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Vista panorâmica do Rebouças com os arranha-céus curitibanos ao fundo. Bairro já passou por várias tentativas de revitalização | Fotos: Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Vista panorâmica do Rebouças com os arranha-céus curitibanos ao fundo. Bairro já passou por várias tentativas de revitalização| Foto: Fotos: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Novos moradores

Para se aproximar da vizinhança

A quem possa interessar, os aproximados 1,5 mil moradores recém-chegados ao Rebouças saem para comprar pão, leite e jornais todos os dias. Muitos também saem para rezar aos domingos. Com mais gente circulando na ciclovia da Getúlio, da Alferes Poli, da Engenheiros e da João Negrão, algo indica que os dias sombrios do velho bairro chegaram ao fim.

Padre Nilton Cesar Boni, 36 anos, vigário da Paróquia do Imaculado Coração de Maria, na Avenida Getúlio Vargas, já sentiu as mudanças. Sua comunidade recebe cerca de 2 mil fieis nos fins de semana, muitos, é verdade, de outros bairros, atraídos pela fama dos pregadores da casa, anexa a uma septuagenária faculdade de Teologia.

"O desafio é entrar na residência dos novos moradores", pondera padre Nilton. Suas estratégias pastorais são modernas, mas não abrem mão da capelinha Nossa Senhora, de casa em casa. "É o meio mais eficiente de as pessoas abrirem as portas", explica. Faz sentido.

Quem chega, pode até se retrair, mas não vai conter a curiosidade diante de chaminés, ruas de paralelepípedos e moradias com lambrequins, ainda em número. "É um bairro em transição. O Rebouças não envelheceu. Graças...", encerra o vigário, de posse da fórmula perseguida pelos gestores públicos.

Perfil

Veja qual é a cara do Rebouças, conforme as estatísticas:

- O Rebouças tem 5.813 responsáveis por domicílio e gente de todas as faixas salariais. De 278 pessoas sem rendimentos a 629 que recebem mais de 30 salários. Os dados são do IBGE.

- Tem uma das menores áreas verdes da capital – 0,95 m² por habitante. Mas ainda ganha dos vizinhos Parolin, Água Verde, Guaíra e Capão Raso.

- É apontado como um dos 10 bairros com mais abertura de estabelecimentos comerciais na capital. Mas nada que o transforme numa grande Avenida República Argentina. O Rebouças tem 1,4% do comércio da cidade. Tem 18 bancos, 22 centros de saúde, 11 farmácias e nove supermercados. Mas apenas duas bancas de revistas e jornais e quatro padarias.

- O Rebouças tem praticamente dois carros por habitante – são 35 mil veículos, contra 27,9 mil no Água Verde e 19 mil no Portão – bairros com 30% a mais de população. Também é um bairro feminino – são 8,4 mil mulheres para 7,1 mil homens.

- O bairro tem em média 3,9 habitantes por domicílio. A região teve crescimento negativo nas décadas de 80 e 90, quando sua população baixou em 15 mil habitantes. Hoje tem crescimento de 0,33% ao ano. Os índices avançaram a partir de 2006, quando 1.117 unidades de construção foram autorizadas, sendo 977 residenciais e 140 comerciais.

Futuro

Saiba as direções para onde o velho bairro pode ir:

Polo audiovisual

Quem tem olho para cinema afirma que o bairro, com seus paralelepípedos e casario, é perfeito para abrigar filmagens de época. Com o benefício dos barracões: são excelentes para abrigar a produção.

Efeito Copa

Tem muita gente descrente. Mas no Rebouças o sentimento é de euforia. As melhorias prometidas para o evento devem mudar a cara do bairro. É isso ou fazer feio diante das comitivas estrangeiras.

Centro tecnológico

O Ippuc está induzindo empresas a se abrigarem no Rebouças e a desenvolverem ali qualquer forma de tecnologia. É projeto e tem seu foco no ponto em que o bairro se encontra com a Linha Verde.

SoHo

Eis a questão. A nova expectativa é que com a abertura do novo campus da UFPR, ainda em fase inicial, mais universitários venham a viver na região e tragam a cultura barata, artesanato, cooperativas, fazendo do bucólico Rebouças um espaço criativo.

Bairro da moda

As construtoras Thá e Rossi, duas das que têm empreendimento na região, veem química entre a tradição, serviços e proximidade com o Centro. O público interessado é uma classe média emergente e jovem – com um filho.

  • Padre Nílton Boni: casa em casa
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No último ano, gestores públicos, empresários e até os padres que atuam no Rebouças, em Curitiba, pararam de coçar a cabeça a cada vez que se fala no destino do bairro. Depois de um sem-número de tentativas, a região – uma das mais antigas da cidade, o Campo da Cruz, com registros no final do século 19, quando foi implantada a estrada de ferro – passou a atrair novos moradores, dando trégua à fama de zona escura, perigosa, um corredor de passagem assombrado pelos 2 mil carros/hora que circulam nas esquinas da Getúlio Vargas, João Negrão e Engenheiros Rebouças.

Hoje, de acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo, há 205 alvarás em andamento, cada um com potencial para 146 residências. Fora os prédios que já beijam o céu, como o Boulevard Rebouças, endereço de 700 novos condôminos. Some-se as 1.117 unidades aprovadas em 2006. Que se faça as contas. É fato que não chega a ser um boom imobiliário. Colocado ao lado do Portão, Água Verde, Bigorrilho e Juvevê, o Rebouças permanece trançando as pernas (veja gráfico), um espanto ao se considerar que abriga 12,3 mil estabelecimentos comerciais e que está nas barbas do melhor equipamento urbano da capital, o Centro.

