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No Brasil, povos indígenas sofrem com grandes déficits na saúde e na educação | Henry Milleo / Gazeta do Povo
No Brasil, povos indígenas sofrem com grandes déficits na saúde e na educação| Foto: Henry Milleo / Gazeta do Povo

Para o escritório regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, não há possibilidade de discutir em 2014 a desvinculação do país à Convenção 169, que é um dos principais tratados internacionais sobre direitos indígenas. Essa interpretação diverge de apresentações feitas em audiência pública na Câmara dos Deputados no mês passado, que defendiam que o Brasil poderia pedir a desvinculação até 24 de julho, por considerarem o texto prejudicial à soberania nacional.

A Convenção 169 entrou em vigor em 25 de julho de 2003 no Brasil. Porém, segundo o diretor-adjunto da OIT no Brasil, Stanley Gacek, a instituição leva em conta a data da criação do texto, que é 5 de setembro de 1991. "Portanto, e segundo as instruções do artigo 39, o único período permitido agora para uma denúncia da Convenção 169 será entre o dia 5 de setembro de 2021 e o dia 5 de setembro de 2022. Essa observação foi confirmada recentemente pelo Departamento de Normas da OIT", afirmou Gacek em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo.

Autoidentificação

Na edição de ontem, a Gazeta do Povo publicou reportagem mostrando os questionamentos à Convenção 169. A norma é uma das principais bandeiras dos defensores dos indígenas, por prever consulta prévia aos povos que podem ser afetados por políticas e programas públicos. Outra crítica diz respeito ao critério de autoidentificação. Para o antropólogo Edward Mantoanelli Luz, que já atuou na demarcação de terras na região Norte do país, organizações não governamentais estariam "importando" índios para determinadas localidades visando à criação de territórios indígenas.

Para a OIT, argumentos como esse não são válidos. "Como a convenção também reconhece toda a legitimidade e a soberania do governo do Estado membro para solucionar disputas quanto às demarcações das terras, não considero que essas críticas à norma da OIT são bem fundamentadas", declarou Gacek.

O diretor-adjunto da OIT reiterou que um dos objetivos da Convenção 169 é contribuir para o desenvolvimento sustentável. "Os povos indígenas sofrem com grandes déficits na saúde e na educação, produtos de uma discriminação estrutural, expressa em investimentos públicos baixos", pondera. Segundo ele, a proteção aos povos indígenas traz ganhos à sociedade como um todo. "Se os direitos dos indígenas e dos tribais no processo de desenvolvimento forem respeitados, os povos vão contribuir ainda mais ao avance sustentável da economia."

Entrevista

Stanley Gacek, diretor-adjunto do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil.

Qual o papel da OIT ao propor uma convenção a respeito das terras de povos indígenas e tribais? Qual o objetivo da organização do trabalho em tratar desse assunto específico?

Desde a sua criação, em 1919, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem considerado, entre suas principais preocupações, a situação dos povos indígenas e tribais. Aliás, a discriminação e a exploração sofridas por esses povos foram motivos diretos para a adoção de várias normas internacionais de trabalho, inclusive, por exemplo, a Convenção 29 contra o trabalho forçado (adotada em 1930). Segundo o Departamento de Normas da OIT, numa análise realizada em 2013 sobre a Convenção 169, a marginalização e o empobrecimento dos povos indígenas e tribais no mundo inteiro estão sujeitando-os mais às práticas análogas ao trabalho escravo, tráfico de pessoas, trabalho perigoso, discriminação, e as piores formas de trabalho infantil. Frequentemente os povos indígenas sofrem discriminação e represálias contra seus próprios meios tradicionais de sustento, e especialmente quando os direitos aos recursos naturais nas suas terras não são respeitados. Portanto, os direitos de trabalho e as proteções em prol dos povos indígenas e tribais continuam sendo uma prioridade da OIT, que tem tudo a ver com o seu mandato histórico e constitucional, e que também se expressa na adoção da Convenção 169 em 1989. A Convenção 169 não trata apenas as questões relacionadas às terras, mas também todo o universo de direitos e políticas de trabalho relevantes para os povos indígenas e tribais, inclusive, por exemplo, a contratação e condições de emprego, formação profissional, artesanato e indústrias rurais, educação, e seguridade social e saúde. No entanto, o assunto das terras é fundamental para enfrentar os desafios relacionados ao emprego sustentável e ao trabalho decente dos povos indígenas e tribais.

