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Não é preciso bater muita perna por aí. Basta uma circulada rápida pelo Centro da cidade e redondezas para imaginar a quantidade de sítios arqueológicos destruídos por fundações de prédios e pela fúria imobiliária. O mesmo se aplica a intervenções aparentemente mais leves, como a reforma recente da Avenida Marechal Deodoro. Mas o conceito de leveza é insustentável nesses casos.

Em 2000, a instalação de cabos de fibra ótica no Centro de Curitiba surpreendeu operários da construção civil com cerâmica indígena em plena Travessa Nestor de Castro. A história caiu na boca dos arqueólogos – rendeu desaforos e 683 peças para o patrimônio. O mesmo se diga da ação em pequenos terrenos, onde a prospecção arqueológica costuma acontecer por um golpe de sorte. Há três anos, a construção do Cenáculo dos Adoradores, um anexo atrás da Igreja da Ordem, revelou uma base de parede de taipa-de-pilão – espécie de caixa de madeira preenchida com barro socado, usada na sustentação do prédio. A técnica era comum na Península Ibérica, mas não havia notícia de que fosse usada em Curitiba, onde havia emprego da taipa-de-pedra. Pois é – essa informação se safou da escavadeira graças à presença dos arqueólogos. Essas e outras.

Em 2005, na frente do Cenáculo, a demolição do antigo Centro Juvenil de Artes Plásticas – um terreno de aproximadamente 14 por 29 metros – brindou o Centro de Pesquisas e Estudos Arqueológicos da UFPR (Cepa) com nada menos do que 32.408 novas peças, incluindo indícios de sobra de que os curitibanos que moravam na área, no século 18, mesclaram técnicas da cerâmica dos índios – feita com barro de banhado – e utensílios europeus, provavelmente porque nativos e dominadores conviviam sem trocar tiros e flechas dia e noite. Informação relevante – salva por um triz, a miseráveis 3 metros de profundidade e conseguida às custas de 33 dias de trabalho e insistência de dois arqueólogos em curto-circuito. A história da habitação e a da vida privada agradecem. E como, pois a expedição encontrou até lixo doméstico, literalmente enterrado – "tesouro" de um tempo em que não havia coleta de detritos em domicílio.

Apesar de contar esses episódios com o colorido de uma odisséia, Igor Chmyz está cansado de guerra. Para ele, que soma 45 anos de pesquisa arqueológica e aproxima-se dos 70 anos de idade, o tempo de se esbaforir pelo Centro e arrabaldes em tempo de salvar sítios se acabou. Ele calcula que, se passasse as próximas duas décadas só escrevendo, não daria conta de relatar tudo o que pesquisou. "Dediquei muitos anos ao salvamento, às discussões e me faltavam períodos para redigir. Agora tenho de compensar", afirma.

A não ser que tenha um bom motivo, o pesquisador pode tirar algumas folgas de seu retiro voluntário. "Sonho fazer uma escavação na Praça Tiradentes. Cheguei perto quando mexeram no local onde está a Maria Lata D’Água [em 1996, no Largo Borges de Macedo], mas a prefeitura não facilitou", lembra. Não se trata de um capricho. As prospecções feitas no Centro até hoje deram uma certeza para o pesquisador: essa área de Curitiba, mais precisamente da Praça Tiradentes ao Alto do São Francisco, guarda segredos sobre a convivência das tribos guarani com os colonizadores portugueses. "Os europeus tendiam a ficar perto das aldeias, pois nelas havia mão-de-obra. Foi uma coexistência e houve aculturação", comenta, sobre um dado que está na palma da mão – tão na palma da mão como já esteve um dia a lei de zoneamento arqueológico.

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