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 | Patrícia Haubert
| Foto: Patrícia Haubert

Interpretação

Francisco Juca, juiz de Direito em São Paulo e professor de Direito Constitucional na Universidade Mackenzie.

É possível dizer que o STF legislou?

O Supremo não legislou, fixou uma interpretação. Na verdade, existe uma polêmica séria com ativismo judicial quando a Justiça se antecipa ao Legislativo. Eu concordo que esta matéria deve ser regulamentada por lei pelo Congresso. Mas nesta questão, nada foi regulamentado. Os ministros não foram além do que deveriam. Eles fixaram uma interpretação que encerrou uma série de discussões. É como se dissessem que esta é a interpretação da Justiça.

Qual o alcance da decisão?

Em síntese, foi dito que juridicamente é possível a união entre pessoas do mesmo sexo para fim de união estável – portanto, formal –, com efeitos patrimoniais e direitos previdenciários e de assistência. Na verdade, o Supremo não inova porque isso é fato social. Foi mais uma repercussão social do que análise do mérito. Se depois haverá uma lei e a união se chamar casamento, quem vai decidir é o Congresso. O que a Justiça disse é que a união não é ilegal e não é contra o Direito. A questão que muitas vezes levantam sobre a aceitação é falsa também. Os ministros não estão obrigando ninguém a concordar com o fato e sim respeitar. As pessoas continuam com própria opinião e não são obrigadas a mudar. Eu, pessoalmente, por convicções religiosas, não concordo, mas não posso ignorar o mundo.

Caminho curto

Lenio Streck, procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, pós-doutor pela Universidade de Lisboa.

A decisão do STF gerou polêmica porque os magistrados estariam legislando. O que o senhor acha disso?

O STF teve uma postura ativista e se colocou no lugar do legislador, violando a cláusula da separação de poderes. Não está em pauta, na minha discussão, ser contra ou a favor das uniões homoafetivas. Particularmente, acho a causa justa. Mas a Constituição Federal teria de ser modificada ou criada uma nova legislação, porque o texto legal fala em homem e mulher.

O principal argumento dos defensores é que os ministros foram consultados e deveriam se pronunciar. É correto?

Eles têm de se pronunciar, mas poderiam julgar a ação improcedente e dizer que isso é matéria para o legislador. Isso deveria ocorrer através do Legislativo, como na Espanha e em Portugal. Por que no Brasil o Judiciário tem de decidir?

O STF já decidiu outras questões importantes, como as pesquisas com células-tronco. O ativismo ocorre há algum tempo?

Sim, mas há dois tipos de ativismo. Uma situação é o tribunal ser ativista em questões onde há espaço na Constituição para isso, mas há aquele que extrapola a Constituição.

Alguns argumentam que este tipo de decisão não ocorreria no Congresso. Qual a alternativa?

É o risco. É o ônus da democracia. Nem tudo que as pessoas querem o parlamento aprova. A democracia nem sempre atende tudo. Faz parte. A Europa convive muito bem com isso. O Brasil parece que prefere cortar caminhos. É mais fácil convencer 11 do que 513.

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer nesta semana a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo gera polêmica sobre o papel da corte suprema na legislação do país. Os críticos argumentam que o STF extrapolou as barreiras e legislou sobre um tema que deveria ficar restrito ao Congresso Nacional. Em outros temas a intervenção dos magistrados também foi decisiva, como nas ações sobre demarcação de terras indígenas e pesquisas com células-tronco embrionárias.

Quem defende o posicionamento dos ministros afirma que eles não poderiam negar uma resposta por terem sido questionados. Por trás desse investimento no Judiciário em detrimento do Legislativo está o conservadorismo dos congressistas. Para especialistas, a Câmara dos Deputados e o Senado demorariam décadas para aprovar alguma lei sobre o direito dos homossexuais. "Há projetos nesta área desde 1995 e até hoje não houve avanços. O Judiciário agiu em face à omissão do legislador", argumenta a desembargadora aposentada Maria Berenice Dias, uma das maiores juristas no país sobre direito homoafetivo.

O Judiciário tende a ser mais progressista em assuntos polêmicos. Como os políticos dependem do voto da maioria, geralmente são cautelosos ao expor suas opiniões, como ocorreu nas eleições de 2010 com o controverso tema do aborto. As mudanças na sociedade ocorrem e o Congresso deixa de dar respostas legais, o que provoca ressonância entre os magistrados.

Conservadorismo

Para o autor do livro A cabeça do brasileiro, Alberto Carlos Almeida, o Congresso representa o brasileiro médio, que tende a ser mais conservador. Já os integrantes do Judiciário vêm de camadas mais escolarizadas. Para ele, o Legislativo também é mais conservador do que o Executivo. "Isso ocorre em função do elemento cultural e da baixa escolarização", diz.

O diretor do curso de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, César Kuzma, afirma que a questão julgada pelo STF envolve o direito da pessoa humana e a liberdade constitucional. Ele argumenta que os ministros da corte não estão impondo que as igrejas passem a casar homossexuais, e sim garantiram direitos civis. "Cada igreja tem seus mandamentos e continuará resguardando-os. A meu ver, como teólogo cristão e católico, não há impacto para a religião. Continuaremos com nossos princípios e normas", diz.

Maria Berenice também acredita que não haverá grandes transformações. "A família não vai acabar. Não haverá mais uma parcela da população condenada à invisibilidade e exclusão de direitos."

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Interatividade

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