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Com expressões como “repúdio aos babacas”, colegas da Unesp condenaram a “competição” feita por cerca de 50 alunos | Daniel Bergamasco/Folhapress
Com expressões como “repúdio aos babacas”, colegas da Unesp condenaram a “competição” feita por cerca de 50 alunos| Foto: Daniel Bergamasco/Folhapress

Valores patriarcais

A face perversa da violência contra a mulher

Para a pesquisadora e coordenadora do projeto "Promotora Legais Populares", da União das Mulheres de São Paulo, Maria Amélia de Almeida Teles, as agressões que ocorreram na Unesp são graves porque a universidade deveria ser um espaço de construção de uma sociedade mais justa. "Todos os brasileiros estão financiando o ensino desses alunos, já que estão em uma universidade pública, e eles estão reproduzindo o que há de pior na sociedade", explica. "Esses eventos tomam grandes proporções porque é das universidades que sairão os pensadores e pensadoras, os futuros presidentes, políticos, autoridades do judiciário e outros postos importantes."

Ela argumenta que a atitude dos acadêmicos mostra a face perversa da violência contra a mulher no Brasil. "Eles saíram do âmbito só do preconceito e partiram para a ação. Estão reforçando valores patriarcais. Isso mostra que há necessidade de enfrentar a desigualdade de gênero no campo onde se produz conhecimento científico."

Opinião

Rogerio Waldrigues Galindo, colunista da Gazeta do Povo.

Sadismo universitário

Pessoas que se divertem com a humilhação alheia têm um nome: são sádicas. Sabem que a vítima de seu abuso sofre, que muitas vezes levarão aquilo para o resto da vida, mas fazem mesmo assim. Fazem justamente para mostrar que não se importam, para dizer que, em nome de se destacar no seu grupo, são capazes de qualquer coisa. Que são superiores a ponto de quebrar regras sem sofrer por isso. Fazem para serem bem quistas por um grupo onde essas "maldades" são vistas como sinal de vitória sobre os demais.

O que mais choca, talvez, é ver que isso acontece justamente na universidade, símbolo do conhecimento e da civilidade. E acontece repetidamente: estudantes de Medicina que fazem baderna em hospital de Londrina; calouros que matam colega em trote; alunos que hostilizam violentamente uma moça que frequentou a aula de vestido curto.

É como se a regra básica de convivência no Ocidente, de que não devemos fazer aos outros o que não queremos que façam a nós, fosse jogada no lixo por quem tem mais obrigação de entendê-la. Não se trata de dizer que a sociedade está piorando: sempre houve violência, descaso e intolerância mesmo entre as supostas elites intelectuais. Mas é preciso perceber que não se está conseguindo mudar isso. Que muita gente, mesmo após ter todas as chances de ler, estudar e aprender, continua ignorando os princípios básicos de respeito e tolerância com quem é diferente.

Estudantes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) causaram polêmica ao agredir colegas obesas no chamado "rodeio das gordas", que consistia em agarrar e montar em alunas, durante os jogos universitários da instituição, ocorridos entre 10 e 13 de outubro. O Ministério Público de São Paulo anunciou que vai investigar as agressões. O colegiado do câmpus de Assis, a 460 km da capital paulista – onde estudariam os agressores – decidiu criar uma comissão disciplinar, que terá 60 dias para apurar o envolvimento dos alunos. A Ordem dos Advogados do Brasil também emitiu nota de repúdio. Ontem 200 manifestantes protestaram pedindo punição aos envolvidos.

Os jogos InterUnesp reuniram 15 mil estudantes em Araraquara, interior de São Paulo. Cerca de 50 jovens participaram da agressão. Uma comunidade em um site de relacionamento explicava as re­­gras do "jogo": os rapazes deveriam encontrar meninas acima do peso e ficar "montados" nelas du­­rante 8 segundos. Ganhava mais "pontos" quem agredisse a garota mais gorda. A comunidade foi extinta após as denúncias, mas existia desde 2006 e tinha 23 integrantes. Na comunidade "Inter­­Unesp" acadêmicos relatam que alunos dos cursos de Engenharia Biotecnológica, Psicologia e Ciên­­cias Biológicas do câmpus Assis eram os responsáveis pela violência.

