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Curitiba – Principal alicerce social e vitrine política do governo federal, o Bolsa-Família não tem atingido no Paraná seu objetivo de levar renda às regiões menos favorecidas. Comparando-se os dados do programa com os do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – um indicador que combina informações sobre saúde, educação e renda para medir a qualidade de vida nos municípios –, é possível perceber que as cidades mais carentes do estado têm sido menos privilegiadas na distribuição de recursos. Em seu lugar, tem tido prioridade um grupo de municípios que se caracteriza pela grande quantidade de famílias assentadas em projetos de reforma agrária

Da relação dos 20 municípios com os valores médios do Bolsa-Família mais altos, 18 estão na região Sudoeste do estado, entre Pitanga, Guarapuava e Toledo, em uma área classificada pelo Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar como prioritária para reforma agrária. Por outro lado, apenas quatro das 20 cidades que recebem os valores mais altos integram o grupo dos piores IDHs do estado. São elas: Mato Rico, Santa Maria do Oeste, Rio Bonito do Iguaçu, Palmital e Diamante do Sul. As famílias de Ortigueira e Doutor Ulysses, as duas cidades de IDH mais baixo no Paraná, por exemplo, não estão nem entre os 50 benefícios mais altos do estado.

O porcentual de atendimento do programa também pende para o lado das cidades com grandes assentamentos rurais. No grupo das 20 cidades com maior quantidade de assentados, o Bolsa-Família atende, em média, 83% das famílias pobres. Nas 20 cidades mais carentes a média de atendimento cai para 77%.

A diretora do Cadastro Único do Bolsa-Família, Lúcia Modesto, reconhece que a análise feita pela Gazeta do Povo indica uma distorção no programa. "Também temos feito esse estudo de cadastro no âmbito nacional e percebemos que prefeituras com IDHs baixos têm tido dificuldade na implementação do Bolsa-Família. Mesmo que o dinheiro esteja disponível, a capacidade dessas administrações municipais em se organizar é reduzida", explica.

Para Lúcia, a estrutura social dos assentamentos pode explicar os números favoráveis às cidades onde existem projetos de reforma agrária. "Você tem um agrupamento mais organizado e preparado para pressionar o poder público", argumenta.

O sociólogo e consultor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Antônio Ibarra, tem uma visão semelhante. "Os assentamentos carregam uma estrutura social melhor definida, herdada dos tempos dos movimentos sociais, como o MST. Esse tipo de organização dá mais poder para organizar o cadastro e exercer pressão política sobre a prefeitura".

Exemplo claro dessa análise é verificada na cidade de Rio Bonito do Iguaçu. O município tem pouco mais de 13 mil habitantes e quase metade da população vive nos três projetos de assentamento localizados em seus limites: Ireno Alves, Marcos Freire e 10 de Maio.

O vereador mais votado nas últimas eleições, Danilo Cabeludo (PT), é morador do Ireno Alves, o mais antigo dos três assentamentos e liderava as famílias à época em que, os hoje agricultores, eram sem-terra acampados embaixo de lonas de caminhão. "Dá para dizer que as famílias estão em um nível bom. Estamos bem estruturados", explica Danilo. O prefeito da cidade, Joel Moreira, do PT, é, segundo Danilo, um companheiro dos "assentados". "Temos um bom diálogo", garante.

A força política e a organização social foram fundamentais para a estruturação do assentamento. O agricultor Darci Schust passou por nove acampamentos sem-terra até parar no assentamento Ireno Alves. Primeiro morou debaixo de lona, depois em uma casa de madeira pequena. Hoje vive, com a mulher e os dois filhos, em uma casa de material construída por ele com crédito do Incra. A antiga moradia virou paiol e depósito.

No Ireno Alves, Darci consegue enxergar um futuro melhor para os filhos Magno, 10 anos, e Viviane, 8 anos, mesmo com os contratempos da plantação. No ano passado, Darci perdeu quase toda colheita de milho com a seca. "Temos muita dificuldade ainda, mas temos esses R$ 80 do Bolsa-Família garantidos. Sem ele, ficaria difícil de comprar roupa e material de escola para as crianças".

Também são os R$ 80 pagos pelo Bolsa-Família que garantem material escolar, as roupas e, muitas vezes, o pagamento de contas como luz e gás na casa de Alcemir e Onorina Bertela, no assentamento 8 de Junho, em Laranjeiras do Sul. "Fiquei com dívidas de mais de R$ 2 mil no ano passado. Por isso, por mais que o benefício seja pouquinho é essencial", diz Alcemir, que completa: "aqui no assentamento tem vindo direito. Se não vier o pessoal cobra mesmo."

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