“Fui até o Congresso em uma passeata de oração”, relata a pastora e assistente de enfermagem Sandra Maria Menezes Chaves, de 49 anos. Moradora de São Paulo e avó de três netos, ela viajou até Brasília para uma ação que seria pacífica dia 8 de janeiro, mas ficou presa por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) durante sete meses e pode ser condenada a 14 anos de cárcere, além do pagamento de indenização.
Ela começou a ser julgada na última sexta-feira (15), em plenário virtual no STF, com outras 28 pessoas. O ministro Alexandre de Moraes, relator dos casos dos presos no 8 de janeiro, votou pela condenação de 29 pessoas, com penas entre 14 e 17 anos de prisão. Os outros ministros do STF têm até 5 de fevereiro para se manifestar nos julgamentos.
“Espero que o entendimento deles seja diferente do relator porque tudo que fiz no 8 de janeiro foi orar”, afirma Sandra, citando que a prova que a “incrimina” é uma foto dela em oração “com as mãos ao céu” na área externa do Congresso. “Passei pela revista policial após as 15h, cheguei na praça e glorifiquei a Deus”, diz. “Pouco depois, começou o bombardeio e entrei no Senado para me proteger. Inclusive, perguntei a um policial se eu podia ficar ali, e ele autorizou.”
No entanto, Sandra conta que, por volta das 19h, foi encaminhada para outro espaço do Senado para “responder algumas perguntas e aguardar uma intimação em casa”. Ela esperou até a madrugada para dar esse depoimento e explicou que havia se protegido das bombas, sem quebrar nada porque era contra atos de vandalismo. “Falei que fui à passeata para orar”, relata a pastora voluntária da Igreja Assembleia de Deus, que foi presa logo depois.
“Era umas 3h da madrugada, e tentei ligar para os meus filhos, mas eles estavam dormindo. Fiquei sete meses sem vê-los e sem poder falar com eles”, lamenta a mulher, ao citar ainda que ficou sentada no chão até a tarde do dia seguinte, sem comida ou água. “Só fui me alimentar por volta das 13h do dia 9, e me levaram para a Colmeia”.
“Não há provas contra Sandra”
De acordo com o advogado de defesa Hélio Junior, a denúncia contra Sandra é “completamente genérica, similar às das outras pessoas denunciadas” e ela deveria ser “absolvida por falta de provas e mantida em liberdade por ausência absoluta de qualquer crime cometido”, afirma no vídeo de sustentação oral enviado ao STF.
Nessa gravação de defesa, ele aponta ainda que testemunhas ouvidas pela Procuradoria não reconheceram Sandra entre as pessoas que danificaram o patrimônio público e que ela atuava de forma pacífica na manifestação. “Não há vídeo da acusada dizendo que concordava com atos hostis, e não foi apreendido com a denunciada nenhum dos artefatos utilizados pelos vândalos”, diz, pontuando que “é inimaginável que a acusada, com uma vida ilibada e ocupação lícita, tenha permanecido sete meses presa”.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o advogado relata ainda que as atitudes de Sandra dentro da penitenciária também comprovaram sua idoneidade. “Essa mulher foi um grande diferencial para suporte das outras meninas, que me falavam que só estavam bem, e vivas, por causa da pastora Sandra”, relata. “Ela foi alicerce dentro da Colmeia por ser uma mulher sábia, honesta e íntegra”.
Sete meses na prisão
Para Sandra, os meses sem contato com a família e sendo tratada como criminosa na prisão foram “extremamente difíceis”, mas ela conta que tentava manter-se firme para transmitir força às outras presas. “Eu fazia jejum, me consagrava e orava”, relata a pastora voluntária, que fundou uma igreja na sua ala com a realização de cultos diariamente.
Dessa forma, ela conversava com as presas, orava por elas e trazia mensagens bíblicas de paz para acalmá-las. “Todas estavam desesperadas, e algumas falavam em se matar”, conta. “Então, eu ouvia uma a uma, e clamava a Deus para que as tirasse de lá antes de mim.”
E não eram apenas presas do 8 de janeiro que ouviam seus conselhos. “Mulheres que estavam lá devido a crimes também me pediam orações e, no dia do meu aniversário, me fizeram uma surpresa cantando ‘parabéns’ quando saíram no banho de sol. Foi emocionante”, lembra a paulista, que também cuidava da saúde física das colegas.
“Como sou assistente de enfermagem e trabalhei em clínicas de idosos, meu coração não aguentava ver senhoras com comorbidades lá dentro sem os remédios que precisavam, comendo aquela comida e tomando banho gelado em pleno inverno”, recorda. “Eu tentava ajudar, dentro do que era possível, mas era bem difícil”, lamenta.
Ao mesmo tempo, Sandra também precisava cuidar da própria saúde física e emocional, já que o único contato que tinha com seus familiares era por cartas entregues pelos advogados. “Confesso que eu sentia muita vontade de chorar e lidava com a ideia de me matar, mas falava para mim mesma que eu não tinha esse direito porque outras mulheres precisavam de mim.”
Liberdade provisória com tornozeleira eletrônica
Aos poucos, suas colegas foram deixando a prisão e, no mês de agosto, Sandra também recebeu o alvará de soltura para deixar o Complexo Penitenciário. “Perdi 15 quilos e agora lido com a rejeição das pessoas por usar tornozeleira.”
Segundo ela, é difícil conseguir trabalho devido ao horário restritivo, não é possível ir à igreja, e há dificuldade até para um tratamento simples de saúde. “Sou hipertensa e preciso usar meia elástica diariamente, o que não posso fazer devido ao aparelho no tornozelo”, explica. Além disso, “preciso gastar com condução toda semana para ir ao fórum, sendo que a situação financeira já está complicada”.
No entanto, ela confia que a situação mudará. “Estou orando e clamando pela anistia a todos os envolvidos no 8 de janeiro, sem exceção, e creio que, assim como o povo de Israel atravessou o Mar Vermelho, o povo brasileiro também vai passar por esse ‘Mar Vermelho’ da atualidade”, garante. Afinal, “quem está conosco é maior do que quem está com eles”, finaliza.
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