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No meio do caminho tem uma igreja – melhor, duas. E uma de frente para a outra, atiçando a curiosidade de quem segue pela antiga BR-116, rumo a São Paulo. Os templos ficam na altura do Trevo do Atuba – bem na divisa de Colombo, Pinhais e Curitiba, exatamente onde tudo começou. Reza a lenda que foi ali que teve início a colonização da capital e região metropolitana. Quase nada na paisagem lembra esse marco – o local é barulhento, poluído, um entroncamento industrial sem graça nenhuma. Não fossem as duas torres e um cruzeiro, passaria em branco. O que não está muito longe de acontecer.

Aos fatos. As igrejas de que se fala – as duas – formam a Paróquia da Imaculada Conceição, na Vila Iara, em Colombo. Mas todo mundo conhece o local pelo nome tradicional – Atuba, e não se fala mais nisso. Há mesmo quem pense que uma das construções está ali desde a fundação de Curitiba, há mais de 300 anos, e pare na secretaria paroquial para tagarelar. Não, não é verdade. Conceição, "a velha", tem 65 anos. É de 1942. Conceição, "a nova", tem pouco mais de uma década. Estão ali, uma "olhando" para a outra porque não teve remédio.

Divisão

A trincheira, a rodovia, a invasão de indústrias e as ocupações irregulares foram ilhando os terrenos da igreja até que sobraram dois míseros pedaços de terra cercados de asfalto por todos os lados. Um para cada Conceição. Mas foi "a velha" quem ficou com a pior parte. Desde a década de 70, quando a BR virou o principal canal de acesso com o estado vizinho, a construção deu de pagar o pato pelo progresso. A trepidação causada pelos veículos trouxe rachaduras nas paredes, avarias no teto e aquele tom cinza-cano-de-escape que uma mão de tinta não resolve.

Como fica 30 passos abaixo da linha da pista, Conceição já recebeu de brinde até destroços de pneu de caminhão estourado. Não atingiu ninguém, mas poderia. Por essas e outras, surgiu o projeto da nova Conceição, na Rua Abel Scuzziatto, pedaço de terra que restou, onde a comunidade teria mais espaço e menos riscos de um castigo vindo do céu. Ao contrário da antiga sede – onde não cabem mais de 80 pessoas – a sede atual tem lugar para 350 fiéis, está longe de algum pneu desgovernado, embora continue à mercê da barulheira e do trânsito infernal da mais conturbada zona de fronteira da região.

Paciência. Pero no mucho. A mudança para o outro lado da rua não eximiu os paroquianos da responsabilidade pela pobre da Conceição que mora na frente. É uma dor de cabeça sem fim. O padre José Vieira, 43 anos, pároco há sete, calcula que a igrejinha de colônia seja assaltada três vezes por ano. Da última visitinha dos bandidos, em 2006, só sobraram os bancos, porque não deu para carregá-los. Os arremates na fachada de pouco ajudam – tem sempre uma pichação nova e uma rachadura de um dedo para consertar. Pelas contas de Vieira, R$ 50 mil pagam o prejuízo, mas a comunidade não tem esse dinheiro nem em sonho.

Invasões

Além do templo novo não estar pronto, Conceição é pobre de marré de si. São aproximadamente 70 mil fiéis – uma cidade inteira –, mas não há ricos entre eles. A paróquia é formada por pelo menos três invasões. Só a Vila Zumbi tem 3,2 mil famílias, 15 mil pessoas. Some-se a Vila Esperança e a Vila Liberdade, sete capelas, índices de criminalidade típicos de beira de estrada e atendimento constante e irrestrito a pelo menos 90 famílias carentes. Sem falar nos andarilhos que fazem do Atuba seu caminho da roça. Enquanto isso, a igrejinha antiga agoniza, sem muito o que fazer. "Tem hora em que penso que vamos ter de demoli-la por falta de condições", diz padre Vieira.

Uma das alternativas para a velha Conceição seria o tombamento – ou transformá-la em unidade de interesse de preservação, terminologia adequada para esse caso –, mas é improvável que isso aconteça. A arquitetura do templo não ocuparia um estudioso de História da Arte por mais de dois minutos. Além disso, há dez anos o interior foi todo descaracterizado ao receber pinturas do artista M. Kalumetis, encomendadas pelo vigário da época. Outro agravante é que quase não há na região remanescentes do tempo da colônia, com folga os maiores interessados em preservar o templo. É uma pena: a igrejinha é a última lembrança do tempo em que o Atuba era tomado de chácaras. Para os novos moradores – migrantes do interior do Paraná e de outros estados – não há outro sinal à vista do que foi um dia o lugar onde hoje moram. Mas eles têm mais do que se ocupar.

Para o padre Vieira, resta uma esperança: a de que as muitas indústrias implantadas no local adotassem a pequena igreja. Para os empresários, custaria muito pouco manter a pintura, o telhado, o jardim do local que rouba os olhos de quem passa pela BR ou desce a trincheira. Enquanto esse dia não chega – e talvez não chegue nunca –, tem mais enxaqueca pela frente. Há dois anos, um projeto prevê a duplicação do trevo, trazendo uma nova trincheira e mais uma facada no peito da Conceição – o atalho deve passar no lado esquerdo do templo, transformando-o numa aberração urbana pior do que a Travessa da Lapa, em Curitiba, o que para bons entendedores basta. É o final dos tempos.

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