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Depoimento

"Falar sobre o assunto é complicado"

Elvira Rizzo, 37 anos, professora que procurou apoio no fórum on-line do Projeto Artémis.

Sou de Itapevi, São Paulo, tenho duas lindas filhas e um grande sonho que parece difícil de realizar: ter mais um filho. Desde 2006 estou tentando engravidar. Já havia tido dois abortos espontâneos e uma gravidez ectópica, que resultou na perda da trompa direita.

Em outubro de 2009, engravidei novamente, após fazer todos os exames possíveis. Infelizmente tive de passar por uma nova curetagem no dia 7 de janeiro, pois o coração do meu tão sonhado bebê parou de bater.

Falar sobre o assunto é complicado. Diversas coisas passam pela cabeça. Seria minha idade? Será que tem algo errado comigo e ninguém ainda descobriu? Será que não é a vontade de Deus? Nessa última vez fiquei tão sem chão que comecei a procurar na internet respostas para tantas perguntas. Pude conhecer alguns fóruns em que mulheres contam seus testemunhos na esperança de se ajudarem, se encorajarem, de tentar aliviar tanta dor. Essa experiência tem me ajudado muito.

O que espero com tudo isso é que Deus, em sua infinita misericórdia, olhe para nós e por nós nessa missão que não é nada fácil. Espero que, pela fé, muitas consigam realizar o sonho de ser mãe.

Entre tantos textos que tenho lido nesses últimos dias, encontrei o testemunho de uma mulher que teve três abortos espontâneos e chamou muito minha atenção. Ela diz: "Não quero que seja um segredo ou uma sombra. Quero que as pessoas saibam que eu passei por algo, que estou cansada mas otimista, que fui derrubada, mas não me ajude, pois posso levantar sozinha".

Entrevista com Maria Manuela Pontes, fundadora do Projeto Artémis.

São Paulo - Depois que seu livro Maternidade Interrompida foi publicado no Brasil, a portuguesa Maria Manuela Pontes – fundadora de uma associação de apoio a mulheres que sofreram aborto espontâneo – conta que seu site passou a ser muito procurado por mulheres brasileiras. Em março, ela vem ao país para tentar encontrar colaboradores e um espaço físico para criar aqui um núcleo de seu Projeto Artémis.

Como surgiu o Projeto Artémis?

Quando perdi meu primeiro bebê, procurei apoio, mas não queria falar com um psicólogo e sim com pessoas que tinham passado pelo que eu estava vivendo. Não encontrei. Tentei, de alguma forma, superar a perda e voltei a engravidar seis meses depois, com a esperança de tentar acalmar o sofrimento. Quando perdi o segundo bebê, entrei em um desespero realmente preocupante e voltei a procurar ajuda. Não encontrei e, como forma de também me ajudar, iniciei uma associação em 2001. Nasceu como um grupo de apoio na internet e, em questão de dias, uma enorme quantidade de mulheres entrou em contato comigo. A partir disso, o Projeto Artémis começou a ganhar alma. Em 2005, a associação ganhou estatuto social. Existe uma sede física em Braga e núcleos espalhados em Portugal onde é oferecida terapia de grupo. Desde que saiu o livro no Brasil, o fórum na internet tem tido registro de muitas brasileiras. Elas dizem que no Brasil também não há instituições voltadas ao tema. É uma dor muito solitária.

Você diz no livro que há um pacto de silêncio. Por quê?

Quando perdem um filho que ainda não nasceu, as mulheres normalmente se calam, pois a sociedade não dignifica esse luto. As pessoas que as rodeiam dizem: "não chore, você é nova, pode tentar de novo". Como se o filho que nós perdemos pudesse ser substituído por outro. Ao ouvir esse tipo de reação, elas silenciam.

Como é a reação dos maridos?

Também se sentem desamparados. Eles se sentem responsáveis por tentar minimizar a dor que a mulher enfrenta. Parecem que não sofrem, mas a dor deles é dobrada. Sofrem e ainda tentam fazer com que a mulher não sofra.

Como se supera a perda?

O primeiro passo é aceitar que não temos culpa. Depois, começar a conviver com essa perda. Eu hoje consigo recordar meus filhos sem sofrer, até com alguma alegria, pois foi por meio deles que eu cresci e comecei este trabalho. Quando alcançamos esse patamar, estamos prontas para receber um novo filho. Porque uma gestação atingida sobre a não aceitação é uma gravidez muito complicada. A mulher vive em estado de ansiedade permanente, pensando que vai perder o outro filho também. E esse processo de superação não se faz sozinho. É preciso partilha e compreensão.

A melhor forma de ajuda é a troca de experiências com pessoas que passaram pela mesma situação?

Sim, pois quando falamos a mesma língua, o mundo se torna mais fácil. Quando alguém diz "eu compreendo o que você está passando, pois já vivi", começa a botar para fora aquilo que a consome. Quando se sentem livres para chorar, começam o processo de luto. Começam a aceitar e a parar de sofrer.

O livro é um compilado de depoimentos. O que é mais frequente? Qual é o padrão?

O padrão é o vazio. Elas dizem que estão sozinhas na dor. Depois têm a culpa e a ansiedade de ser mãe, que muitas vezes as massacra. Todos os dias vem a dúvida se conseguirão realizar o desejo que as martiriza. A sociedade precisa se preparar para lidar com o assunto. Você conhece alguma instituição no Brasil que trate da perda gestacional? Não há. Se há instituições de apoio a todo tipo de distúrbio e problema, por que a perda gestacional, que é uma realidade tão dura, não tem? Arrisco a dizer que o assunto só passou a ser discutido em Por­tugal quando a Artémis começou a atuar. Quatro ou cinco anos antes disso, havia um tabu.

Por que tabu?

As mulheres evitavam falar por vergonha, porque ninguém as entendia. Tem gente que acha besteira sofrer por um bebê que se perde com menos de dois meses de gestação. Acham que é mais grave perder um filho com oito meses, mas para as mulheres a dor é a mesma. Não se quantifica maternidade interrompida. Em Portugal, quando se perde um filho em casa, os hospitais querem que a mulher leve o bebê para ser analisado. Já ouvi relato de mulheres que tiveram de levar seu bebê enrolado em um papel higiênico. Conheço mulheres que tiveram o parto com oito meses, pegaram o filho sem vida e não tiveram um psicólogo. Não houve nenhum apoio àquela mulher que saiu do hospital com a imagem daquele filho morto. O sistema todo não dignifica essa dor.

Qual o motivo de sua visita ao Brasil em março?

Como nem todas as mulheres têm acesso à internet e a possibilidade de falar conosco on-line, queremos puxar a Artémis até o Brasil. Para isso, precisamos de colaboradores no país e também encontrar um espaço. Os voluntários ideais seriam mulheres que já passaram por esse processo de perda, mas qualquer pessoa que se interesse pelo assunto é bem-vinda.Leia maisProjeto Artémis: www.associacaoartemis.com

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