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Perfil da vítima

O relatório do governo federal, mesmo em termos genéricos, identifica que a maior parte das vítimas de crimes homofóbicos têm até 29 anos e sofre a violência em casa ou na rua, por agressores do sexo masculino, geralmente desconhecidos.

Políticas públicas

No fim do ano passado, o governo paranaense lançou o Plano Estadual de Políticas Públicas para Promoção e Defesa dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Patrícia Andréa de Oliveira Santos, da Sesp, que participou do comitê de elaboração do plano, destaca que as políticas são exercidas em conjunto por várias áreas do poder público. Inclui-se entre essas ações o treinamento e conscientização de policiais para lidar com o público LGBT.

A Sesp também ressalta que, quando há registros de crimes com motivação homofóbica, existe uma interligação entre as informações registradas pelas polícias do Paraná e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Em nota, a secretaria diz que "investigações relacionadas, muitas vezes, recebem atenção especial e relatórios são gerados e encaminhados à Secretaria Nacional de Direitos Humanos que, por sua vez, envia ofícios e acompanha os casos de perto."

Ainda não é crime

Atualmente, tramita no Congresso um projeto de lei que tipifica penalmente a homofobia como crime. O texto foi anexado ao projeto de reforma do Código Penal, ainda sem data para ir à votação. Enquanto isso, o Judiciário em várias instâncias demonstrou entendimento favorável à causa LGBT em algumas situações polêmicas, como o casamento homoafetivo, o direito à herança e o reconhecimento de nome diferente na identidade a partir do gênero no qual a pessoa se reconhece. Boa parte das decisões é baseada no artigo 5º da Constituição, que diz que todos são iguais perante a Lei.

Em uma rua do Batel, em Curitiba, um homem grita: "Solta a mão dele e sai correndo senão eu dou um tiro na cara de vocês, suas bichas do c***". Na hora, João* e Rafael* obedeceram e correram, com medo. A ordem veio de um autor invisível, de dentro de um carro, que tentou segui-los de ré. Lembrando o que passou, João enche os olhos de lágrimas. "Acho que nunca mais vou andar de mãos dadas na rua com alguém, senão corro risco de vida". Eles são exemplos de algo ainda comum no Paraná. Agressões ou ameaças ligadas ao gênero, como essa, dificilmente ganham algum desfecho favorável às vítimas. Isso porque há um grande índice de subnotificação, ou seja, casos que não são registrados. E, quando há boletim de ocorrência, geralmente não há ligação do crime com a questão da homofobia – que é a ação de ódio gerado pela aversão a homossexuais.

A questão ganha corpo neste sábado (17), Dia Nacional e Internacional Contra a Homofobia, que terá atos e eventos em várias cidades do país. A escolha da data é simbólica: em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deixou de considerar a homossexualidade uma patogenia - sendo retirada da Lista da Classificação Internacional de Doenças.

Concursado em um órgão estadual, João, 24 anos, conta já ter passado por dezenas de situações desconfortáveis por causa de sua orientação sexual, mas por duas vezes foi ameaçado com agressão física. No primeiro incidente, foi intimidado por um grupo de homens na frente de casa. Ele não prestou queixa. Na segunda vez, no caso descrito acima, decidiu ir a uma delegacia. Mas o caso foi registrado no boletim de ocorrência como "agressão", sem menção à situação de homofobia. Nos dois casos, ficou o sentimento de impotência.

O registro da motivação homofóbica no BO é apontado como essencial por Toni Reis, diretor do grupo Dignidade, ONG voltada a políticas para o público LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). "Com isso é possível mapear onde, como e quando acontecem os crimes com motivação homofóbica", diz. Seria, ainda de acordo com ele, o início do entendimento da maneira como ocorrem esses crimes e de formulação de ações para evitá-los.

No Paraná, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp) implantou o campo motivacional "homofobia" no boletim de ocorrência no segundo semestre do ano passado. Mas, assim como aconteceu no caso de João, boa parte dos policiais ainda não foi treinada para atender ao público homossexual e fazer o registro das queixas dentro da maneira indica. A Sesp alega que, por ser muito recente, ainda não foi possível quantificar os registros policiais ligados a homofobia no estado.

O Paraná é o 11.º estado em número de denúncias de crimes ligados à homofobia do país, aponta um relatório elaborado em 2012 pela Secretaria dos Direitos Humanos do governo federal. Por não haver banco de dados consolidado, o levantamento foi feito a partir de denúncias telefônicas, com 370 violações ligadas ao público LGBT em 2011. "Nós sabemos que o número de agressões é bem maior, mas nunca tivemos um banco de dados consistente para quantificar essas ações", comenta Reis.

Segundo ele, organizações LGBT estão trabalhando junto com a Sesp para que seja implantado mais um campo no BO, para discriminar a orientação sexual da pessoa. Dessa maneira, seria possível reunir quaisquer crimes sofridos por homossexuais. Esse ponto, porém, é sensível. O próprio ativista reconhece que muitas pessoas não se declaram homossexuais por medo de sofrer algum tipo de discriminação.

Subnotificação

Mesmo sem englobar a homofobia, crimes discriminatórios ainda são os menos notificados no país, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública do fim de 2013. Apenas 2,1% de todas as pessoas que sofreram algum tipo de lesão por causa da sua cor de pele ou religião procuraram a polícia para registrar queixa. Ofensas sexuais estão em segundo lugar no pé da lista de subnotificações, com 7,5% de todos os casos sendo levados a uma delegacia. Já no topo, o roubo de carro é motivo de notificação em 90% das vezes em que acontece.

A subnotificação desses casos é citado pela secretária da Mulher de Curitiba, Roseli Isidoro, que iniciou em março um grupo de trabalho para formar um banco de dados sobre a violência contra a mulher e contra o público LGBT. "É preciso ter o recorte de gênero nos casos de violência. E isso só vai começar a acontecer agora. Tem que haver essa diferenciação até para a gente saber, por exemplo, quantos transexuais são vítimas de violência dentro de Curitiba. Hoje não temos essa separação", relatou na época da criação do grupo.

*Os nomes foram trocados a pedido das vítimas

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