Há muitas críticas à Convenção 169. Entre elas, a autoidentificação dos povos. Segundo os críticos, o Brasil não teria como demarcar todas as terras usando esse critério. Como a OIT avalia isso?

O Artigo 1º, inciso 2º da convenção deixa claro, sem dúvida, que a autoidentificação como indígena ou tribal deverá ser considerada "um critério fundamental para a definição dos grupos aos quais se aplicam as disposições da presente convenção". Mas além dessa referência à autoidentificação, também o Artigo 14º, inciso 2º da convenção deixa claro que são os governos que "deverão adotar as medidas necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse." E o Artigo 14º, inciso 3º, fala dos procedimentos adequados no âmbito do sistema jurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras formuladas pelos povos interessados." Por fim, o Artigo 34 estipula que "a natureza e o alcance das medidas que sejam adotadas para por em efeito a presente convenção deverão ser determinadas com flexibilidade, levando em conta as condições próprias de cada país". Por conta do próprio conteúdo da convenção que prioriza a auto identificação dos povos como critério fundamental, mas também reconhece toda a legitimidade e a soberania do governo do Estado membro para solucionar disputas quanto às demarcações das terras, não considero que essas críticas à norma da OIT são bem fundamentadas. Mas vale ressaltar que o Artigo 6º também estabelece o dever dos governos de realizar consultas prévias com os povos indígenas e tribais interessados sobre qualquer medida relevante aos direitos reconhecidos pela convenção, "efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas".

Outra crítica é que países como os Estados Unidos e Canadá, que têm população indígena significativa, e a maioria dos países ricos não ratificaram a convenção. Como a OIT avalia isso?

Vinte e dois países ratificaram a convenção, sendo 14 da América Latina. Os outros são os seguintes: República Centro Africana, Holanda, Dinamarca, Fiji, Dominica, Nepal, Noruega, e Espanha. Ou seja, entre eles há vários países europeus que não podem ser considerados exatamente "pobres".

E como a OIT avalia as reclamações de que a convenção atrapalharia o desenvolvimento do país?

Pelo contrário, a convenção foi desenhada e adotada para contribuir para o avanço do desenvolvimento sustentável, inclusivo e equitativo dos Estados membros da OIT. Conforme observado pelo Departamento de Normas da OIT em 2013, os povos indígenas sofrem de taxas de pobreza bem mais altas do que outros setores da sociedade, com grandes déficits na saúde e na educação pública. Muitos desses déficits são produtos de uma discriminação estrutural, expressa em investimentos públicos baixos e inferiores para os povos indígenas. Em grande medida as contribuições dos povos indígenas e tribais à economia e ao desenvolvimento nacional ficam despercebidas por conta da natureza de sua atividade econômica, voltada ao próprio sustento da comunidade ou categorizada como trabalho do setor informal e de baixa qualificação. Hoje em dia há mais reconhecimento sobre a promessa econômica relacionada à superação da discriminação contra os povos indígenas e tribais. Há um grande potencial para o desenvolvimento de um país bem ligado ao conhecimento e à perícia das culturas indígenas quanto aos sistemas alternativos de produção e o usufruto de recursos naturais. A Convenção 169 visa à realização da seguinte meta: se os direitos dos indígenas e dos tribais no processo de desenvolvimento forem respeitados, os povos vão contribuir ainda mais ao avance sustentável da economia.

Há um prazo de dez anos para o Brasil denunciar a convenção, que vence em 24 de julho de 2014, é isso mesmo? É que há divergências quanto a esse prazo. Mas, considerando que a data da promulgação foi em 25 de julho de 2003, os dez anos vencerão neste ano, certo?

Todas as convenções da OIT, inclusive a Convenção 169, estão abertas à denúncia desde a data inicial da sua vigência como instrumento internacional, e definida assim pelo Artigo 38º, inciso 2º da própria convenção. Conforme definido pelo Artigo 38º, inciso 2º, a Convenção 169 entrou em vigor no dia 05 de setembro de 1991. Portanto, e segundo as instruções do artigo 39, o único período permitido agora para uma denúncia da Convenção 169 será entre o dia 05 de setembro de 2021 e o dia 05 de setembro de 2022. Essa observação foi confirmada recentemente pelo Departamento de Normas da OIT.

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