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Brasília – No comando de um processo eleitoral marcado por denúncias de corrupção, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello, confia na força do eleitor para mudar esse quadro. Ele diz que os primeiros culpados são os próprios partidos políticos, lenientes ao selecionar seus candidatos. Ele pede aos eleitores que não votem nos candidatos envolvidos em escândalos. E afirma ainda que o TSE não hesitará em cumprir a Constituição caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja reeleito e a investigação do tribunal sobre sua campanha conclua pela impugnação.

Qual sua expectativa para as eleições deste domingo?Marco Aurélio de Mello – Fomos surpreendidos por uma sucessão de escândalos e o que constatamos: hoje em dia não se escamoteia coisa alguma, tudo aflora, há divulgação pela imprensa, que goza de uma liberdade maior, as instituições funcionam, o Ministério Público e o Judiciário. Sinalização? De dias melhores.

Muita coisa veio à tona, mas não há registro de punição. O TSE permitiu a candidatura de candidatos processados.Claro que, em época de purificação, a tendência é se querer corrigir rumos, consertar tudo, para melhorar até mesmo a vida em sociedade. E acaba se cometendo alguns exageros nesse campo da inelegibilidade. As causas da inelegibilidade estão na Constituição e ela remeteu o acréscimo para o legislador complementar. Editou-se uma nova lei para atender a esse ditames? Não. O dia em que o Judiciário estabelecer a norma para o caso concreto e julgá-lo, teremos uma das piores ditaduras, a ditadura do Judiciário.

No TSE, esse entendimento não foi unânime. A decisão foi por quatro votos a três.Pela clareza da matéria, deveríamos ter decisão unânime. Não deveríamos nem ter tido decisão contrária à norma legal lá no Tribunal do Rio de Janeiro. Indaga-se: nas eleições passadas por que não interpretaram assim? Agora, é claro que a impressão que fica ao leigo é que passamos a mão na cabeça de pessoas que não mereciam ter esse endosso.

A lei deve ser aprimorada?É muito perigoso, em época de crise, partir para uma flexibilização para ser rigoroso, consideradas as normas em vigor. Mas, é claro, seria muito fácil jogar para a turba que quer sangue, quer vísceras e, olvidando até que o chicote muda de mão, partir para o justiçamento. A opção política-legislativa cabe aos deputados e senadores. Se aprovarem amanhã ou depois uma lei prevendo que o simples curso de processo-crime deságua na inelegibilidade, vamos enfrentar a lei sob o ângulo do conflito com a Constituição, no que encerra o princípio da não-culpabilidade.

O TRE do Rio agiu politicamente?Hoje está certificado que errou. A partir do momento que a decisão foi reformada, houve a certidão de que ele claudicou na arte de julgar. Deixou de observar a ordem jurídica reinante no país para decidir considerando algo subjetivo, que é a moralidade pública. Não é por aí.

O senhor fala de cautela diante do clamor por vísceras e sangue, mas não seria legítima a pressão da sociedade com mais de cem parlamentares sob suspeita?A mente mais criativa não poderia imaginar um décimo do que constatamos em termos de mazela. Mas, considerados as eleições e o direito posto, o que temos? Partidos políticos que não atuam como deveriam atuar, lenientes quanto à seleção de candidatos. Porque o primeiro exame de um certo nome é feito pelo partido político. Segunda coisa, o Ministério Público atuando e indeferindo e o Judiciário atuando de acordo com o figurino legal. Terceiro, o papel do eleitor. Que atuemos, que neste dia 1.º de outubro digamos não a candidatos que apresentem vida pregressa duvidosa.

O Brasil é exemplo de modernidade eleitoral com o sistema informatizado, mas ainda há práticas arcaicas de voto de cabresto e malas de dinheiro. Isso vai mudar?Se temos o corruptor, é porque existe o corrupto, porque o cidadão olvida o direito que tem. Olvida a própria cidadania, não valoriza a dignidade. Agora, tudo isso passa pelo avanço cultural. E o avanço cultural pressupõe educação. O Judiciário só age quando provocado. Tem fiscais? Não. Mas surgem os interesses antagônicos. Que candidatos prejudicados denunciem. Alguém pode ter o registro cassado por abuso do poder econômico, do uso da autoridade, e do uso dos meios de comunicação. Se a representação é julgada antes da eleição, é cassado o registro. Se depois surge um quadro novo, o quadro revelado pela diplomação e, às vezes, até a posse, se acolhida a representação pelo abuso, cabe enviar peças ao Ministério Público para entrar com ação de impugnação do mandato.

O TSE abriu investigação eleitoral sobre a candidatura do presidente Lula.Sim, o que não se mostra algo desejável. O melhor seria termos ai, dando exemplo, um perfil inatacável. Mas existe a representação a demonstrar que se pode claudicar, porque se pressupõe que tenha claudicado, porque é crime entrar com representação já se sabendo inverídicas as causas de pedir.

Diante de um presidente eleito pela urnas, o TSE teria força política para ir contra a decisão popular?A Constituição federal submete inclusive o povo. Não estou aqui a fazer prognóstico. O fato consumado não tem o peso de se sobrepor à própria lei. Mas em se tratando do dirigente maior do país? A Constituição submete a todos, ao cidadão comum e aos detentores de cargos, principalmente cargos eletivos. Se o teto tiver que cair na minha cabeça, vai cair. Não ocupo cadeira voltada a relações públicas.

Em caso de destituição do vencedor, o vice assume?Há um princípio básico. Se o vício diz respeito ao titular, ele é alcançado. O que houve com o presidente Collor. Ele foi afastado e assumiu o vice. Agora, em se tratando de certame eleitoral, surge o fenômeno da chapa e aí há a contaminação. A jurisprudência é pacífica, se tem um vício alusivo à caminhada para a eleição, ainda que envolvendo apenas o titular, a procedência do pedido formulado fulmina a chapa eleita.

O caixa 2 continua existindo. Há como combatê-lo?Será muito difícil afastar o caixa 2 porque onde o homem bota a mão, e bota a mão a partir de paixões condenáveis, é sempre possível o desvirtuamento. Poderíamos coibir o caixa dois, partindo para o financiamento público. Os recursos privados, eu diria, porque não acredito em altruísmo, levam à corrupção.

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