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A pesquisa mostra que na hora da crítica as questões comportamentais são mais lembradas do que a infraestrutura | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
A pesquisa mostra que na hora da crítica as questões comportamentais são mais lembradas do que a infraestrutura| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

Distinção de classe

Quanto maior a renda, mais se dirige sozinho e menor é a adesão à bike

O comportamento de quem usa o carro diariamente como meio de transporte também é definido pela renda. Entre os entrevistados cuja renda familiar é superior a R$ 10 mil, 50% afirmam que estão quase sempre sozinhos no veículo. Na faixa de renda mais baixa, de até R$ 3 mil, 42% contam que são duas pessoas no carro e só 39% não têm companhia (os 19% restantes andam em três pessoas ou mais).

O fator renda não influenciou a aceitabilidade do projeto de metrô – a maioria é favorável ao novo modal. Já em relação ao uso da bicicleta, o poder aquisitivo tem lá sua influência. Metade dos entrevistados com renda superior a R$ 10 mil mensais disse que não mudaria o meio de transporte, independentemente da construção de novas ciclovias. Já entre os entrevistados de menor renda, 38% cogitariam usar a bicicleta como meio de transporte.

Na comparação entre gêneros, as mulheres são as que compartilham mais o veículo: 44% dizem que há pelo menos um acompanhante e 16% levam mais duas pessoas. Entre os homens, 62% dirigem sozinhos. As mulheres também dizem ser mais ‘calmas’ ao volante: 57% das entrevistadas disseram nunca ter sido agredidas no trânsito e 72% nunca protagonizaram uma agressão. Entre os homens, há uma inversão: 66% dos entrevistados afirmam que já foram vítimas de agressão verbal e 55% que já agrediram outras pessoas.

Passar o dia ao volante é fator de estresse

Desde 2001, o trabalho da representante comercial Alessandra Melissa Bonatto, de 33 anos, envolve o trânsito. Para visitar os clientes, ela dirige diariamente. Há três anos, suas rotas comerciais ocorrem de segunda a quinta-feira, nos bairros da região Sul de Curitiba e em São José dos Pinhais, mas ela já rodou bastante por todas as regiões da capital e até em outros estados.

"O trânsito que acho mais caótico é o de Curitiba. Ninguém sinaliza, se você dá a seta, não te dão a vez. Quem dirige o dia inteiro, no final do dia está estressado", desabafa. Para ela, é perceptível o aumento no número de carros nas ruas na última década. O resultado é lentidão em todos os horários e motoristas nervosos. "Cada dia que passa, os motoristas estão mais nervosos e estressados", diz.

Mal-entendido

Ela conta que, recentemente, tentou fazer uma gentileza com outro motorista, que não entendeu a ação. Ela faria uma conversão, mas como o carro que vinha em sentido oposto estava com o pisca acionado, optou por parar e dar um sinal de luz para ceder a vez. A resposta veio em forma de xingamento. "Baixei o vidro e expliquei que estava dando a vez para ele, que estava com a seta ligada. Ele ficou superenvergonhado porque nem percebeu que tinha acionado o pisca", conta.

A psicóloga Neuza Corassa, do CPEM, lembra que é possível tomar atitudes para diminuir esse estresse causado pelo trânsito. A primeira orientação é rever a agenda, porque o excesso de compromissos gera ansiedade e saber dizer "não" pode ajudar. Praticar uma atividade física é outra dica da psicóloga, além de manter um hobbie. "A gente entra no carro como somos, mas chegamos ao destino diferentes, porque acabamos incorporando problemas do trânsito. Não é só o tempo, o que precisa é mudar o padrão de comportamento", diz.

A máxima de que o inferno são os outros, do filósofo Jean- Paul Sartre, se aplica perfeitamente ao trânsito. Pesquisa realizada pela Brain Bureau de Inteligência Corporativa revela que 83% dos curitibanos acreditam que a falta de educação, hábitos e comportamentos dos motoristas sãos os principais problemas no trânsito da capital, seguido do excesso de carros (81%). Paradoxalmente, a maioria admite que quase sempre está só no veículo e apenas 7% confessam que são ruins ao volante.