Apenas 15.980 moradores desfrutam da proximidade com a Rua XV ou o que valha. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), o crescimento anual do bairro é de tímidos 0,33%, contra 3,3% do emergente Portão.

Tentativas de renovação

A lentidão do Rebouças em reencontrar sua vocação se tornou uma das lendas curitibanas, ao lado do Pirata Belmiro. A reviravolta era esperada no plano-diretor de 1965. Nada. Ficou para 1973, ano da criação da Cidade Industrial de Curitiba. A CIC, acreditava-se, selaria o fim da era Rebouças como área fabril e atrairia a classe média beneficiada pelo milagre econômico. Os novos ricos, como depois foram batizados, adorariam ser vizinhos de famílias como os Munhoz da Rocha e dos empresários que viviam ali para ficar próximos de suas empresas.

Pois não aconteceu. Com a CIC veio a crise mundial de 1975. Em 2003, nova tentativa. Naquele ano, o Decreto Municipal 223 criou o projeto Novo Rebouças, dividindo o bairro em três zonas, de modo a garantir música alta, bares, oficinas e ateliês, entre outros petiscos dos bairros industriais que se transformaram em bairros culturais, à moda do SoHo (South of Huston) de Nova York. Há quem diga nem ter notado.

Para os idealizadores do projeto – os arquitetos da prefeitura Sérgio Tocchio e Fernando Canalle – um SoHo leva tempo. No que estão prenhes de razão."Boa parte das fábricas se foram do Rebouças nos anos 70, mas o setor de serviços não. Houve restrições à poluição, mas nenhum industrial se viu obrigado a mudar para a CIC. No mais, o bairro tardou a reagir", analisa Lourival Peyerl, supervisor de Informações do Ippuc.

Justamente desse charme passadista é que veio a tentação de reciclá-lo e transformá-lo num SoHo. Apesar do nome "metido a besta" – como teimam em acusar os desinformados – o conceito é um primor de civilidade. Voltar a essas áreas antigas costuma ser a salvação das grandes cidades.

O Brasil tem exemplos o bastante. Vale citar a Vila Madalena e a Barra Funda, em São Paulo; as zonas portuárias de Santos e do Rio de Janeiro. E o próprio Pelourinho, cuja mão de tinta e o carinho dos soteropolitanos trouxeram mais dinheiro do que a implantação de uma montadora. Ora, o Rebouças é o SoHo curitibano por direito.

Em 2003, vale recordar, o projeto Novo Rebouças foi a melhor, senão a única, novidade no movimento cultural curitibano. A Rua Chile se viu apinhada de bares da moda. E as chamadas "residências" – casas alugadas via edital da prefeitura, para que artistas se mudassem para as rebarbas da Piquiri –, deram a entender que a sociedade alternativa e criativa desceria a Rua Alferes Poli ao som de "Aquarius".

A própria Fundação Cultural de Curitiba fez sua parte, instando-se num antigo moinho da Rua Engenheiros Rebouças. Mas algo saiu dos trilhos. Os bares da Chile nasceram na rabeira das faculdades próximas, demonstrando pouca afinidade com a ideia de SoHo. E tem o trânsito: sem gente circulando, a pé, ou indo à padaria e à farmácia próxima, não há solução. "Faltou um toque de SoHo", reconhece Nilton Antonietto, da diretoria de Incorporações da Thá – responsável pela mudança de pelo menos mil moradores para a região. Ele é da turma dos que ainda apostam.

Tartaruga

Em 2007, a Thá, em parceria com a Rossi, mapeou o bairro e lançou o projeto Viva Rebouças, numa iniciativa rara no setor de negócios: valorizar a tradição dos locais em que aportam, fugindo ao rótulo de predadores. Cerca de 3 mil cartilhas sobre a área foram distribuídas. E os construtores avisam que estão atrás de terrenos com mais de 10 mil metros quadrados.

Mesmo com tantas possibilidades de atrair gente, três anos depois de colocar o Novo Rebouças na berlinda a prefeitura o pôs para descansar, reforçando a síndrome de tartaruga. É assunto delicado nos meios municipais, o que a venda e a destruição da Matte Leão só vem a confirmar. Sem uma política para sua paisagem fabril, o Rebou­ças pode virar um lugar qualquer e a conversa do SoHo não passar de um verniz bonito para despistar políticas refratárias à memória de Curitiba.

O Ippuc confirma que a Ambev, antiga Brahma, e a Mate Real também estão de partida. Suas paredes também podem ir abaixo. Quem fica, por ora, é a antiga Fiat Lux, cujo título retirado da narrativa bíblica da criação do mundo – o "faça-se a luz" – poderia servir de inspiração para quem gerencia o Rebouças.

"Não há dinheiro para tudo", avisa Reginaldo Reinert, da supervisão de Planejamento do Ippuc. "A gente gostaria que mantivesse a atmosfera do reciclado. Vai depender também dos empreendedores. Talvez não esteja claro. Depen­demos de alguém que compre essa ideia", reforça Lourival, sobre o impasse que ainda ronda o bairro.

Reinert, a propósito, está à frente da mais nova cartada da prefeitura para a região – o Tecnoparque, um conceito autoexplicativo. Na região há a UTFPR, o Unicuritiba e a Opet, e terá o novo câmpus da UFPR – na antiga sede da RFFSA – e barracões de penca. Os que não forem comprados por grandes incorporadoras imobiliárias ou por igrejas, quem sabe, poderão servir de sede para incubadoras tecnológicas. No lugar do SoHo, um grande núcleo de ciência e pesquisa. Esta é a novidade. "Mas é um projeto", avisa Reinert.

Colaborou Oliver Altaras, especial para a Gazeta do Povo

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