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Cunha Pereira: 60 anos de vida pública contados desde a mocidade | Arquivo/ Gazeta do Povo
Cunha Pereira: 60 anos de vida pública contados desde a mocidade| Foto: Arquivo/ Gazeta do Povo

Livro

Revoluções do dia após dia

Em meados do mês passado foi lançado o livro Todo dia nunca é igual – notícias que a vida contou em 90 anos de circulação da Gazeta do Povo, de autoria dos jornalistas José Carlos Fernandes e Márcio Renato dos Santos, com designer gráfico de Lucio Barbeiro. A obra, com tiragem de 4 mil exemplares, está sendo distribuída preferencialmente a bibliotecas e centros de estudo.

Longe de ser um livro de história ou uma homenagem à própria casa, o trabalho tem o mérito de inventariar parte dos feitos de Francisco Cunha Pereira Filho à frente do jornal. A iniciativa se soma ao trabalho do jornalista da RPC Sandro Dalpícolo, autor de Uma nova luz na sala, lançado ano passado, marcando os 50 anos da TV Paranaense.

Juntas, as duas publicações levantam um sem-número de temas e fontes para pesquisas futuras, capazes de responder qual a influência dos meios de comunicação na sociedade paranaense. São muitas as investigações possíveis.

Os editoriais históricos assinados por Nacim Bacilla Neto, até 1989, apontam para um momento em que a coluna de opinião mexia com os brios da cidade e alterava, em poucas semanas, o cenário local. Outra seara é a presença do leitor. Em 1963, "séculos" antes da interatividade, a Gazeta iniciou sua coluna de cartas, que eram entregues na portaria, assinadas por "joões do Santa Quitéria" e "marias do Bacacheri". A novidade contribuiu para fazer desse veículo um canal de diálogo entre autoridades, empresários e gente das ruas.

Há dois anos, o Paraná dava adeus ao jornalista Francisco Cunha Pereira Filho, diretor-presidente do Grupo GRPCom. A despedida – feita com todas as honras pela sociedade local, numa das mais sólidas e impressionantes manifestações de carinho dada a um homem de im­­prensa – serviu de ponto de partida para pensar o legado do empresário ao estado.

As evidências de que Cunha Pereira dividiu águas são muitas. Em cerca de 60 anos de vida pública – uma marca pouco registrada entre os grandes nomes da vida brasileira – ele esteve à frente de pelo menos 30 campanhas cívicas, sendo pelo menos uma dezena delas voltada para a macroeconomia. Poucos jornais no Brasil emprestaram, com tanta energia e generosidade, seus repórteres, editores e estrutura na defesa de causas, cujo destino é incerto e que podem levar anos para serem atingidas.

Calcula-se que as campanhas pelos royalties de Itaipu, pela Usina do Xisto de São Mateus do Sul e pelo gasoduto, tenham consumido, concomitantemente, mais de uma década cada uma. Sem a liderança do jornalista, que animou a redação em meio a fracassos e aos maus hábitos do poder constituído na defesa da coisa pública, dificilmente essas marcas seriam atingidas. Foram verdadeiras sagas, estudos de caso em via de serem detalhados.

Outro grande feito do doutor Francisco, como era chamado, diz respeito ao lugar dos jornais no mundo contemporâneo. No momento em que se anuncia, nem sempre com muita ciência, o recuo da mídia impressa em relação à mídia eletrônica, a gestão de Cunha Pereira aponta para uma questão essencial – para além do aparato tecnológico e das novas práticas de consumo. Um veículo de imprensa deve ser, acima de tudo, capaz de criar vínculos com a comunidade e ajudá-la a se pensar como parte da máquina do mundo.

A marca universal e cívica do jornalismo praticado por Cunha Pereira se manifestou desde sua entrada para o ramo da comunicação, em 1962, quando, em sociedade com o advogado Edmundo Lemanski, comprou a Gazeta do Povo de Oscar De Plácido e Silva. Ainda naquele ano, as primeiras páginas externam a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, a conquista do espaço, mas também as exigências de um Paraná marginal, em tranças com a monocultura do café.A Gazeta, que havia surgido debaixo dos ecos do paranismo e, não raro, se via às voltas com o paroquianismo local, passou a provocar as lideranças para que se modernizassem e respondessem às transformações dos meados do século. A tendência permaneceu pelas décadas seguintes, de modo que, a exemplo de outras grandes cidades de vários continentes, pode-se afirmar que a pujança do Paraná sofreu influência do debate de ideias travado nos editoriais e reportagens da Gazeta do Povo. Palmas para Pereira.

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