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Curitiba – É polêmica. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de acabar com a regra que dificultava o funcionamento de pequenos partidos foi comemorada pelos nanicos, mas recebida com apreensão por outros setores da sociedade. A cláusula de barreira (ver abaixo) tinha, como principal objetivo acabar com os chamados "partidos de aluguel", legendas sem expressão eleitoral que se deixam "usar" como massa de manobra dos grandes partidos ou por um grupo de pessoas. Os defensores das pequenas agremiações partidárias dizem, no entanto, que tal como estava, a cláusula de barreira aniquilava outros partidos de importância histórica, como o PC do B, o PTB e o PPS. A discussão é acirrada. O consenso existe apenas na necessidade de impedir as distorções partidárias. A forma como atingir esse objetivo, não.

"Partiu-se de uma premissa verdadeira, pois de fato existem "partidos" que são apenas pequenas máquinas eleitoreiras, vendidas sem pudor no mercado político e dominadas por alguns espertos. O vício de origem, no entanto, o fato de que a cláusula atendia mais aos alvos dos grandes partidos do que aos interesses da democracia, produziu uma norma contrária ao direito público", avalia o cientista político Roberto Romano, professor da Unicamp.

De acordo com Romano, a dose da cláusula de barreira era forte demais por reprimir a liberdade partidária já que as bandeiras levantadas pelos partidos minúsculos podem representar a vontade de grande parte do eleitorado. "Um pequeno partido traz em si, se for mesmo partido e não máquina de negócios, o germe de uma proposta de Estado. Fechar um partido assim é arrancar dos eleitores um caminho possível para resolver os problemas do Estado no seu todo. É matar a liberdade política no seu berço", define.

Há ainda quem acredita que a regra deveria ter sido mantida, mesmo que parecesse exterminar boas iniciativas junto dos mercenários. "A cláusula de barreira é só um esforço para diminuir o número excessivo de partidos no país. Das 29 legendas inscritas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apenas oito dominam o cenário político nacional. E a lei não acabava com os pequenos partidos ao permitir que se unissem para alcançar o mínimo previsto de representatividade", analisa Lúcio Rennó, cientista político da Universidade de Brasília (UnB).

Rennó questiona ainda o fato de STF ter acabado com a regra apenas onze anos depois da sua aprovação, em 1995, e após o resultado das últimas eleições, quando a cláusula de barreira entraria em funcionamento. "A medida tomada pelo STF, justificada por argumentos como a defesa do pluripartidarismo e da liberdade de expressão dos eleitores, para mim é um engano. A cláusula de barreira não ameaçava a representação das minorias. Mas o que eu acho mais problemático é o cancelamento de uma determinação do legislativo decidida há mais de dez anos, neste momento político determinado", alfineta.

Carlos Ari Sundfeld, professor da Faculdade de Direito da PUC em São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas, considera que a interpretação do STF, nesse caso, é uma resposta à sensibilidade política do momento. "É razoável que, com o passar do tempo, como acontece em vários países, se consolide um quadro partidário estável, com regras claras de representatividade, proporcional à expressa vontade dos eleitores. Por isso a existência de medidas de afunilamento, como a cláusula de barreira. Pelo que vimos, o Legislativo chegou à conclusão que o país já estava pronto para esse afunilamento e o Supremo, por outro lado, acabou interpretando o contrário, que isso não convinha ainda", explica.

Na avaliação de Sundfeld, a igualdade que os pequenos partidos têm hoje com os grandes não corresponde aos desejos do eleitor. "Não faz sentido que um partido, com apenas um deputado, que representa uma minoria ínfima, possa ter, por exemplo, um certo poder de bloqueio como existe hoje", exemplifica. Oligarquias

Romano, da Unicamp, alerta que o principal problema da representação política nacional não está na existência de pequenos partidos ou não, mas na falta de democracia nas legendas. E que os grandes partidos, muitas vezes, frustram impunemente seus eleitores. "Ao contrário de países democráticos importantes, no Brasil nenhum partido leva a sério o militante de base. Os candidatos são "escolhidos" pelos oligarcas que dominam conjunturalmente a máquina do partido, o militante não é consultado. Resulta que os oligarcas dos grandes partidos vendem o seu apoio aos governos de acordo com os seus interesses pessoais ou grupais. Assim, os programas do partido são jogados na gaveta", descreve.

Outro problema maior, na visão de Ângela Moreira, coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdades Integradas Curitiba (FIC), é a ausência da exigência da fidelidade partidária. "A troca-troca de partidos pelos políticos no Brasil é considerada uma prática quase feudal em outros países. Isso não acontece de jeito nenhum nas democracias modernas", frisa.

E Romano insiste que a fidelidade partidária deveria significar, antes de tudo, a lealdade do partido ao programa de governo oferecido ao seu eleitor. "Os que votaram no PDT, por exemplo, sabiam que seus representantes apoiariam o governo Lula?", questiona.

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