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Confira quatro traduções das 124 cartas trocadas entre Plínio e Trajano |
Confira quatro traduções das 124 cartas trocadas entre Plínio e Trajano| Foto:

Também para resolver problemas pontuais

As 15 primeiras cartas são de quando Plínio ainda era cônsul, as outras são de seu governo em Bitínia. E se por um lado é possível perceber como a política era feita por meio das cartas, por outro percebe-se quais eram as prioridades de governo na época.

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Um elogio poderia ser tecido assim que um cargo fosse concebido. Era deste modo que funcionava a política imperial romana de Marco Nerva Trajano: ele não era um homem independente que dispensava favores. Pelo contrário, era de origem espanhola (da província da Hispania), foi o primeiro não romano a assumir o governo de Roma sem ser da elite local e precisava conquistar a simpatia de seu povo com a ajuda de outros homens. Por isso colocou em prática o clientelismo (troca de favores) que hoje é condenável na política, mas que antigamente era uma estratégia bem vista. Foi graças a Caio Plínio Segundo, também chamado de o Jovem, da província de Bitínia (atual Turquia), que Trajano ficou conhecido como um homem de virtude e piedade – foi ele quem cumpriu o principal papel de enaltecer o imperador. E a visão que se tem até hoje de Trajano foi aquela retratada pelo governador da Bitínia, ou seja, mostra apenas o lado que o próprio Plínio queria que ficasse conhecido.

Plínio começou elogiando Tra­­jano quando ainda era cônsul. Ga­­nhou em troca, em 111 d.C., o cargo de governador. Em um discurso que ficou conhecido como Pane­­gí­­ri­­co, ele escreve sobre os aspectos po­­sitivos de Trajano e usa uma das crenças mais fortes da época para valorizá-lo: dizia que ele teria sido escolhido pelas divindades. O texto foi lido por Plínio no senado pa­­ra tentar convencer os outros de que Trajano era um bom imperador. A ideia do discurso surgiu de um boato de que Trajano, quando ain­­da era militar, estava subindo as escadas do capitólio para pedir a bên­­ção em campanha militar e a po­pulação apontou dizendo que aquele que subia era um desígnio das divindades e que seria o imperador. "Como Trajano era de origem provincial, ele poderia não ser bem visto na política. No exército ti­­nha uma boa reputação, porque era militar, mas precisava construir esta impressão também na po­­lítica", conta o historiador Thia­­go David Stadler. A imagem de que o imperador é poderoso tanto quanto as divindades também é representada, na época, por meio do dinheiro: a face de Trajano aparece de um lado da moeda enquanto o rosto de Júpiter está no verso. É como se os dois fossem colocados no mesmo patamar, apesar de Júpiter ser a maior divindade romana na mitologia.

Depois do discurso, Plínio começou a trocar cartas com o imperador. Elas eram públicas e mostram que por trás do pedido de reforma de um banheiro público, por exemplo, Plínio conseguiu criar a boa imagem de um homem não-romano. Eles trocaram cartas entre 98 e 113 d.C.: foram 124 ao todo – elas foram estudadas e traduzidas para o português por Stadler, durante a pesquisa de mestrado, sob a orientação do professor Re­­nan Frighetto. "Analisei cada uma para observar como se constrói a imagem de alguém. Como se chega a essa idealização. Plínio sempre se remete a Trajano de maneira elogiosa, o chama de santíssimo imperador, fala que ele é o melhor dos melhores ho­­mens". E mesmo que o assunto fos­­­se uma obra da cidade, Plínio tra­­ta o imperador da seguinte ma­­neira: "Santíssimo imperador, de­­­­vido a sua graciosidade vamos con­­­seguir construir mais um tea­­­tro".

"As cartas mostram ainda a política não só pelas obras, mas por sua subjetividade. É preciso entender o jogo de palavras", diz Stadler. No mundo grego acreditava-se que um homem conseguiria ser virtuoso em três situações: nascia assim, aprendia a ser ou o exercício diário o levava a ser virtuoso. Stadler encontrou um quarto ponto sobre a virtude ao analisar as 124 cartas. "Era possível ser uma pessoa virtuosa na sociedade que analisei a partir do momento que alguém o considerasse assim. Trajano poderia não ser virtuoso, mas passou a ser quando um homem público, no caso Plínio, o elevou como tal", explica. Stadler lembra que a boa imagem de Trajano durou tanto que, 400 anos depois, na Idade Média, ele ainda era associado aos bons imperadores.

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