• Carregando...
César Rufatto, 30 anos, decidiu trocar o magistério por uma nova carreira: hoje sonha em projetar imóveis como arquiteto | Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo
César Rufatto, 30 anos, decidiu trocar o magistério por uma nova carreira: hoje sonha em projetar imóveis como arquiteto| Foto: Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo

Renovação

Desilusão com a primeira carreira leva "trintões" de volta à universidade

O estudante do segundo ano de Arquitetura César Augusto Rufatto, de 30 anos, ocupa uma cadeira universitária pela segunda vez. Ele decidiu abandonar a primeira opção de carreira – o magistério – quando ainda morava em Coronel Vivida, no Sudoeste do Paraná. "Na época, fazer Letras foi uma escolha não embasada. Eu não tinha noção de como seria a profissão. Imaginava que conseguiria emprego mais fácil como professor, mas trabalhei mais com revisão de texto e produção de relatórios", conta.

Depois de formado, já em Curitiba, passou meses fazendo coaching de carreira. Só então percebeu a vocação para Arquitetura. "No início estava ansioso e inseguro, mas agora vejo que foi a decisão mais acertada. É um curso exigente, fins de semana são para fazer trabalhos, mas faço com muito prazer, diferente de antes. Para mim não adiantava só fazer uma pós-graduação, eu precisava mudar totalmente", diz.

Segundo a coordenadora do PUC Talentos, Daniella Forster, quando a pessoa quer trabalhar com algo que não tenha relação com sua formação inicial, muitas vezes outra graduação é mesmo o caminho correto. "É preciso avaliar se o que deseja é compatível com a primeira escolha de graduação e se somente uma pós é suficiente para poder atuar na área desejada. Há cursos com flexibilidade maior e outros muito específicos", afirma.

César diz que a experiência prévia que acumula influencia positivamente a forma como encara o curso. Em comparação com a maioria de seus colegas, que entram com 17 ou 18 anos, ele se vê muito mais maduro e seguro com sua atual escolha. "Acho uma pena a escola não ajudar o estudante a entender sua vocação. Não tive esse apoio e é algo que fez muita falta. Hoje estudo o que gosto e sei o quanto me custa estar na faculdade", diz.

Equilíbrio

Diferentemente da estatística nacional, o Paraná apresenta maior equilíbrio de idade nas matrículas no ensino superior, com diferença de poucos pontos porcentuais entre estudantes mais novos e mais velhos. Essa combinação é saudável para o aprendizado, segundo Glauka Archangelo, coordenadora do curso de Direito da Faculdade Estácio, onde um terço dos 400 alunos matriculados no segundo semestre tem de 31 a 35 anos. "A sala que tem só moçada costuma ter alunos mais imaturos, mas quando há mais velhos junto, eles puxam a sala para entrar no conteúdo com seriedade. Como são mais exigentes, esses alunos também ficam de olho na própria estrutura do curso e da instituição, o que para a faculdade é muito bom", avalia.

  • Cleonice Barbosa priorizou os filhos antes da faculdade: começou a estudar Direito aos 40 anos

A entrada na universidade no Brasil é um sonho muitas vezes tardio. O número de pessoas com mais de 30 anos matriculadas em cursos de graduação cresceu 25% entre 2009 e 2012, de acordo com o último Censo do Ensino Superior. Um aumento maior que o verificado na faixa etária até 29 anos, mais jovem e identificável com o perfil universitário, que subiu somente 16% no mesmo período. Estudantes "maduros" representam hoje quase um terço dos 7 milhões de universitários matriculados em 2,5 mil instituições de ensino superior no país.

INFOGRÁFICO: Confira o número de pessoas com mais de 30 anos que se matriculam na graduação

Segundo especialistas, vários motivos explicam a expansão do acesso de alunos mais velhos: aumento da oferta de cursos a distância (não presenciais) e de tecnologia (mais curtos); a busca por uma melhor colocação no trabalho; e até o desejo de ter uma segunda graduação.

Na modalidade Educação a Distância (EAD), a média de idade dos estudantes é de 33 anos contra 26 anos das graduações presenciais. A flexibilidade de horários é o principal atrativo nesse caso, explica a psicóloga Sônia Ana Charchut Leszczynski, chefe do Departamento de Educação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). "Uma pessoa que trabalha pode não conseguir chegar a tempo nas primeiras aulas [em cursos normais] e nem sempre há facilidade depois para repor o que foi perdido", diz.

A pró-reitora de Ensino da Universidade Estadual de Maringá (UEM) Edneia Regina Rossi, afirma que programas governamentais como o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) também ajudam a envelhecer o perfil dos universitários. "Nosso ingressante é cada vez mais novo, mas pelos programas há muitos alunos com 40 ou 50 anos que acabam interferindo na média de idade de matrícula."

Estímulo

O economista e reitor da Universidade Positivo José Pio Martins diz que muitos dos que entram depois dos 30 anos o fazem estimulados pelos cursos de tecnologia. "Você vê um amontoado de alunos mais maduros fazendo tecnólogos, que são cursos focados, mais simples. Várias empresas fazem convênio para mandar o funcionário, pois nesses cursos não se tem muita teoria e saber científico. O tecnólogo é prática", afirma.

Alunos "trintões" também voltam à universidade em busca de um segundo diploma. Martins diz que, nesse caso, há muita variação de acordo com a área de cada curso. "Na área de saúde, a absoluta maioria tem menos de 30 anos, pois não se trata de um segundo curso. Já a área de humanas é muito escolhida como outra opção. É raro o sujeito fazer Direito e depois Medicina, mas o contrário acontece", diz.

Trabalho e família adiam o estudo para depois dos 30

Pessoas que trabalham desde muito cedo e que conseguiram crescer dentro de uma empresa podem ter a carreira empacada pela falta de estudo. Isso também explica a busca por uma formação superior tardia. "Gradativamente as empresas colocam limites para o crescimento do profissional. Então ele vai buscar a formação, e no geral procura cursos noturnos e tecnólogos", diz Daniella Forster, coordenadora do PUC Talentos, programa de estágios e empregos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Há também o caso de mulheres que optaram por se dedicar à criação dos filhos em vez de estudar. Foi o caso da advogada e pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil Cleonice Ferreira Campos Barbosa, 46 anos. Ela abandonou a escola aos 19 anos, quando se casou. Trabalhou anos como diarista e, depois da morte do marido, concluiu o ensino fundamental e o médio. Nessa época, em 2005, Cleonice decidiu que encararia o ensino superior, mas, como não conseguiu uma vaga na Universidade Federal do Paraná, passou a pesquisar cursos de Direito em instituições particulares. Três anos depois se matriculou na Faculdade Estácio, que na época tinha uma bolsa-idade para maiores de 35 anos.

Novo ciclo

Mãe de dois filhos, só conseguiu trocar o trabalho para fazer estágio no último ano, ainda assim complementando a renda com faxinas aos fins de semana. Formada e aprovada no Exame da Ordem, Cleonice começou um novo ciclo – a batalha é para que seus filhos façam faculdade. "Minha filha tem 23 anos e agora que me formei vai tentar vestibular para Engenharia de Produção. Já meu filho parou de estudar para trabalhar. Enquanto adolescente, ele não dava valor para o estudo, mas hoje com 26 anos está percebendo que faz falta. Às vezes a gente tem de deixar para a escola da vida ensinar", diz.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]