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O que eles querem

• Segurança – O dono de banca de revistas e jornais Ary Eberle, 60 anos, quer mais fiscalização. Para ele, a Marechal é uma rua sem segurança. "É um lugar cheio de gente desocupada", diz o comerciante que contabiliza 20 anos no ponto. Nesse tempo, o perfil da clientela mudou. Sua loja vende principalmente comestíveis.

• Gastronomia – Natália Mariko Hagashi e Sílvia Fukomoto estão otimistas. Eles são funcionárias de um empresário do ramo de comida japonesa que acaba de abrir uma filial na Marechal Deodoro. A fachada moderna combina com a nova rua e a clientela mais seleta da região descobriu o local.

• Clientes – O sex-shop que funciona na Marechal passou por maus bocados nos meses de reforma. A clientela simplesmente ficou ainda mais envergonhada de entrar na loja, como explica o coordenador João Carlos Doares, 22. "Mas é um bom ponto. Tem muito banco e banco é um chamariz para comércio", diz.

• Infra-estrutura – As costureiras Elza Maria da Silva, 44 anos, e Elizabeth da Silva Meira, 45, atendem entre 20 e 25 clientes por dia na loja de reformas que mantém no fim da "Marechal reformada." A área, depois da Barão do Rio Branco, é considerada a mais pacata da rua. "Nem orelhão funciona", diz Elizabeth.

• Solução – O pipoqueiro Walter Ferreira, 53 anos, tem 35 anos de ambulante. Garante nunca ter passado num ponto tão bom quanto a Marechal Deodoro. Ele trabalha perto do terminal e foi um observador contumaz das reformas. "Que coisa bem-feita. A gente nem percebia no que eles estavam mexendo. De repente está aí essa rua. Ela é a solução para os problemas de Curitiba."

• Vigilância – A dona de lotérica Mieko Suguimoto, 46 anos, tinha agonia diante da Marechal de antigamente. "Cansei de ver velhinhos caírem na calçada. Agora ficou bom", diz. Seu pedido é que venham câmeras, iguais às da XV, para prevenir assaltos, e um comércio mais variado. "A violência da rua de cima veio para cá. Fomos assaltados três vezes este ano", lamenta.

Ficha completa

• Extensão: 936 metros, 9 quadras, 12,8 mil metros quadrados de calçada.

• Equipamentos: 70 rampas de acesso para deficientes nos cruzamentos; 1.670 metros de pista tátil; 2 abrigos de ônibus, 1 estação-tubo, 91 postes de iluminação, 189 árvores (111 novas e 78 existentes), 3 abrigos de táxi.

• Inovação: os obstáculos para pedestres, como postes, iluminação, lixeiras, telefones públicos, bancas de revista foram deslocados para uma faixa lateral, próxima da pista de rolagem, facilitando o fluxo de pedestres.

• Em projeto: finalização da iluminação, prevista para 2007, e reciclagem da Praça Zacarias e do trecho da Emiliano Perneta – continuação da Marechal – até a Avenida Visconde de Nácar, prevista para 2008.

• Crítica: a Marechal Deodoro, à revelia de seu potencial, é uma rua dominada por instituições bancárias e por lojas de eletromésticos, apresentando pouco sortimento de comércio.

• Reivindicações: comerciantes querem câmeras de segurança, pois julgam que a criminalidade da XV, onde há câmeras, migrou para a Marechal. Também se reclama a ausência de lixeiras – a reportagem contou cerca de 20 em um quilômetro – embora a prefeitura diga que são 79 –, a ausência de policiamento; e de orelhões que funcionem. São 35 aparelhos duplos em toda a extensão.

Curiosidades

* Um dos imóveis desocupados da Marechal Deodoro, na altura do número 95, virou tribuna para mensagens anarquistas contra o capitalismo, provocações literárias, como a frase do escritor João Antônio: É possível ser escritor sem filosofia?

* Os ambulantes sumiram da nova Marechal, provavelmente por força política da prefeitura. A reportagem contou sete camelôs, incluindo o pipoqueiro e o carrinho de quitutes de amendoim, na altura do Shopping Itália.

* A cultura não é o forte da bela Marechal, apesar dos sinais de que pode se transformar numa avenida cult. Há um café e espaço cultural, uma escultura solitária de Elvo Benito Damo; a arquitetura arrojada do prédio da Procuradoria da República; a capela do Santa Maria e a proximidade com o Teatro da Caixa e do Guaíra.

Nem Rua XV de Novembro, nem Visconde de Guarapuava. Quem diria! A rua modelo de Curitiba agora se chama Marechal Deodoro. Mal saíram os tapumes que escondiam a reforma, iniciada no segundo semestre do ano passado, e voltaram os pedestres e motoristas – em carga bruta. Juntos, eles somam 270 mil passantes, o melhor desempenho na capital entre essas duas categorias que definitivamente não se bicam. Somente em carros são 40 mil por dia – um desempenho à altura da Silva Jardim e da Sete de Setembro.

