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No direito brasileiro, nunca houve impedimento à participação de menores incapazes em sociedades limitadas, desde que atendidas duas exigências impostas pelo DNRC: a integralização à vista do capital social e a não participação do menor incapaz no quadro de administradores da sociedade.

As duas exigências pa­­recem justificáveis e decorrem de uma correta interpretação do Código Civil. Impede-se que o incapaz assuma a função de administrador pela óbvia razão de que este deve ter capacidade para assumir obrigações em nome da sociedade. Se o incapaz, por definição legal, não tem condições de assumir validamente obrigações em nome pessoal, é evidente que não teria condições de assumir obrigações em nome da sociedade.

De outro lado, cobra-se a plena integralização do capital social porque este seria o limite da responsabilidade pessoal dos sócios pelas obrigações sociais nesta espécie societária, de acordo com o art. 1.052 do Código Civil. Como derivação desta regra, também se impede que o capital social seja integralizado por meio da transferência de bens para a sociedade. Isto porque os sócios têm responsabilidade pessoal pela correção no procedimento de avaliação, nos termos do art. 1.055, § 1.º, do Código Civil. Assim, caso exista sócio incapaz, o capital social deve ser integralizado à vista e em dinheiro.

A respeito deste aspecto, acredito ser necessária uma melhor reflexão. Parte-se da premissa de que a responsabilidade pessoal dos sócios em uma sociedade limitada está limitada à integralização do capital social. Para quem buscar no Código Civil uma solução para o problema, esta será de fato a resposta claramente encontrada. Aliás, resposta que deveria ser óbvia na medida em que a autonomia patrimonial da sociedade e a limitação da responsabilidade dos sócios (que, em caso de insucesso da atividade empresarial, perderiam os investimentos feitos na sociedade, e não o seu patrimônio pessoal, exceto quanto se comprovasse fraude) constituem o fundamento básico da existência das sociedades limitadas em todo o mundo.

Mas, no Brasil, esta regra não se reflete na atuação dos tribunais. Ao contrário do resto do mundo, a desconsideração da personalidade jurídica tornou-se a regra e não a exceção. Há vários anos os empresários têm claro que, em caso de quebra, independentemente da prática de alguma fraude, seus bens pessoais serão atingidos.

Aqui surge a incongruência. A participação dos menores é admitida desde que eles não assumam responsabilidade pessoal pelos resultados da empresa. De acordo com a lei, esta responsabilidade estaria afastada com a integralização do capital social. Na prática, esta limitação está longe de ser observada.

Esta incongruência pode ser resolvida de duas formas: ou se impede a participação de incapazes em geral no quadro de sócios de uma sociedade limitada, ou se revê a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no Brasil.

A primeira saída é fácil e rápida. Basta uma boa canetada para que ela passe a ser aplicada, impedindo-se a criação de novas sociedades entre pais e filhos, tão comuns em um país tomado por empresas familiares. Mas esta saída seria tão fácil quanto errada. Ela só seria logicamente viável se fosse aceitável a forma como se desconsidera a personalidade jurídica em nosso país. E isso está longe de ser palatável.

A ampla desconsideração da personalidade jurídica favorece aos pouco honestos (que não pagam nada mesmo) e penaliza os muitíssimos empreendedores e potenciais empreendedores que efetivamente assumem o risco de, por uma virada de mercado, perder todo seu patrimônio pessoal, que algumas vezes é resultado do trabalho de gerações.

Trata-se de um problema fundamental, que deve ser revisto cuidadosamente para que não perca a oportunidade histórica, talvez única, que o Brasil está tendo de se desenvolver economicamente.

* Fábio Tokars é advogado, doutor em Direito, professor de Direito Empresarial na PUCPR e no curso de Mestrado em Direito do Unicuritiba

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