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Leandro partiu da bicicleta para mudar o estilo de vida da família | Pedro Serápio/Gazeta do Povo
Leandro partiu da bicicleta para mudar o estilo de vida da família| Foto: Pedro Serápio/Gazeta do Povo

Legado hippie ainda ecoa nas gerações atuais

Embora o movimento hippie não tenha deixado uma imagem das mais positivas – ainda hoje a sua imagem está relacionada ao uso abusivo de drogas e até mesmo à mendicância –, o seu legado influenciou de maneira intensa o mundo em que vivemos hoje. Aqueles jovens, que negavam o capitalismo, a violência e as tradições do casamento, anteciparam a luta pelos direitos civis, impulsionaram a luta pela igualdade entre sexos e deixaram marcas definitivas na moda, na cultura, no comportamento, nos valores e nos ideais das próximas gerações.

Como explica a socióloga Sandra Mattar, coordenadora do curso de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a origem dos hippies sofreu influência de um movimento anterior, o dos beatniks. "Eles também contestavam os modelos sociais da época, mas não lutavam pelas mudanças, estavam mais interessados em curtir a vida. Já os hippies, apesar de terem um modo particular e muito descontraído de se expressar, eram mais políticos", explica.

O termo hippie surgiu da palavra "hip", que em inglês significa "ligado" ou "atualizado". Foi usado pela primeira vez em um artigo publicado em um jornal de São Francisco, nos Estados Unidos, em 1965.

No Brasil, a influência do movimento hippie foi mais tímida, pois na época, o país estava sendo governado pelos militares e todas as formas de protesto eram severamente reprimidas. "No Brasil, os hippies influenciaram principalmente a música e o comportamento. O Tropicalismo, encabeçado por Gilberto Gil e Caetano Veloso, foi o que se aproximou do movimento hippie original. Mas também sofremos influência na linguagem, na cultura e na moda", explica.

Para Sandra, o ideal hippie não morreu, apenas se transformou com o passar dos anos. "A principal bandeira ainda é a liberdade, mas antes existia apenas um padrão de contestação, hoje existem vários, é só dar uma olhada nas tribos urbanas de hoje", argumenta. (JK)

Movimento prega viver com menos e mais feliz

Alguns movimentos da atualidade lembram em muito as escolhas feitas pelos jovens contestadores dos anos 60, caso da Simplicidade Voluntária, que surgiu ainda no fim da década de 90.

Segundo o psicoterapeuta gaúcho Jorge Mello, 47 anos, um dos porta-vozes da filosofia do "viver simples", a simplicidade voluntária pode ser considerada um metaconceito, já que os seus princípios e critérios podem ser aplicados em praticamente qualquer área da ação humana. "Na definição mais famosa – a do historiador e cientista político norte-americano Duane Elgin –, a simplicidade voluntária é um estilo de vida mais frugal no exterior, que possibilita uma vida mais rica no interior do ser humano. Basicamente, é decidir-se a assumir opções mais conscientes em seu cotidiano, que proporcionam condições necessárias para que se viva de modo mais saudável, solidário e com menor im­­pacto ambiental", explica.

Para Jorge, que foi analista financeiro de um banco durante quase 20 anos, se tornar adepto da simplicidade representou viver com menos coisas, mas com mais sentido na vida. Ele se desfez dos carros e de tudo o mais que possuía em excesso: roupas, livros, CDs e outros pertences pessoais. "O fator mais decisivo para a crise que proporcionou a mudança em minha vida foi constatar que, apesar de ter o que a maioria das pessoas desejava, eu não me sentia feliz. Hoje busco e tenho o que eu desejo, e sinto-me mais realizado, alegre, com mais tempo livre e com relações humanas mais autênticas e gratificantes."

Nos Estados Unidos, o termo "scup­­pie" (Socially Conscious Upwar­­dly-mobile person) foi criado para definir um grupo de pessoas que costuma ser socialmente e ambientalmente consciente, mas ao mesmo tempo não abdica do conforto e nem deixa de seguir as novas tendências tecnológicas. A expressão traduz, de forma simplificada, uma mistura de hippie com yuppie.

  • Mayra defende o vegetarianismo como ato político

No mundo ocidental, em que praticamente tudo é permitido e grande parte dos tabus foi derrubada, o que ainda resta para ser contestado?

Nos anos 60, havia muito o que conquistar. Os regimes ditatoriais, as guerras e a repressão sexual impulsionaram os jovens a lutar por liberdade em todos os sentidos. Os chamados hippies rebelaram-se contra o modelo de sociedade existente na época e não mediram esforços para chocar e causar polêmica.

É possível afirmar que o movimento hippie ainda vive. Os novos movimentos de contestação, entretanto, estão muito distantes dessas comunidades alternativas que hoje vivem isoladas no litoral da Bahia, no interior de Goiás, ou dos grupos de andarilhos que sobrevivem vendendo artesanato nas esquinas das grandes cidades.