A promotora de Justiça Noemi Corrêa, do MP de Araraquara, instaurou inquérito civil ontem para apurar os fatos. "A conduta se amolda a inúmeras figuras penais, tais como constrangimento ilegal, cárcere privado [as vítimas eram impedidas de sair do meio da roda], lesão corporal, vias de fato, injúria e perturbação da tranquilidade alheia por acinte ou motivo reprovável", diz a promotora.

As alunas não quiseram dar entrevistas, mas forneceram à advogada da ONG Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidades (Neps), Fernanda Nigro, detalhes dos abusos. "Elas foram agarradas pelas costas e os estudantes que assistiam aos ataques gritavam: ‘Pula, gorda!’" Uma aluna caiu durante a abordagem e foi "montada" pelo agressor. As jovens estão assustadas e traumatizadas, diz a advogada.

Apesar do "rodeio" ter sido um ato isolado e não se caracterizar como bullying – que é uma violência repetitiva –, diversos acadêmicos da Unesp relatam em um site de relacionamento que as agressões contra alunas obesas ocorrem de forma reiterada. Uma mãe conta que a filha, que nem chegou a ir ao InterUnesp, estava desmotivada em ir para a faculdade devido aos abusos.

Integrantes da Associação Atlética Mané Garrincha, principal organizadora do InterUnesp 2010, informaram que só se pronunciariam oficialmente após conversarem com um advogado e afirmaram não ter conhecimento das agressões. Um dos organizadores, o estudante de Engenharia Biotecnológica Roberto Negrini, do câmpus de Assis, disse que era só "uma brincadeira". Ele negou participação no assédio às alunas, mas admitiu estar arrependido de ter divulgado.

Além das agressões no "rodeio", vídeos colocados na internet mostram os jovens cometendo atos obscenos e baixando as calças. Há também uma competição chamada "revezamento 4x100 roupa". Na "prova", os acadêmicos correm nus. Há vídeos de anos anteriores. O delegado seccional de Arara­­quara, Fernando Luiz Giaretta, vai investigar as imagens.

Indenização

O advogado Alexandre Saldanha Soares, especialista em bullying, afirma que as vítimas poderão pedir indenização por danos morais e materiais. "É uma situação vexatória extrema. É preciso apurar as responsabilidades de todas as partes", diz. Ele argumenta ser necessária uma punição a todos os envolvidos, inclusive a quem se omitiu. Com a instauração de um processo disciplinar, os acadêmicos podem ser afastados definitivamente da instituição. Soares acredita que a universidade vai optar por este caminho.

Clóvis Amorim, psicólogo e professor da Pontifícia Universi­­dade Católica do Paraná e Faculda­­de Evangélica do Paraná, explica que uma das hipóteses para este tipo de comportamento é a falta de um sentido para a vida, como ocorreu em casos semelhantes quando jovens agrediram em 2007 uma empregada doméstica no Rio de Janeiro, por exemplo.

Para evitar essas agressões, é preciso que as práticas parentais mostrem respeito ao próximo e que a cultura universitária mostre tolerância zero com qualquer tipo de violência. "Antes acreditava-se que os alunos chegavam adultos à universidade. Outro ponto importante é que não há correlação entre nível intelectual, desempenho acadêmico e desempenho moral ou ético."

Amorim argumenta que as vítimas ficarão com sequelas. Aquelas que já tinham baixa autoestima terão uma ferida ainda maior, poderão apresentar sintomas de estresse pós-traumático, quadro depressivo, ansiedade, esquiva social, entre outros.

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Interatividade

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