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Desrespeito a liminares incentiva prática

Reaver uma área invadida não é um processo simples. O único procedimento possível a um proprietário atingido é recorrer à Justiça e pedir a reintegração de posse. A ordem para a reintegração pode ser repassada às forças policiais assim que o juiz expede uma liminar, mas aí começa outro problema: a demora do estado em cumprir a decisão judicial. Este é o caso de duas invasões em Curitiba, nos bairros Pinheirinho e Tatuquara.

"Tenho reintegrações de posse na Vila Pluma, no Pinheirinho, e na invasão denominada Bela Vista. Nos dois casos obtivemos liminar, mas não conseguimos cumprir, porque o governo não dá força policial", afirmou o advogado João Batista dos Anjos, que defende os proprietários das duas áreas. "Isso acaba incentivando novas invasões, porque o pessoal fica na certeza de que não adianta ter uma decisão judicial."

Em relação à Vila Pluma, a Justiça já emitiu a sentença. A liminar para a reintegração das Moradias Bela Vista foi expedida no fim de 2004. "A pessoa vai morando e se torna um ocupante, pela demora do cumprimento da ordem judicial", afirmou João Batista dos Anjos. "Uma dessas áreas pertence a uma viúva, que tinha a área para alugar e ficou em uma situação difícil."

A reportagem entrou em contato com a assessoria da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) para obter um posicionamento em relação ao assunto, mas não houve resposta até o fechamento desta edição.

As lonas e os barracos que tomaram conta de três terrenos no bairro Santa Quitéria durante o carnaval vêm chamando a atenção para um problema antigo em Curitiba, mas que ganhou força a partir do fim do ano passado. Segundo a prefeitura, desde novembro de 2006, vêm sendo registradas inúmeras ocupações irregulares na cidade, principalmente nos bairros que compõem a Regional Portão. A prefeitura não sabe precisar o número de novas invasões na capital, mas o tema já chamou a atenção do Ministério Público do Paraná, da Câmara de Vereadores e da Secretaria Municipal do Urbanismo.

Desde o fim do ano passado, a tática adotada pelos invasores – que negam qualquer ligação com movimentos de luta pela moradia – vem sendo ocupar terrenos particulares, pertencentes a construtoras e imobiliárias inscritas na dívida ativa municipal devido ao não-pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). A inadimplência pode levar a prefeitura a desapropriar as áreas, que já estariam ocupadas quando fossem incorporadas ao patrimônio do município.

O problema é agravado pelo fato de o governo do estado não cumprir as reintegrações de posse já determinadas pela Justiça. O caso do Santa Quitéria é um exemplo de como as ocupações vêm sendo conduzidas. Os invasores começaram a chegar ao local no dia 16 de fevereiro, sexta-feira anterior ao carnaval. Desde então, já tomaram posse de três terrenos nas ruas Rezala Simão, João Scuissiato e Brasílio Ovídio da Costa – dois de construtoras falidas e um da Copel, onde passa uma linha de alta tensão. De acordo com invasores que parecem representar os demais – apesar de negarem qualquer tipo de liderança (dizem trabalhar como voluntários) –, há aproximadamente 220 famílias, ou cerca de 900 pessoas, nos três terrenos.

No maior deles, que fica nos fundos de um condomínio na Rua Rezala Simão, os ocupantes já começaram a dividir os lotes. A pessoa responsável pelo cadastro, que não revelou o próprio nome, disse que a ocupação foi "espontânea". "Veio gente da cidade inteira, que ficou sabendo por causa do boca-a-boca", afirmou. Ele disse que cerca de 800 pessoas procuram o "loteamento" por dia, mas garantiu que nenhum novo invasor está sendo aceito. "Aqui tem gente que dormia no carrinho de papel. São pessoas que não têm condições de pagar aluguel."

É o caso do pedreiro João (nome fictício), 46 anos, um dos primeiros a chegar ao local. "Ganho no máximo R$ 350 por mês e não tenho como fazer um financiamento", disse. "Pago aluguel e moro na Fazendinha. Meu sonho é conseguir uma meia-água para morar com a família. Não quero nada de graça, quero pagar. Com prestações de R$ 60 ou R$ 70 por mês."

Enquanto o pedreiro pensa no futuro, o presente vem assustando os moradores da região. "Não sabemos o que pode acontecer", disse uma moradora da região que pediu para não ter o nome revelado. "Estamos nos sentindo impotentes. Pagamos nossos impostos, mas não temos apoio de ninguém." Segundo ela, a Polícia Militar e a Guarda Municipal acompanharam a invasão durante o carnaval e depois se retiraram. "Depois disso, começou a chegar gente com facão. Teve uma madrugada em que ouvimos um tiro."

O administrador da Regional Portão da prefeitura, Fernando Guedes, disse que ficou assustado com o número de invasores. "Temos notícias de invasões pontuais, mas esta surpreendeu pelo volume de pessoas. O que nos revolta é ver o direito de propriedade violado", disse. "Essa disposição de se ocupar áreas de maneira ilegal e descontrolada nos preocupa, porque são áreas sem planejamento para receber um adensamento populacional desta natureza."

De acordo com o diretor do Departamento de Fiscalização da Secretaria Municipal de Urbanismo, José Luiz Filippetto, os bairros mais visados pelos invasores são Santa Quitéria, Fazendinha, Novo Mundo e Capão Raso. Também há áreas públicas invadidas, como a da Copel, ou que pertencem à própria prefeitura. "É difícil dizer a quantidade, porque é uma coisa diária. Hoje (ontem) mesmo retiramos uma barraco da beira do Rio Barigüi, em área de preservação", comentou Filippetto. "Isso tudo sem falar no incômodo para os vizinhos. O valor dos imóveis cai e a insegurança aumenta."

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