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O aposentado Gilson Ribeiro, 69 anos, e a neta Marcela, 6: convivência com humor, respeito e amizade | Marco André Lima/ Gazeta do Povo
O aposentado Gilson Ribeiro, 69 anos, e a neta Marcela, 6: convivência com humor, respeito e amizade| Foto: Marco André Lima/ Gazeta do Povo

Aos avós o que é dos avós

Para especialista, é preciso abrir mão de certos valores quando os netos nascem. E valorizar o papel dos filhos é importante para que a relação entre todos dê certo.

Confira entrevista com o pediatra Leonardo Posternak sobre o papel dos avós na educação dos netos

Contato obrigatório com os quatro netos

As histórias contadas pelo engenheiro aposentado Gilson Gomy de Ribeiro, 69 anos, a respeito dos quatro netos fornecem um retrato rico e divertido da relação saudável que pode ser criada entre os mais velhos e os pequenos. Ele, que não co­nheceu os avós paternos e pouco con­­viveu com os avós ma­­ternos, se enche de orgulho ao falar da re­­lação com Pedro Henrique, 9, Mariana, 8, Ga­­briel, 4, e Marcela, 6.

Nos finais de semana, os encontros com Marcela, que mora em Curitiba, são obrigatórios. No caso dos demais, que vivem em São Paulo, a visita é no mínimo mensal. A intimidade já rendeu cenas engraçadas, como da vez em que, num hotel-fazenda em Gaspar (SC), os quatro foram repreendidos por outras crianças por enfiarem uma torta na cara do avô durante uma brincadeira. "Disseram a eles que era preciso ter respeito pelos avôs, que onde já se viu uma coisa dessa", diverte-se Ribeiro.

Perguntas

Em outra ocasião, os netos chegaram a perguntar ao avô quantos anos ele tinha. "Meia-nove", respondeu Ribeiro, e ouviu de volta: "Nossa, como você é velho! Você vai morrer logo?" Os cabelos perdidos com a idade também intrigam os pequenos. "Vamos procurar o seu cabelo, então. Onde será que ele pode ter caído?", dizem sempre.

A troca de experiências e lembranças entre as gerações, recomendada por especialistas, está presente quando os cinco se encontram. Na casa de praia (em Guaratuba, litoral do Paraná) estão brinquedos antigos da própria infância de Ribeiro e da dos filhos que o aposentado faz questão de dar aos netos. "Não é fácil um elefante de corda competir com o videogame", brinca o avô coruja.

O contrário também acontece, já que o avô se sente impelido a conhecer melhor o universo dos netos. Os que vivem em São Paulo surpreendem ao falar com naturalidade de fatos que o avô não conheceu na infância, como na vez em que assistiram policias entrarem na escola onde estudam para evitar que um ladrão invadisse o local. Sem falar, é claro, na familiaridade com a tecnologia.

  • Gilson, a esposa e Gabriel, Marcela, Mariana e Pedro Henrique

Está cada vez mais comum ter avô e avó por perto. Eles levam os netos à escola, dão banho, ensinam a lição de casa e até auxiliam na educação. Se há algumas décadas os avós figuravam sozinhos em um retrato em preto e branco pendurado na parede, hoje aparecem lado a lado dos netos no álbum de família. Avós não são mais aqueles de quem só ouvimos falar em histórias relatadas por terceiros.Com o aumento da longevidade, eles, que pouco conviveram com os pais de seus pais, têm uma segunda chance de viver essa relação, embora em outro papel. A revolução silenciosa que emerge desse convívio entre gerações deve mudar para sempre a maneira como essas "figuras" são vistas tanto pelas famílias quanto pela sociedade.

Na semana em que se comemora o dia dos avós (26 de julho), uma psicóloga gerontóloga, uma terapeuta familiar e um pediatra dão dicas de como usar e abusar do lado positivo dessa convivência e alertam para os desafios impostos por uma nova configuração familiar.

