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Curitiba – O Brasil acordou tarde para o seu problema educacional e deve investir para reverter esse quadro. Apostou em "quantidade" nos últimos anos, mas agora tem de se ater à "qualidade". A visão é do especialista em educação da Unesco, Célio da Cunha, para quem o país precisa reservar pelo menos 7% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor, contra os 4,2% registrados em 2005. Dar à educação a mesma importância destinada às metas econômicas. Para Cunha, se o Brasil não colocar a mão no bolso e melhorar a fiscalização das verbas da educação não conseguirá crescer e superar os desafios da globalização.

Gazeta do Povo – Qual é a origem dos problemas educacionais no Brasil?Célio da Cunha – O Brasil se omitiu em relação à educação básica no passado. No século 19, vários países no mundo incrementaram seus investimentos na setor sob o impulso dos ideais da Revolução Francesa. No século 20, na América Latina, vários países estruturaram sistemas públicos de educação, como Argentina, Uruguai e Chile. O Brasil ficou fora disso.

Por quê?O Brasil, diferentemente de outras nações, não teve elites esclarecidas. Teve vozes isoladas, como José Bonifácio e Gonçalves Dias – este último, em seus relatórios sobre as províncias, reclama do abandono das escolas –, muitas denúncias, mas não teve elite disposta a resolver o problema. O que os outros países tiveram, como nos Estados Unidos, com um George Washington, que em seu primeiro discurso como presidente falou sobre educação, o Brasil não teve, ficou aquém, com antielites. E as elites são necessárias nos momentos fundamentais quando a nação joga com o seu destino.

Tivemos uma segunda chance com a República, mas nem aí houve um projeto republicano de educação. Um texto de Euclides da Cunha, durante a abolição da escravatura, sugere que, ao invés de tantas comemorações, o país gastasse o dinheiro para abrir escolas para os libertos.

E nos últimos anos?Em função dessa omissão, o país acumula um déficit que chega aos nosso dias. Na década de 90, com a intensificação da globalização, do incremento das formas de educação, com o avanço da ciência e da tecnologia, quando a educação começa a ser vista como imprescindível para o desenvolvimento, começou-se a perceber a perda de tempo. Tanto que nos últimos governos, principalmente com o impulso de Murilo Hinguel (ministro de Educação do governo Itamar Franco) o país teve um grande progresso quantitativo. Com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), criado em 1996, o ensino fundamental se universalizou. Hoje, 97% das crianças nessa faixa etária estão na escola. Mas isso não é suficiente. O avanço quantitativo é mais fácil, mas insuficiente. Estamos hoje diante do desafio qualitativo.

Como assim?A Unesco divulgou recentemente dados desafiantes para o Brasil. O nível de repetência, por exemplo, está perto de média de alguns países africanos. As deficiências estão em todos os níveis, na preparação dos professores, na infra-estrutura das escolas, no material didático e nos sistemas de ensino. Temos 30 milhões de analfabetos funcionais, crianças que chegam à 4.ª série sem ler e escrever e 2 milhões de professores que ganham mal, vendo na profissão um horizonte de frustrações. E isso só se resolve com dinheiro. E o país ainda continua a investir pouco em educação para corrigir essa falha diante dos desafios do progresso, à velocidade do mundo contemporâneo. Quando se compara o Brasil com investimentos de outros países se vê que a educação ainda não é prioridade, porque educação de qualidade custa dinheiro.

Quanto os outros países têm investido em educação?O Brasil investe hoje 4,2% do PIB e há um consenso de que deveria ao menos chegar a 7%. Com um investimento inferior é realmente impossível colocar a educação brasileira à altura do nosso tempo. A Malásia, por exemplo, que cresceu muito no mercado internacional nos últimos anos, investe 8,1% do PIB em educação ao ano, com um sistema já montado, e não deficitário como é o brasileiro. Outros países, também com estruturas exemplares, possuem investimentos interessantes porque colocam o tema como prioridade; a Dinamarca, 8,6%; Noruega, 7,6% e a Suécia, 7,3%. Para falar apenas de alguns. Se o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) for aprovado, será o mínimo, mas pelo menos um pouco mais de dinheiro para a educação.

O que esperar do próximo presidente?Que as metas para a educação tenham a mesma importância de uma meta econômica. Conseguir rearranjos na legislação, dividir melhor as funções entre governo federal, Estados e municípios e criar sistemas de fiscalização que penalizem os culpados por desvios de dinheiro ou não cumprimento de metas. Fazer campanhas de conscientização das famílias. Se o filho repete na escola, os pais não se incomodam muito. Se bate o carro, é penalizado: isso mostra que educação também não é prioridade na família. Em resumo, é preciso ter uma política de educação legitimada e não de governo, que dure apenas quatro anos.

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