegida. Em média, o atendimento pode durar cerca de um ano. "Se houver um sofrimento psicológico muito forte, fazemos um encaminhamento clínico", acrescenta a coordenadora do Creas de Londrina, Adriana Aparecida dos Santos.

Inclusão

O serviço de atendimento oferecido pelos municípios também procura fazer a inclusão das famílias em programas sociais, comenta a assistente social Eliane Dantas, do Creas de Maringá. "Se a mulher fez a denúncia em relação ao marido, será preciso trabalhar com ela e a criança, para que a mãe continue dando conta da dinâmica familiar. Ela necessita de orientação, às vezes até mudar de residência e educação em tempo integral ou parcial", diz.

Em Cascavel, a maior parte das demandas envolvendo crianças e adolescentes vem por meio dos conselhos tutelares locais. Os psicólogos e assistentes sociais disponíveis fazem intervenções nas famílias. "Já os pedagogos realizam atividades preventivas com toda a rede de serviços, ministrando palestras à comunidade", assinala Roseli Brustoli, que coordena o Creas na cidade.

Ainda de acordo com ela, vítimas e suas famílias são inseridas no serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (Paefi) e encaminhadas, se necessário, para órgãos como o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e Centro de Convivência e Fortalecimento de Vínculo.

MP-PR defende mais equipes especializadas

Nos Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Creas) do interior do estado, a maioria dos casos atendidos envolvendo crianças e adolescentes tem ligação com violência sexual. Em Londrina, a prática abrange 58% das situações, em Maringá, 43%; e em Ponta Grossa, 50%. Este cenário, na opinião do procurador de Justiça Murillo José Digiácomo, responsável pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança, Adolescente e Educação, demanda atendimento especializado para atingir resultados mais satisfatórios. "O ideal é que houvesse uma equipe interdisciplinar específica para esta área, não só para o atendimento ocasional, mas sistemático também", sugere.

Para Digiácomo, o fato de os Creas contarem com psicólogos e assistentes sociais não os habilita, de imediato, para o serviço prestado. "Não quer dizer que os Creas não devam atender vítimas de violência sexual, mas que a concepção de que o atendimento deve ser só repassado aos Creas é equivocada. Parte-se do princípio de que o problema é só da assistência social e não é", assinala, ao comentar que em Florianópolis, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) obrigou o município a criar um equipamento público específico para esses casos.

Nos Estados Unidos, lembra ele, basta que os profissionais envolvidos tenham habilitação para lidar com casos de abuso sexual, ao invés de serem psicólogos ou assistentes sociais. "O que vemos é que, para isso, ainda falta compromisso com o cumprimento das leis e da Constituição Federal, que colocam a criança e o adolescente como prioridade absoluta. E isso é incompatível com falta de estrutura", salienta.

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