ENSINAMENTOS

Velhice sem mistérios

Cabelos brancos, pele molinha, passos mais lentos. Para uma criança, a figura do idoso ainda causa mal-estar, confusão, pena ou até mesmo repulsa. A convivência com os avós, neste sentido, tem a capacidade de ensinar aos mais novos noções importantes sobre o processo de envelhecimento e mostrar que o declínio do corpo e dos reflexos são um processo natural.

"Isso [a proximidade entre gerações] é importante para que as crianças entendam o sentido de finitude, de limitações e perdas que a velhice traz. Essa convivência tem o poder de despertar essa consciência, dá a oportunidade de se conceber o fim", avalia a psicóloga Mariana Zilli Calabresi. Como lembra a especialista, este é um privilégio que os avós de hoje, que precisam lidar com o envelhecimento, não tiveram quando crianças.

Essa proximidade, inclusive, não deve despertar receios nos pais, ciosos de proteger os filhos da dor e do medo supostamente causados pelas limitações e pela separação. Se o avô está doente, esta é uma boa hora para falar sobre a vulnerabilidade humana e que um dia as pessoas amadas podem ir embora. "Não deve haver segredos. Todos nós precisamos elaborar os lutos decorrentes de nossas perdas", diz Mariana.

Troca de conhecimentos

Por passarem mais tempos juntos, avós e netos também precisam lançar mão da criatividade e de disposição para que a convivência não se resuma a horas sentados na frente da televisão ou em longos silêncios. A troca de conhecimentos típicos de cada geração é o antídoto anti-monotonia para possíveis situações como essas.

Por parte dos mais velhos, é possível resgatar brincadeiras típicas da infância, como peteca, três marias, bolinha de gude e xadrez, que valorizam um período da vida do idoso e permitem aos netos conhecer outras formas de diversão que não o computador e o videogame. A tecnologia, no entanto, não é um problema – pode ser uma aliada.

Como o objetivo é permitir que ambos aprendam, os netos também podem ensinar os avós a navegar na internet, criar um perfil nas redes sociais, manusear o celular ou pagar contas e fazer compras on-line. A terapeuta familiar Eneida Ludgero observa que ambas as gerações têm muito a contribuir. "Os netos trazem para a vida dos avós uma perspectiva de renovação e crescimento, e os avós trazem sabedoria e experiência. Essa troca é extremamente positiva."

Experiência e renovação

E quando se fala em experiência, todo esse conhecimento adquirido em seis, sete ou oito décadas de vida pode ser aproveitado até mesmo para fins de formação. Quem tem hoje esta idade viveu desde a discussão da lei do divórcio e o auge do movimento feminista até a ditadura militar e o surgimento da pílula anticoncepcional. Por que não aproveitar esse conhecimento e essa vivência para auxiliar os pequenos com a tarefa de casa e até mesmo discutir a mudança de costumes e a noção de tradição versus renovação?

Quando os netos chegam contando o que aprenderam na escola, essa é uma boa hora para o avô, que muitas vezes supervisiona a lição de casa, contar como era o ensino naquela época e, caso ele tenha vivido o período estudado, relatar como episódios maiores da História influenciaram o cotidiano de pessoas comuns. Isso, de acordo com a gerontóloga Mariana Calabresi, aproxima a família e valoriza a experiência de vida dos mais velhos.

Isso é importante até mesmo para que os avós possam refletir sobre princípios dos quais não se deve abrir mão e quais ideias devem se adaptar à nova realidade – que envolve até mesmo a forma de se educar os mais novos. O pediatra Leonardo Posternak, autor de O livro dos Avós, avalia que é importante valorizar a bagagem adquirida com o passar dos anos, porém, sem glorificar demais a forma como se vivia antes, sob o risco de se parar no tempo. "Cada geração tem seus erros e acertos."

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Interatividade

Como estimular a convivência entre avós e netos? E até onde eles podem interferir na educação das crianças?

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As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

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