Ainda se busca salvar o mundo, torná-lo mais humano, justo e pacífico, como se desejava há 40 anos. Novas necessidades, entretanto, surgiram. É preciso também torná-lo mais limpo, verde e mais comunitário. As armas usadas para divulgar essas causas, entretanto, têm sido mais sutis, menos radicais. Os contestadores do século 21 não querem impor os seus ideais, mas procuram influenciar os outros por meio de boas condutas, que parecem ter o mesmo poder de chocar que a rebeldia dos anos 60 e 70.

"Acho que a forma mais ousada de contestar no mundo de hoje é tornar-se vegetariano", acredita a empresária Mayra Corrêa e Castro, 36 anos, que largou uma carreira promissora como gerente de marketing de produtos de uma empresa de telecomunicações para abrir um estúdio de ioga e aromaterapia. Para ela, a bandeira do vegetarianismo é um dos maiores atos políticos da atualidade. "Por meio de uma simples mudança de hábito, que na verdade não é tão simples assim, você combate a exploração dos recursos naturais, a crueldade com os animais e contribui para uma sociedade mais pacífica", explica.

A prática do ioga foi uma sugestão do próprio departamento de recursos humanos da empresa, como forma de aliviar o estresse causado pelas longas horas de trabalho. "Aos poucos, fui sentindo a necessidade de me dedicar a uma atividade que ajudasse a melhorar o mundo e que me tornasse mais realizada. Foi quando surgiu a oportunidade de comprar um estúdio de ioga em Londrina", conta.

Mayra e o marido viveram por dois anos em Londrina antes de voltarem para Curitiba. Hoje, além de dona da Casa Máy, ela também é secretária do Grupo Curitiba da Sociedade Vege­tariana Brasileira e ajudou na idealização da Feira Gastronômica Vegetariana e da Campanha Segunda-feira sem Carne em Curitiba.

A partir da bike

Já para o psicólogo e professor universitário Leandro Krus­zielski, 30, o uso da bicicleta foi o ponto de partida para que ele e a família mudassem, aos poucos, o estilo de vida. "Há pouco mais de três anos comecei a usar a bicicleta para trabalhar, ir ao mercado, à padaria... Percebi que o deslocamento era muito mais prático e, principalmente, mais agradável. Tudo passou a fazer sentido. Com um simples gesto eu tornava a minha vida mais fácil, a dos outros também, além de poluir menos a atmosfera", conta.

Aos poucos, Leandro começou a se interessar por assuntos ligados à mobilidade urbana e passou a participar de grupos de discussão em sites e blogs que incentivavam o uso de meios alternativos de transporte. Ele também se tornou colaborador da Bicicletada Curitiba, movimento em que ciclistas se juntam para reivindicar seu espaço nas ruas. "Quando alguma coisa é boa para você, é natural que você queira contar para os outros, compartilhar o que te faz bem."

O contato com outras pessoas que abraçavam a mesma causa incentivou Leandro a adotar outros hábitos sustentáveis como a reciclagem, a compostagem do lixo orgânico e o consumo de alimentos orgânicos. Ele também aboliu o uso de sacolas plásticas e de fraldas descartáveis para as filhas gêmeas, de 3 meses. "A intenção é gerar a menor quantidade de lixo possível. Faço isso pela Julia e pela Marina, quero que elas tenham a oportunidade de viver em um mundo melhor."

Coletividade

O analista de informática Luis Patrício, 32, e a mulher Lia, 27, foram ainda mais radicais. Enquanto Leandro continua usando o carro quando sai com a família, o casal aboliu de vez o uso do automóvel e continuará assim mesmo após o nascimento da filha Ana Maria, previsto para maio.

Quando entrou para a Bi­­cicletada, Luis conheceu pessoas com novas visões de mundo e aderiu ao ioga, ao vegetarianismo e à alimentação orgânica. De acordo com ele, todas essas ações estão interligadas. "Não adianta vender o seu carro e andar só à pé se você não pensar de onde a sua comida está vindo, como ela é transportada. Por isso, hoje faço parte de um coletivo que compra produtos diversos de pequenos produtores da região", conta. A atitude, além de incentivar a economia regional ainda contribui para diminuir a produção de lixo da família, já que eles mesmos levam os potes de vidro e de plástico para armazenar os alimentos.

No entanto, na opinião de Luis, a maior vantagem de seu novo estilo de vida é o resgate do sentimento de coletividade. "A cultura do carro é individualista, você vai para qualquer lugar. Quando você elimina o automóvel de sua vida, você redescobre a vizinhança, passa a depender dos outros. Para muitos, isso pode ser considerado algo negativo, mas não para mim. Eu descobri que não preciso andar tanto assim para conseguir o que eu preciso."

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