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O primeiro loteamento feito no bairro do Tatuquara – região sul de Curitiba – data do final de 1965, há exatos 40 anos. De lá para cá, a região que faz divisa com o Pinheirinho e com o município de Araucária atraiu muita gente. De acordo com o Censo 2000, moram ali cerca de 36 mil habitantes, mais ou menos a mesma população do tradicionalíssimo Portão – povoado desde o final do século 19. O Tatuquara é jovem – tão jovem quanto sua gente. Cerca de 30% da população está na adolescência e na juventude, mas a contar pelas opções de lazer na região, pertencer à mocidade é praticamente um fardo. Por aquelas bandas não há nada que fazer nos fins de semana.

Tuanny Carvalho, 15 anos; Priscila Maia, 13; Robert Santana, 16; e Tainara Braz, 12, pertencem à ala juvenil do distante Tatuquara, mas vieram de outras regiões da cidade – Novo Mundo, Boqueirão, Sítio Cercado e CIC. Eles sentem saudade do antigo endereço. Nesses lugares tinha pelo menos uma quadra de esportes por perto. A que havia na área em que moram – nas vizinhanças da Moradias Monteiro Lobato, Jardim Evangélico e do Jardim Ludovica – vai abrigar uma unidade de saúde e está em obras. O lugar era agradável, "tinha árvores em volta" – contam – e costumava ser elogiado pelos visitantes. Como a região não tem praças, calçamento ou ruas asfaltadas, recorria-se à quadra na hora de "fazer sala" para algum forasteiro. Agora, nem isso. Já bares – é difícil quadra que não tenha um.

Bem que o quarteto tentou arrumar uma saída para não ficar refém da tevê, mas foi derrotado. Nos domingos, o trajeto de ônibus até o Pinheirinho pode consumir uma hora. Fechar a rua para jogar vôlei é frustrante – os carros passam a toda velocidade e levantam o "poeirão", uma das torturas da vida tatuquarense. As quadras vizinhas – onde os jovens poderiam fazer esportes – estão em divisas com outras vilas e invasões. "Tudo bem, ninguém tem culpa...", dizem eles, o problema são as linhas imaginárias traçadas pelas gangues, fazendo com que os pais passem a chave na porta e um sabão em quem ousar desobedecer.

Em 40 minutos de conversa com a reportagem, Tuanny, Priscila, Robert e Tainara disseram um sem número de vezes as palavras "medo" e "perigoso", sempre que tentavam pensar numa alternativa para desfrutar de um direito assegurado pela Constituição Brasileira – o "lazer". "Está vendo esse bosque. É legal, né! A gente brincava aqui quando era criança. Mas hoje em dia ninguém tem coragem de passar ali dentro", lamenta Tuanny. "Ir à escola é minha única diversão."

A conversa só muda de rumo quando os amigos são convidados a mostrar um lugar do bairro em que construiriam um centro de lazer. Subiram animadamente uma rua esburacada, cruzaram três quarteirões e correram para um descampado que pertence a sabe-deus-quem – na altura da Rua Francisco Stubach. No fundo, dá para ver duas chácaras do Tatuquara dos tempos do nono. Num canto do terreno tem um morro com árvores, de onde se enxerga a fumaça saindo das fábricas da CIC, mas também um cinturão de verde que dá gosto. "Visto daqui, o Tatuquara até que não é feio", elogia um deles.

Fabrício Carvalho de Souza, 20 anos, vive na Vila Vitória, Umbará, e faz parte da tribo de cinco mil jovens que habitam o bairro. Ao todo, são por volta 15 mil moradores. A região se transformou rapidamente, perdendo a faixa e coroa de colônia italiana autêntica e intocada – um mundo com o qual o rapaz tem pouca intimidade. Ele terminou o segundo grau, colocou o retrato da formatura na parede da casa, trabalha como frentista num posto de gasolina e sabe que precisa dar um jeito de continuar os estudos. Tem de fazer a coisa certa – afinal, estima que cerca de dez amigos de infância, com os quais até pouco tempo jogava pelada, tenham sido assassinados.

O assunto o comove, mas o jovem decidiu não se intimidar pelas mal traçadas linhas. Cumprimenta todo mundo e continua oferecendo a porta da sua casa para que a turma se reúna no fim de semana, onde tem a batida forte do "touche", codinome do tecno na periferia. Bares e bailões em que a bebida rola sem controle estão fora dos planos. "Meus pais preferem conhecer meus amigos e não ligam de receber o pessoal", diz. Além das festinhas à moda antiga, no portão – um expediente tão comum em vilas como quermesses e festas juninas – Fabrício aproveitou um "dom inato", como diz ele, a capoeira, para convencer a turma da vila de que se divertir é preciso.

Ele bem que tentou conquistar uma área para ensinar o jogo e também alguns passos de axé, mas foi derrotado por um estacionamento de igreja. Teimou. Quem quer aprender os movimentos sabe onde pode encontrar – a esquina da casa do rapaz, um território onde o sinal não está fechado para os jovens.

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