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Segundo a pesquisa, além das características econômicas e sociais, contribuem para essa nova dinâmica o envelhecimento populacional e o adiamento do casamento | Hugo Harada/Gazeta do Povo
Segundo a pesquisa, além das características econômicas e sociais, contribuem para essa nova dinâmica o envelhecimento populacional e o adiamento do casamento| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Mulheres passaram a escolher além da maternidade

Para a psicóloga Isabel Cristina Gomes, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), o fenômeno dos casais que optam por não ter filhos é consequência da mudança do papel social desempenhado pela mulher, que passou a ocupar outros papéis além do de mãe. "A identidade feminina não está mais associada apenas à maternidade, então ser mãe passa a ser uma opção.

Hoje, a mulher almeja uma carreira e estabilidade econômica para depois realizar o desejo de ser mãe. E muitas nem sequer têm esse desejo, pois quando a identidade feminina é desassociada da maternidade, a mulher passa a abrir mão do plano de ser mãe."

Essa cultura, no entanto, varia de acordo com a classe social, pondera Isabel. "São mulheres de um certo estrato social que costumam optar. Se a mulher não tem acesso à educação, que lhe permita galgar uma outra posição social, ela acaba atrelada ao modelo tradicional de dona de casa e mãe. Em muitas regiões e cidades pequenas não há políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento da mulher enquanto profissional."

Os dados do SIS 2014 corroboram a análise da psicóloga. Norte e Nordeste, regiões mais pobres do país, apresentam os menores índices de casais sem filhos, 17% e 17,7%, respectivamente; e as maiores proporções de famílias tradicionais, com filhos: 48% e 44,9%. O Sul é a região com maior número de casais sem filhos, com 23%, enquanto o Sudeste tem a menor proporção de casais com filhos, 44%.

Renata Frigeri, 30 anos, exemplifica bem essa geração de mulheres que querem escolher outros papéis que não o de mãe. Doutoranda em Comunicação pela Universidade do Estado de São Paulo e professora universitária em Londrina, ela divide o tempo e a energia entre a rotina profissional e o marido, Alysson da Silva, 35. Nesse retrato familiar, não há espaço para um filho. "Eu nunca tive interesse em ter filhos. Tenho a impressão de que as pessoas não pensam sobre como vão seguir com suas vidas, não pensam no futuro e em prioridades, só fazem o que todo mundo faz, casam e têm filhos. Eu priorizei minha formação e o trabalho. Agora, priorizo a liberdade e a rotina como casal."

Famílias sem filhos não abrem mão da rotina conquistada

Com um relacionamento de 17 anos, 12 deles casados, a procuradora Rosamaria Vieira Feracin, 38 anos, e o bancário Agostinho Feracin, 38, que vivem em Cornélio Procópio, no Norte do Paraná, fazem parte do grupo que optou por não acrescentar um filho à composição familiar.

A decisão aconteceu naturalmente, conta Rosamaria. "No início do casamento nem cogitávamos. Alguns anos depois, concordamos em não ter. A cada ano que passa temos mais certeza de que não temos vontade de ter um filho. Não queremos abrir mão da rotina conquistada."

Apesar da convicção, o medo de se arrepender e a pressão social por um rebento existem, mas não assombram o casal. "Às vezes eu penso na escolha, mas a vontade de não ter é maior", diz Rosamaria.

Instinto

O psicólogo Akel Filho explica que o instinto materno existe, apesar de os instintos humanos terem enfraquecido por questões culturais. Porém, ele pode ser satisfeito de várias maneiras ou transferido para outros âmbitos, outras atividades. O de Rosamaria, conta ela, é transferido para o marido, para o trabalho e para Dorinha, a gata de estimação do casal.

"Filhos... Filhos? / Melhor não tê-los! / Mas se não os temos / Como sabê-los?". Em seu poema "Enjoadinho", Vinícius de Moraes pondera, bem humorado, razões para descartar os filhos do planejamento familiar e outras tantas para tê-los. No fim, o poetinha lembra: "Que coisa louca / que coisa linda / que os filhos são". Para alguns casais, no entanto, a paternidade e a maternidade foram excluídas em definitivo da equação familiar. Casais sem filhos ainda representam a minoria, mas a tendência tem crescido em todos os países, inclusive no Brasil.

INFOGRÁFICO: Aumentou o número de casais sem filho, veja

É o que revela a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais (SIS 2014), elaborada pelo IBGE com base nos dados coletados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2013). O levantamento mostrou que o número de famílias formadas por casais sem filhos chegou a 19,4% em 2013 – dez anos atrás, em 2004, esse índice era de 14,6%, o que representa um crescimento porcentual de 33% em uma década. Isso significa que um em cada cinco casais brasileiros vive somente a dois.

A tendência verificada nacionalmente se confirmou também no Paraná e na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), que apresentaram índices de casais sem filhos superiores à média nacional, 21,5% e 20,2%, respectivamente. Em contrapartida, o total de arranjos familiares compostos por casais com filhos caiu no mesmo período em todo o país. A proporção desses arranjos familiares passou de 50,9% em 2004 para 43,9% em 2013.

Segundo a pesquisa, além das características econômicas e sociais, contribuem para essa nova dinâmica a queda da fecundidade, o envelhecimento populacional, o aumento do número de divórcios e o adiamento do casamento e da maternidade. A presença mais significativa das mulheres no mercado de trabalho também é justificativa.

Custos

Segundo o psicólogo e coordenador do curso de Psicologia da PUCPR, Naim Akel Filho, a redução do número de filhos por família é verificada mundialmente há pelo menos 40 anos e está associada à preocupação com os custos demandados pela criação da prole e os recursos naturais limitados. Já em relação aos casais sem filhos, Akel Filho explica que não há pesquisas suficientes que forneçam uma resposta científica clara sobre o fenômeno. Mas é possível levantar hipóteses.

"A sociedade está muito violenta, o consumismo está esgotando o meio ambiente. Há o questionamento: ‘colocar mais uma pessoa no mundo para quê?’.

Outra hipótese é o fato de vivermos em uma sociedade cada vez mais hedonista. As pessoas estão mais preocupadas em viver bem. Nesse contexto, filhos não fazem falta", analisa. Para o psicólogo, ter um filho é fazer concessões momentâneas. "O prazer vem com o desenvolvimento deles (dos filhos). Mas, para isso, os pais precisam abrir mão de prazeres momentâneos."

Um projeto de vida chamado filhos

Não ter filhos jamais passou pela cabeça de Laudicéia de Jesus Ferreira da Cruz, 53 anos. O desejo de ser mãe somado à certeza de que filhos constituem um presente divino foi o que garantiu serenidade à dona de casa e ao marido, Wilson Soriano da Cruz, 53, para criarem os cinco filhos.

Quando casou, aos 19, Laudicéia esperava pelo primogênito, Eduardo, hoje com 34 anos. Quatro anos depois, veio Sabrina, 30. Laudicéia e o marido estavam satisfeitos com o casal, mas foram surpreendidos por uma terceira gravidez – de gêmeos. E então vieram Joana e Jordana, hoje com 28. Cinco anos depois, chegou Camila, atualmente com 23.

"Nós planejamos o casal. Na terceira e quarta gravidez pensei ‘não era isso que queria agora’, mas depois pensei que se Deus concede a graça, a gente consegue. E sempre conseguimos. Filhos agregam muito à vida do casal. Nós passamos a ter uma expectativa de vida maior. Filhos fazem com que você se lance em um projeto de vida melhor, maior, pelos filhos. E a gente cresce com a maternidade."

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