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Os médicos brasileiros estão no auge de uma discussão causada pelo "efeito colateral" de avanços alcançados nas últimas décadas: qual o limite entre fazer o possível para salvar a vida de um paciente ou somente prolongar seu sofrimento por mais alguns dias? Desde abril, uma câmara técnica formada por especialistas em bioética, teólogos, geriatras, juristas e médicos intensivistas vem elaborando o texto de uma resolução que o Conselho Federal de Medicina (CFM) deve votar em outubro.

O texto preliminar afirma que é ético e permitido ao médico suspender tratamentos e procedimentos que prolonguem a vida de pacientes terminais, com doenças graves e incuráveis, sem chance de recuperação. A decisão só seria tomada com o consentimento do próprio paciente ou de familiares.

Pela proposta do CFM, passa a ser oficializada entre os médicos uma prática conhecida como ortotanásia, que prevê um avanço mais natural do estado de saúde do paciente, ao invés de insistir no uso de equipamentos e procedimentos terapêuticos – como a internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) – que podem adiar a morte em alguns dias ou semanas, mas não teriam qualquer efeito para cura ou melhora da doença.

"Nossa proposta é que em casos de pacientes graves e incuráveis, os médicos podem e devem suspender esforço terapêutico desnecessário e passem a oferecer um tratamento paliativo ao paciente, de combate à dor. Não é uma questão de abandoná-lo, mas de oferecer outro tipo de atenção, em um local onde ele possa ficar o dia todo perto dos familiares", explica o diretor da câmara técnica do CFM, Roberto D’Ávila.

A intenção do Conselho Federal é que voltem a ocorrer nos lares cenas comuns no passado: o doente passar seus últimos momentos de vida cercado da atenção de boa parte da família, que já sabe da iminência de sua morte. Atualmente, segundo D’Ávila, o receio de serem mal-compreendidos ou processados pelos familiares faz com que os médicos nem discutam com a família a possibilidade de suspensão do tratamento terapêutico.

Mesmo sem chances de recuperação, o paciente é encaminhado para a UTI, onde recebe visitas diárias de no máximo 15 minutos e tem a vida prolongada em alguns dias ou semanas. "O avanço da Medicina facilitou o modo de viver e atrapalhou o modo de morrer. Os médicos ficam operando e reoperando o paciente, só para fazer alguma coisa, quando o maior benefício para o doente poderia ser ficar em casa", resume o diretor do CFM.

O presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), Hélcio Bertolozzi Soares, tem opinião semelhante. "Costumo falar que, hoje, a impressão que se tem é de que se o indivíduo não passar três dias na UTI antes de morrer ele não foi bem assistido", diz.

O assunto é polêmico. Em 2005, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) apresentou proposta parecida e foi contestado pelo Ministério Público do estado, que considerou a medida uma forma de eutanásia. "Acho que na época faltou antecipar a discussão do assunto antes do lançamento da proposta. A morte é uma questão difícil para a família do paciente e para o médico. É preciso que a sociedade de maneira geral compreenda que a vida é finita e que existe um limite de conhecimento e de condições de mantê-la, não adianta prolongá-la de forma inútil", afirma o presidente do CRM-PR.

O diretor do Conselho Federal confirma a preocupação de que população não compreenda a proposta. "O que estamos propondo é uma reflexão do que é morrer no mundo moderno. Nos Estados Unidos e Europa é comum as pessoas abrirem mão de certos procedimentos e pedirem para ir morrer em casa. Como lá, não haveria no Brasil a suspensão de um tratamento ou procedimento sem a aprovação do paciente ou de seu responsável legal", informa.

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