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Outro lado

Estado alega que legislação atual não é eficiente

A justificativa do projeto, assinada pelo governador Beto Richa (PSDB), cita a necessidade de regulamentar o uso e a ocupação do solo nas áreas de mananciais, além de atualizar a lei de 1989. "Passados aproximadamente 25 anos, as tendências do Paraná mudaram, com o surgimento de novas tecnologias de controle de contaminação e sobre as perspectivas de desenvolvimento do estado, atualmente em análise com a elaboração do Zoneamento Ecológico Econômico [ZEE]", diz o texto enviado à Alep.

O projeto do Zoneamento Ecológico Econômico também foi retirado de tramitação da Assembleia Legislativa neste mês para ser reanalisado.

Garantia

O secretário estadual de Meio Ambiente, Antônio Caetano de Paula Júnior, diz não ser contra o projeto sobre os mananciais, mas desconversou quando perguntado se garantiria que a qualidade da água seria mantida com as modificações impostas pelo projeto. "Só uma ação conjunta da sociedade garante a qualidade da água", ponderou. Caetano define a lei atual como "bonita no papel, mas que não funciona na prática. Ao proibir tudo, a lei propicia invasões como a do Guarituba [em Piraquara] e a Vila Zumbi [em Colombo]", afirma. Ele diz que a tendência seria fortalecer os comitês de bacia para exercerem o papel fiscalizador.

Piraquara

Com restrições ambientais em 97% de seu território, Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, comporta 1,2 mil nascentes e é responsável por 70% do abastecimento de água da RMC. Mesmo assim, o município não foi consultado sobre o projeto. Para a secretária de Meio Ambiente, Raquel Sizanoski, a flexibilização na lei seria importante para a expansão econômica da região. "Vivemos entre dois mundos. Para se conservar a água, o município paga caro em termos sociais e econômicos. Por outro lado, não se pode defender cegamente o desenvolvimento."

19 mananciais do Paraná possuem área superior a 151 km2, que é a zona máxima de restrição proposta pelo projeto de lei. É o caso da Represa de Alagados, que abastece Ponta Grossa, nos Campos Gerais, cuja área é de 375 km2.

Os mananciais de água para abastecimento público do estado podem perder parte da sua proteção legal. Isso porque o governo do Paraná estuda liberar, por exemplo, a construção de indústrias e condomínios em áreas próximas a reservatórios e corpos d'água. Essa prática, atualmente, é proibida por lei. Um projeto de lei de autoria do Executivo estadual, enviado à Assembleia em dezembro de 2013, no entanto, permite que empreendimentos sejam erguidos no interior de áreas de preservação, apenas respeitando certas limitações na emissão de poluentes.

INFOGRÁFICO: Veja como ficariam as zonas de restrição da Bacia do Iraí

Nessa última semana, após pressão do Ministério Público e de entidades ligadas ao meio ambiente – que alegaram não terem sido consultadas sobre a iniciativa –, o governo decidiu suspender a tramitação do projeto e reavaliar o texto, que será apresentado de novo ao Legislativo em até três meses.

Pela proposta inicial, casas ou empresas não poderiam lançar efluentes na água apenas nos primeiros 20 quilômetros quadrados (km²) a montante (acima) do ponto onde a água é captada para tratamento e abastecimento. Além dessa distância, seria permitida a emissão de efluentes, desde que eles fossem tratados e, depois de lançados no rio, não piorassem a qualidade da água do manancial. A partir de 151 km² acima da captação, porém, já não haveria restrições. Dos 50 mananciais do estado, 19 possuem áreas mais extensas que a zona máxima de restrição proposta, ou seja, teriam regiões desprotegidas. É o caso da Represa de Alagados, que abastece Ponta Grossa, com seus 375 km².

Proibição

Atualmente, a legislação proíbe a instalação de indústrias poluentes em áreas de manancial, além de restringir o uso de agrotóxicos e substâncias potencialmente contaminantes nas proximidades da água de consumo público. Outras construções exigem autorização da Secretaria de Meio Ambiente.

A argumentação do governo é de que a legislação atual, por ser muito restritiva, acaba gerando situações graves, como ocupações irregulares. A ideia seria regulamentar as áreas de forma permissiva, mas fortalecendo a fiscalização e os órgãos de controle. Já os ambientalistas, reconhecem que a lei atual nem sempre é cumprida. Mas dizem que, se hoje com uma lei forte a fiscalização é falha, com uma lei fraca pode ser pior.

"Do ponto de vista técnico esse projeto é um desastre, que vai gerar problemas gravíssimos", alerta o professor e pesquisador das áreas de Engenharia Ambiental e Hidrológica da UFPR Cristóvão Vicente Fernandes. Para o especialista, as mudanças poderiam ainda pressionar a Sanepar, gerando até aumento da tarifa de água. "Com a flexibilização, a empresa vai ter de tratar toda essa água com efluentes", explica. A Sanepar informou que não se pronunciará até que um novo texto seja elaborado.

Entidades não foram consultadas

O Ministério Público estadual e as associações brasileiras de Recursos Hídricos e de Engenharia Sanitária e Ambiental estão entre as entidades que reclamaram do texto do projeto, alegando que ele comprometeria de maneira irreversível a qualidade das águas do Paraná. Elas alegam também que o processo, de interesse público, não está sendo feito às claras.

O projeto seria analisado em regime de comissão geral, manobra que permite a aprovação em poucos dias. As mudanças não foram aprovadas pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos, que tem função deliberativa sobre questões ligadas aos mananciais, e nem discutidas pelos comitês regionais de bacias.

Durante o mês, o MP realizou uma audiência pública no plenarinho da Assembleia para debater a questão. Ficou decidido que as entidades vão se reunir periodicamente para apresentar demandas e propor soluções ao grupo de trabalho que está analisando o projeto. Elas recomendaram que a proposta só volte a ser apresentada daqui a um ano, para dar tempo de o assunto ser devidamente discutido.

Para o procurador Saint-Clair Honorato Santos, uma das preocupações é o uso de agrotóxicos próximo dos mananciais. A lei atual proíbe o uso de defensivos agrícolas nessas áreas. No texto novo, não há essa especificação. "Vai abrir a porteira para o uso de agrotóxicos e nós não temos nenhuma garantia se os produtos químicos vão ser retirados da água com o tratamento", diz o promotor.

Já o deputado Rasca Ro­drigues (PV), que integra a Comissão de Meio Ambiente da Alep, é preocupante a possibilidade de o solo ser impermeabilizado pela construção de edifícios e estradas, dificultando a retenção de água no subsolo.

Técnicos

O texto inicialmente apresentado aos deputados foi elaborado durante seis meses por técnicos do Instituto das Águas do Paraná (Aguasparaná), Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sema) e da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), conforme explica o geólogo e diretor-presidente do Aguasparaná, Everton Souza. Segundo ele, por causa das dúvidas, críticas e sugestões de alguns parlamentares, o texto voltou para ser rediscutido pelos técnicos, que devem propor um novo projeto. "O importante é que a lei dos mananciais está sendo discutida. Não adianta fazer uma legislação que depois não será aplicada. É importante também fazer esse amadurecimento das ideias", pondera.

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