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‘Gueragama sulamericana’ | Ilustração/J. Csotonyi
‘Gueragama sulamericana’| Foto: Ilustração/J. Csotonyi

Paleontólogos brasileiros anunciaram, nesta quarta-feira (25), uma importante descoberta: uma nova espécie de lagarto fóssil encontrado em território nacional. A nova espécie foi denominada de Gueragama sulamericana, união das palavras “Guera” (antigo), “agama” (gênero feminino) e “sulamericana”, proveniente da América do Sul. A descoberta, anunciada na renomada revista científica Nature communications, foi realizada no município de Cruzeiro do Oeste, Noroeste do Paraná. O animal viveu há aproximadamente 80 milhões de anos.

Foram encontrados poucos vestígios do animal: uma mandíbula esquerda com dentes medindo aproximadamente 18 milímetros em seu comprimento maior e outros pequenos fragmentos do osso maxilar e dentes. A qualidade de preservação do exemplar, porém, é excepcional, o que permitiu aos estudiosos realizar descobertas impressionantes.

O time de cientistas responsável pelo estudo — uma parceria entre a Universidade do Contestado/Cenpaleo, Museu Nacional/UFRJ e Universidade de Alberta — considera o achado extremamente importante para a paleontologia brasileira. Gueragama sulamericana é um lagarto acrodonte, sendo portanto o primeiro registro (fóssil ou vivente) de todo este grupo de répteis na América do Sul. Um dos maiores grupos de lagartos viventes são os lagartos iguanídeos (representados por mais de 1.700 espécies viventes, mais as fósseis). Este se dividem entre os iguanídeos Acrodonta (informalmente, acrodontes), que existem atualmente apenas nos continentes do Velho Mundo, e nos iguanídeos não-acrodontes, que habitam predominantemente as Américas.

Os fósseis mais antigos de acrodontes têm cerca de 180 a 160 milhões de anos e foram encontrados na Índia, que fazia parte do antigo supercontinente de Gondwana, juntamente com as atuais massas de terra do hemisfério sul. Este grupo se dispersou pela Ásia durante o Cretáceo Superior (entre 99 milhões e 65 milhões de anos atrás), e muito posteriormente (durante o Cenozóico, era que se iniciou há 65 milhões de anos e se estende até hoje), pelo resto do Velho Mundo — Ásia, África e Europa.

“A descoberta de Gueragama sulamericana indica, portanto,que a dispersão deste grupo de répteis pelo hemisfério sul se deu muito antes do que se imaginava, aproximadamente 80 milhões de anos atrás, e que os acrodontes alcançaram uma distribuição em escala global antes do Cenozóico”, aponta o paleontólogo Everton Wilner, da Universidade do Contestado, em Mafra, instituição que coordenou os trabalhos de campo, análise fotográfica do material e descrição filogenética.

A origem da fauna de lagartos e serpentes da América do Sul, importantes componentes da biodiversidade atual deste continente, continua um mistério. Porém, a descoberta de Gueragama sulamericana ajuda a compreender um pouco mais dessa origem. A nova espécie indica que, pelo menos parte desta fauna primitiva de lagartos sul-americanos eram mais proximamente relacionados a grupos que hoje estão em outros continentes, do que a grupos atualmente habitando o Brasil e o resto da América do Sul.

Os animais da espécie Gueragama sulamericana provavelmente viviam em tocas para evitar as altas temperaturas durante pelo menos parte do dia, como fazem lagartos acrodontes de habitat semelhante no norte da África e Oriente Médio atualmente, segundo o especialista em répteis da Universidade de Alberta Tiago Rodrigues Simões.

A espécie habitava o entorno de possíveis áreas úmidas de um antigo deserto brasileiro.

“Entre 87 a 75 milhões de anos, grande parte do centro-oeste, sudeste e sul do Brasil compunham um grande deserto, conhecido hoje na comunidade geocientífica como Deserto Caiuá, onde esta espécie habitava o entorno de possíveis áreas úmidas, como oásis, convivendo com tapejarídeos (grupo de pterossauros) como a espécie Caiuajara drobuskii”, comenta o geólogo Dr. Luiz Carlos Weinschütz, coordenador dos trabalhos de campo, também da Universidade do Contestado.

Para o renomado paleontólogo Alexander Kellner, do Museu Nacional/UFRJ, que também colaborou com o estudo, a descoberta demonstra o enorme potencial do Brasil para contribuir com o conhecimento da evolução dos vertebrados, o que pode ser exemplificado com o depósito de Cruzeiro do Oeste.

“Se com pouca verba já fazemos descobertas importantes, imagina se houvesse um investimento substancial na paleontologia brasileira”, comenta Kellner.

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