Mas não é definitivamente o que interessa. Se os cálculos da Associação Comercial do Paraná (ACP) estiverem corretos, o movimento da Marechal aumentou em cerca de 8% em relação ao ano passado, comprovando que a calçada faz sim a diferença. Além de valer o investimento. Para custear os 12,8 mil metros quadrados de calçamento e 936 metros de pavimentação, a prefeitura gastou R$ 2,5 milhões. Caso a operação se mostre mesmo capaz de oxigenar o Centro, em especial a vizinha Rua XV, fez-se o negócio da China.

Até agora, as expectativas são boas. Na ACP, que congrega 60 lojistas da Marechal, a aposta é que virá um surto de reformas, para deixar os estabelecimentos tão alinhados quanto a rua. Na prefeitura, idem. A ONG Condomínio Garantido do Brasil já avisou que quer premiar a nova Marechal. E o órgão municipal avisa que vai usar a avenida como exemplo na hora de captar investimentos para as próximas empreitadas urbanísticas. São candidatas a plásticas, lipo e maquiagem permanente a decadente João Negrão, além da Emiliano Perneta, continuação da Deodoro.

A Marechal tem uma longa faixa em petit-pavê – e um petit-pavê menos viralata do que o que se usa nas calçadas curitibanas. Em geral, as pedras são graúdas, a colocação malfeita e a ruína é certa. Já na avenida, a combinação das pedrinhas com os blocos intertravados de concreto funcionou, garantindo a caminhada sem escorregadas, tropeções e outros atentados. Pode virar padrão no resto do Centro.

Justiça feita

Grosso modo, seria injusto creditar à calçada todo o súbito interesse em caminhar na Marechal. Na verdade, poucas ruas de Curitiba reúnem tantos requisitos para experimentos arquitetônicos e urbanísticos quanto ela. É larga o bastante – tem 21 passos apressados de pista de rolagem –, é acesso para cinco galerias, as avós dos shoppings, fica no Centro e tem um equipamento comercial invejável.

Para que se tenha uma idéia, ao lado da XV, está entre as raras ruas cuja fiação de luz é embutida, evitando uma das soluções urbanas mais horrendas da face da Terra: o poste com fio de luz. Mesmo assim, nada impediu sua decadência. "Era uma rua cheia de bossa na década de 60", lembra o administrador regional da Freguesia da Matriz, o arquiteto Omar Akel, sobre a remodelação feita no passado pelo prefeito Ivo Arzua. Com o bochincho em torno da XV, a partir de 1972, "a Marechal foi cada vez mais virando uma espécie de suporte de carga e descarga, já que não se podia entrar de carro na Rua das Flores".

A contar pelo último mês, os bons tempos voltaram, embora os 936 metros remodelados da Marechal, justo os mais largos, não sejam nenhum mar de rosas. Há desafios a serem vencidos para que ela use com todas as honras a faixa de rua modelo. Falta à rua, por exemplo, sortimento no comércio. Sua monotonia é atroz, como se pode conferir com olhos bem abertos e um bloquinho de anotação nas mãos. Em toda a área de vendas térrea da rua, por exemplo, há nada menos do que 33 instituições financeiras – entre bancos e casas de empréstimo – e 20 lojas de móveis e eletrodomésticos. Tudo isso dividido por míseras sete confeitarias, dois restaurantes e um shopping.

O comércio varejista também é modesto: são seis bancas de jornal, três cartórios e, para surpresa geral, quatro revendendoras de celular.

Para o coordenador operacional do projeto Centro Vivo, da Associação Comercial do Paraná, César Luiz Gonçalves, 50, é só uma questão de tempo. "A mudança na rua deve motivar os donos dos imóveis a mexer na aparência das lojas. Realmente, a calçada faz a diferença."

Para lojistas e freqüentadores, contudo, melhor é cautela. "Ainda não dá para saber", diz o dono de banca Ary Eberle, 60. Ele e os outros concordam apenas num quesito: o calçamento ajudou à beça, confirmando que o petit-pavê malfeito das ruas de Curitiba afugenta pedestres.

Nesse quesito, a Marechal já deixou suas lições de vida. O gestor Omar Akel já pensa em chamar até calceiteiro aposentado para ensinar às novas gerações que petit-pavé tem de ser justo como uma espiga de milho. É uma boa notícia. A má notícia é que é impossível trocar todo o calçamento da cidade por produtos mais adequados aos tempos modernos. Faltaria dinheiro. A solução é andar pela Marechal.

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