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A Polícia Civil do Paraná comandou ontem uma operação que resultou na prisão de 16 acusados de integrar uma rede especializada no desvio de dinheiro de organizações não-governamentais (ONGs) em sete estados e no Distrito Federal. Nove pessoas foram presas no Paraná, quatro em São Paulo, duas no Rio Grande do Sul e uma em Santa Catarina.

Duas ONGs de apoio a portadores de câncer, criadas em 2002, com sede em São Paulo, recebiam o dinheiro de doações recolhidas por cerca de 50 filiais espalhadas por todo o país. A quadrilha teria desviado cerca de R$ 30 milhões por ano – dinheiro de doadores, obtido geralmente por meio dos serviços de telemarketing e motoboy.

O esquema, que seria gerenciado na matriz da cidade de São Paulo pelo jornalista Arnaldo Braz, de 60 anos, e contabilizado em São José dos Campos (SP), começou a ruir em Curitiba. Uma denúncia chegou à polícia por meio de funcionários da filial curitibana, indignados com a forma escancarada com que o dinheiro era desviado. Parte das doações em dinheiro nem era contabilizada, indo direto para o bolso ou para a conta bancária de diretores das ONGs ligadas ao Grupo de Apoio a Pessoas com Câncer (GAPC) e à Associação Brasileira de Assistência a Pessoas com Câncer (Abrapec).

Parte do patrimônio desviado foi recuperada pela Delegacia de Estelionato e Desvio de Cargas (Dedec). Além das prisões, a Operação Pharmako cumpriu 31 mandados de busca e apreensão em Curitiba, Londrina, Maringá, Ponta Grossa e Foz do Iguaçu (PR), São Paulo e São José dos Campos (SP), Porto Alegre e São Leopoldo (RS) e Joinvile (SC). Até ontem haviam sido apreendidos R$ 600 mil em dinheiro, R$ 200 mil em cheques e cerca de 20 automóveis, entre eles Mercedes-Benz, Vectra, Mégane, Marea, S-10, Focus, todos com um ano de uso, em média. A polícia suspeita que todos possam ter sido comprados com dinheiro arrecadado pelas ONGs.

Na casa de Braz, a polícia de São Paulo apreendeu uma caminhonete Ford Ranger e um Honda Fit. O mais importante, no entanto, foi encontrar em todos os lugares uma farta documentação que comprovaria as fraudes. São provas documentais e testemunhais, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Paraná. Os acusados serão indiciados por crime de peculato, formação de quadrilha e enriquecimento ilícito. O delegado da Dedec, Marcus Vinícius Michelotto, explica que o crime de peculato se aplica porque de certa forma eles são considerados funcionários públicos, "pois exercem uma função que seria do estado, em troca de isenção de impostos".

Suspeita

A Abrapec e o GAPC declaram à Receita Federal uma receita anual de R$ 17 milhões, o que levou a polícia paranaense a suspeitar que esse montante chega a, no máximo, um terço do total realmente arrecadado pelas ONGs. Os dois terços restantes, ou seja pouco mais de R$ 30 milhões, seriam desviados. Conforme pôde ser constatado pela documentação já disponível, este dinheiro vinha de doações feitas por cidadãos do Rio Grande do Norte, do Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Paraíba, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Distrito Federal. Nestes estados foram identificadas pelo menos 50 filiais das duas principais ONGs do esquema.

Para Michelotto, novas descobertas dependem agora das polícias dos demais estados tentarem descobrir até onde vão os tentáculos da organização comandada pelo jornalista Arnaldo Braz. Ele diz que estas ONGs são dissidências da Legião da Boa Vontade (LBV) e suas filiais passaram a ser criadas a partir de 2002, mas sem a documentação necessária. Muitas foram declaradas de utilidade pública por meio de leis municipais, mesmo repletas de ilegalidades. A filial do GAPC em Curitiba recebeu esse privilégio em 2002, o que lhe garantiu isenção de impostos. A maioria dos funcionários não tem carteira assinada, nem qualquer garantia trabalhista.

Waldemar Braz é um dos administradores das ONGs. Ele controlava as contadoras Cristiane Mafra Araújo, em Maringá, e Neuza Pereira de Paula, em São Paulo, que tinham poder para contratar, demitir e maquiar os dados de toda a organização. Segundo a polícia, Cristiane já teria dois mandados de prisão em São Paulo por "esquentar" documentos de outras empresas. O braço direito de Waldemar em Curitiba seria João César Chiquetto, acusado de financiar um carro importado com dinheiro destas ONGs.

A polícia constatou que do total arrecadado pelas ONGs, 10% eram destinados para a compra e doações de cestas básicas e para cobrir algumas despesas, para justificar a existência destas ONGs. Outros 20% eram para despesas operacionais com funcionários, conta de água e de luz, e o restante ficava para os gerentes e dirigentes.

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