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“Não consigo ficar em casa. Meu filho diz que já conquistei o que tinha de conquistar na vida e agora tenho de descansar. Mas ainda tenho muita energia para gastar”, Irmina Pereira, 84 anos | Aniele  Nascimento/ Gazeta do Povo
“Não consigo ficar em casa. Meu filho diz que já conquistei o que tinha de conquistar na vida e agora tenho de descansar. Mas ainda tenho muita energia para gastar”, Irmina Pereira, 84 anos| Foto: Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo

Terceira idade traz a "envelhescência"

O conceito ainda não é consagrado, mas o neologismo criado pelo escritor Mário Prata a respeito da fase de vida entre os 45 e 65 anos, batizada de envelhescência, encontra eco nas avaliações de modus operandi do idoso ativo, feitas por especialistas. O período fica entre a maturidade e a velhice e é caracterizado pela mudança de hábitos, comportamentos e até aspectos físicos de quem está vendo os anos avançarem. Guarda semelhanças com a adolescência, em diversas questões, em especial quanto à ansiedade de saber sobre o futuro.

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Uma faixa de cetim branco pregada a uma flor de pano e com os seguintes dizeres bordados em azul: "Miss Simpatia Eterna". É o desejo singelo de Irmina Blan­dina Pereira para concluir a história iniciada há dois anos com um sonho curioso e que teve seu clímax no Baile da Primavera da terceira idade de Santa Felicidade em 2007.

Foi enquanto dormia que Irmina teve a revelação: deveria se candidatar à Miss Simpatia da terceira idade no bairro onde mora. O posto não existia na época, nem voltou a ser ocupado depois da passagem da única miss de Santa Felicidade. Na noite do solstício da primavera, o ator Francisco Cuoco a visitou em sonho. Dona Mina, como é conhecida, estava à porta da Botica do Zé Colibri, uma das primeira lojas curitibanas em que pôs os pés no ano de 1950, quando veio da região chamada de Colônias Velhas, no Rio Grande do Sul.

No sonho, mulheres em vestidos elegantes subiam os degraus de uma escada em curva e se plantavam – um pé à frente e mãos na cintura – atrás do corrimão. Irmina era uma delas e foi auxiliada por Cuoco a alçar o último nível. "Ele se aproximou e sussurrou: porque você não concorre a Miss Simpatia?", relata.

Ao acordar, ela resolveu colocar a sugestão em prática. Procurou as assistentes sociais da Fundação de Assistência Social (FAS), entidade que organiza o Baile da Primavera no salão da Sociedade Danúbio, e transmitiu a ideia. Depois de uma campanha entre vizinhos e amigos do bairro, dona Mina recebeu o título.

Mais do que um elogio à vaidade, a faixa branca de Miss Simpatia reforçou o entusiasmo de Irmina. O bom humor e a disposição para encarar os mais variados programas lhe garantem uma boa teia de amizades. Em março, ela prestigiou a inauguração da Praça Tiradentes com a faixa à tiracolo. O adorno chamou a atenção de Irene Valenga, proprietária de uma agência de modelos. Depois de uma visita com café e bate-papo, foi marcada uma sessão de fotos. "Deu uma satisfação ver como ela ficou contente com um agrado desses", lembra Irene.

Entre as visitas à agência e até à ótica onde compra seus óculos, Irmina também circula pela Paróquia de São José, onde ocorrem os encontros do grupo de convivência da terceira idade promovidos pela FAS, e a casa de uma vizinha costureira, responsável pelos modelitos que ela exibe nos eventos. As inaugurações públicas são paradas obrigatórias.

"Não consigo ficar em casa. Meu filho diz que já conquistei o que tinha de conquistar na vida e agora tenho de descansar. Mas ainda tenho muita energia para gastar", diz. Agora, ela concentrou essa disposição em um novo projeto. Como desde 2007 ninguém se candidatou ao posto de Miss Simpatia, dona Mina sugeriu às assistentes sociais a confecção de uma faixa de miss eterna. Ela ainda não teve uma resposta, mas defende sua causa. "A minha faixa está ficando puída, daqui a pouco não vou poder mais sair com ela", prevê.

O que parece capricho ou futilidade foi a maneira que essa senhora de 84 anos encontrou para canalizar a sua energia vital primária. O conceito é definido pela doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade de Campinas Marília Gonçalves e identifica a força-motriz de muitos idosos ativos, mas que pode levar à frustração quando mal trabalhada ou estigmatizada.

Na terceira idade, explica Marília, algumas pessoas apresentam uma disposição que pode ser de difícil canalização. É uma energia vital em estágio primário, semelhante à das crianças, que precisa ser lapidada para que o idoso possa se satisfazer nas atividades cotidianas. "Visitar as amigas, fazer caminhadas, fazer passeios, ginástica ou natação são algumas das atividades indicadas. São exercícios que consideram as limitações da idade, mas não os superestimam. Caso a pessoa não seja auxiliada nessa adaptação, pode se frustrar ao ter uma vontade de viver não atendida", alerta. Esta frustração pode desencadear, combinada a outros fatores, um quadro de depressão.

Segundo a psicóloga, o maior entrave para a educação da energia primária é o preconceito de familiares e outras pessoas próximas. "Agora estamos em um momento de transição de uma sociedade que via 40 anos como velhice para uma que enxerga naturalmente o envelhecimento ativo", observa. De qualquer forma, é indispensável consultar um médico geriatra ou um psicólogo gerontologista para prevenir qualquer comportamento prejudicial. "Atividade é diferente de agitação, por exemplo, que pode indicar um quadro de doença mental. O especialista vai ajudar a definir a condição psicológica do paciente. Afinal, o envelhecimento saudável existe sim", esclarece.

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