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Curitiba – O pior acidente da aviação civil brasileira não tem um único culpado. Desastres aéreos são sempre uma combinação de erros, dizem os especialistas. Apenas uma investigação técnica irá concluir quais foram os fatores que ocasionaram a tragédia. O acidente do Airbus da TAM, no entanto, deixou, além das vidas perdidas, dano irreparável, uma coisa bem clara: prossegue passo a passo a falência do sistema aéreo brasileiro. Dez meses depois de se tornar público, com o acidente da Gol e o jato Legacy, o apagão aéreo continua a atormentar a vida de milhares de passageiros. O governo, letárgico, mantém-se na defensiva: está mais preocupado em rebater acusações do que oferecer soluções. Planejamento e competência? Ninguém sabe, ninguém viu. Reina o conflito de responsabilidades entre os órgãos reguladores da aviação e a sensação de insegurança entre aqueles que precisam utilizar os aeroportos e aeronaves no país.

O começo foi a morte de 154 pessoas a bordo do Boeing da Gol, em setembro do ano passado. Acusados, os controladores de vôo trouxeram à tona os problemas da categoria. Sob a rigidez do comando militar, enfrentam no trabalho uma dinâmica diferente, mais severa, onde não há, por exemplo, direito a greve ou pronunciamento público. "Desde o acidente, os controladores passaram a se valer de uma postura legalista. Antes eles controlavam mais de 14 vôos ao mesmo tempo, passaram a controlar sete, como orienta o manual", diz Luís Alexandre Fuccille, ex-funcionário do Ministério da Defesa e professor do Núcleo do Estudos Estratégicos da Unicamp. Tendo em mãos o manual (defasado, diga-se: foi escrito nos anos 70), o trabalho dos controladores tornou-se menos dinâmico. O reflexo foi imediato. Longas e desconfortáveis esperas nos aeroportos de todo o país.

À frente do Ministério da Defesa, deveria estar o homem capaz de organizar a crise e determinar tarefas. Mas não. "É uma crise de natureza emocional", disse Waldir Pires, sobre o problema dos controladores, em outubro passado. Sua escalação no ministério segue o critério petista de interesses. Primeiro preserva-se as alianças (indicação política), depois o que for melhor para o país (técnicos e especialistas). Com influência sobre a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), órgão criado para planejar e regular a aviação brasileira, Pires mostrou-se um lamentável administrador. As companhias aéreas deitaram e rolaram.

A quebra de grandes empresas do setor em anos recentes – Transbrasil, Vasp e Varig – provocou um redesenho da malha aeroviária brasileira. Um vôo Curitiba-Recife que antes seguia direto passou a ter escala em Congonhas ou Brasília. Por razões comerciais, estes dois aeroportos transformaram-se em hubs – pontos de distribuição de vôos. Conseqüentemente, passaram também, especialmente o de São Paulo, a operar no limite da capacidade. Fato que a Anac não soube contornar. "Toda hora é hora pico em Congonhas", afirma Cláudio Jorge Pinto Alves, professor de Transportes Aéreos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Alves é co-autor de um estudo sobre os desafios do sistema aeroportuário de São Paulo. "A cidade tem uma demanda natural muito grande. Por isso Congonhas deveria ser apenas um ponto de envio e destino, e não de baldeação. É preciso um remanejamento em termos de rota no Brasil, para acabar com a centralização em São Paulo", diz.

Claro, o interesse das empresas aéreas acompanha o interesse dos passageiros em geral. Ninguém quer pousar em Guarulhos, a 50 minutos do centro de São Paulo, ou em Viracopos, em Campinas. Aliviar Congonhas, de qualquer forma, levará tempo. O governo federal confirmou que dentro de seis anos São Paulo terá um novo aeroporto, a um custo estimado de R$ 5 bilhões. Enquanto isso, Congonhas terá restrições, como queriam especialistas, porque a margem de segurança no local é inexistente. Vale lembrar que a Infraero iniciou a última reforma pelos terminais e só depois chegou às pistas. Conflito de prioridades? "O terminal é o filet mignon da administração. Daí a transformação dos terminais em shoppings. Os aluguéis das lojas representam recursos. As pistas, ao contrário, são gastos. Gastos nunca são vistos com bons olhos. É preciso refletir se vale delegar à Infraero a manutenção dos terminais e das pistas, ou só dos terminais?", questiona Fuccille, da Unicamp.

Para sustentar os investimentos em infra-estutura aeroportuária no país, o governo cogita a abertura do capital da Infraero (leia mais na página 6). "Está havendo uma crise estrutural no Brasil. A aviação é um reflexo disso. A estrutura do setor não acompanhou o crescimento da demanda de passageiros", diz Ivan Sant’anna, piloto e autor do livro "Caixa-preta", sobre os piores acidentes aéreos no Brasil. Segundo ele, a tendência mundial é que os aeroportos saiam das cidades e que trens ou outros meios de locomoção ultra-rápidos façam o transporte entre o terminal e os centros urbanos.

Resta esperar que o novo pacote lançado a toque de caixa para tentar amenizar o caos aéreo de fato funcione. Santos Dumont disse que o homem haveria de voar. O Brasil também.

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