INFOGRÁFICO: Confira os resultados da pesquisa feita com os motoristas curitibanos

Essa dificuldade em reconhecer a sua parcela de culpa nos problemas que são comuns à vida em sociedade não é exclusividade dos curitibanos. "As pessoas não percebem que também contribuem para o congestionamento, falta percepção de corresponsabilidade no trânsito. E aí, você tem o comportamento humano como o principal causador ou influenciador dos acidentes de trânsito", avalia o psicólogo Cassiano Ferreira Novo, diretor da Escola Pública de Trânsito da Setran de Curitiba. Ele lembra que infrações como excesso de velocidade, estacionamento irregular, avanço de sinal vermelho e o uso do celular estão cada vez mais comuns.

Educação e fiscalização

A mesma pesquisa mostra ainda que questões de infraestrutura, como obras e sinalização de pistas, e a falta de fiscalização não são tão lembradas quanto as comportamentais. Para Ferreira Novo, isso reforça a dicotomia entre educação e fiscalização no trânsito. Um exemplo é o motorista que trafega acima da velocidade permitida, mas coloca o pé no freio antes de passar por um radar. Ou seja: mesmo sabendo que está errado, precisa da figura de uma autoridade para respeitar uma regra.

O diretor faz uma associação à carência de percepção de risco. "É uma tendência do ser humano não perceber os seus defeitos, seus erros. Ele não quer se autoavaliar como um mau motorista, então justifica seus atos, mas não os do outro", pondera. Por isso, quando outra pessoa bebe e dirige ou está em alta velocidade e causa um acidente, há clamor por uma punição severa. Em contrapartida, quando é a própria vez de beber e sair com o carro, o discurso é do descuido, daquele erro que não será repetido.

A psicóloga Neuza Corassa, do Centro de Psicologia Especializado em Medos e Ansiedade (CPEM), lembra que antes de entrar no carro o ser humano já responsabiliza o outro pelos problemas. Aliado a isso, está a disputa por espaço e o fato de que muitos consideram o carro uma extensão do espaço privado que é a própria residência. "A pessoa entra no carro e se comporta como se estivesse no espaço privado, mas o trânsito e as ruas são públicos. O espaço é compartilhado e não estamos ali por afinidade, mas por necessidade", analisa.

A solução para o problema passa por autorreflexão, mas também por empatia com os outros motoristas. Para Neuza, o trânsito pode ser considerado um grande balcão de negócios, onde todos ganham quando você toma atitudes simples, como sinalizar uma intenção.

Percepção do trânsito varia conforme modal

Embora a pesquisa da Brain Bureau de Inteligência Corporativa tenha questionado mais o comportamento dos curitibanos enquanto motoristas, eles também foram questionados sobre dois outros modais de transporte: o metrô e a bicicleta. Um quarto dos entrevistados afirmou que não conhece o projeto do metrô, mas 69% deles acreditam que o sistema de transporte de alta capacidade vai ajudar na mobilidade urbana. Em relação à implantação de ciclovias, 26% dizem que adotariam as bicicletas como meio de transporte, mas 46% não mudariam de modal.

Para o psicólogo Cassiano Ferreira Novo, da Setran, a percepção do trânsito está diretamente ligada ao modal que a pessoa utiliza. Ele explica que um motorista, quando pedestre, quer que os carros andem devagar, e os condutores não usem celular ou bebam antes de pegar o volante. Quando a mesma pessoa está no carro, ela tem pressa, quer chegar rápido ao destino. "Algo importante para tentar reverter essa percepção é mostrar para o cidadão que ele executa todos os modais. Não posso perceber os problemas apenas a partir do modal que eu estou utilizando no momento", argumenta.

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