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“Vivemos a época de ouro da ignorância, alguns chamam de ‘era do obscurantismo’. A ignorância vem de várias fontes: cada indústria, cada burocracia e governo, cada movimento fanático empreende um esforço para produzir e propagar ignorância. A verdade é que, em geral, a ignorância vem da ilusão e da parcialidade cega.”

É assim que o professor de história da ciência Robert Proctor, da Universidade de Stanford (EUA), explica o que ele chama de fenômeno da fabricação de ignorância, em que a desinformação e a confusão são produzidas ativamente por diferentes grupos – desde as grandes indústrias, como a do tabaco ou a farmacêutica, até partidos políticos e governos, passando pela medicina e pelas mídias.

Em seu trabalho, ele examina quais estratégias esses grupos usam para fomentar a dúvida e o desconhecimento sobre produtos, descobertas científicas, políticas públicas, operações militares ou mudanças climáticas.

Entre as táticas adotadas estão o sigilo de avanços científicos e dados públicos, a disseminação de informações distorcidas do discurso político e religioso e do lobby de grandes indústrias. Segundo o historiador, há centenas de empresas especializadas em criar estratégias de confusão com o objetivo de minimizar riscos econômicos.

O segundo elemento necessário para que a ignorância sobre um assunto se espalhe é uma sociedade cientificamente analfabeta e suscetível à dúvida. Para Proctor, apesar de haver conhecimentos compartilhados pela maior parte das pessoas, as grandes questões políticas, científicas e filosóficas ainda são balizadas pela propaganda, pela fé ou pela tradição.

Ciência compete com política

As pesquisadoras Holly Stocking e Lisa Holstein, ambas da Universidade de Indiana, também dos EUA, sugerem que a ignorância é tão facilmente construída cultural e socialmente por causa da fragilidade do discurso científico quando confrontado com outros tipos de discurso, com o político e o religioso.

“Como um caminho para o conhecimento, a ciência é preciosa. Mas quando o discurso científico entra na esfera pública, importa menos o conhecimento especializado e mais a política, as percepções e os valores concorrentes. Especialmente quando a ciência se torna objeto de controvérsia pública – tomemos como exemplo a evolução, os alimentos transgênicos, as mudanças climáticas ou as vacinas”, afirmam as pesquisadoras.

Apesar de tudo, Proctor ressalta não ser um cético, mas um pragmático. “Não podemos ser supercríticos de tudo porque isso nos levaria à loucura. A confiança é uma parte fundamental do ser humano. Acredito no bom senso da maioria das pessoas, embora haja muita ignorância e o absurdo seja quase ilimitado.”

Indústria do fumo fabricou ignorância

“A dúvida é o nosso produto, uma vez que é o melhor meio de competir com as ideias que povoam a mente do público em geral. É também o meio de estabelecer uma controvérsia.”

Tudo começou com essa frase que parece tirada de um plano inescrupuloso para dominar o mundo. Ela constava de um memorando da empresa Brown & Willianson, uma gigante do tabaco, escrito em 1969. O documento definia estratégias para aumentar a venda de cigarros e rebater os estudos científicos que começavam a revelar os malefícios do tabaco para a saúde. Naquela época, eram divulgados os benefícios do cigarro para algumas partes do corpo, para os nervos e para a estética.

Esse movimento deliberado para provocar confusão e dúvida sobre informações científicas e propagar a ignorância levou o historiador Robert Proctor a cunhar o termo “agnotologia” para designar o estudo da ignorância ou dúvida culturalmente induzidas.

Ignorância é característica humana; não necessariamente uma “conspiração”

A ideia de que a ignorância é uma construção social e cultural à qual a sociedade é sujeitada não é unanimidade no meio acadêmico. No livro Routledge International Handbook of Ignorance Studies, um catatau onde são compilados dezenas de artigos sobre o tema, a partir de perspectivas teóricas diversas, os sociólogos Matthias Gross, da Universidade de Jena, na Alemanha, e Linsey McGoey, da Universidade de Essex, argumentam que a ignorância não deve ser vista como desviante, e sim como uma característica regular da tomada de decisão, das interações sociais e da comunicação cotidiana.

“A ignorância não deve ser vista como exclusivamente útil ou rentável para os poderosos. A existência humana per se é uma questão de constante negociação e de experimentação com o que se sabe e o que não se sabe”, dizem.

Uma das abordagens apresentadas no livro sugere que há dois tipos de ignorância: aquela orientada pelo desejo de saber mais e pela investigação e aquela orientada pelo conforto de não saber. Os autores, Haas e Vogt, preferem o primeiro tipo. Outros pesquisadores constatam que “manter-se alerta para a ignorância é uma habilidade pouco natural que tem de ser aprendida.”

Perspectivas

Em entrevista á Gazeta do Povo , o historiador Robert Proctor, da Universidade de Stanford, falou sobre a ignorância.

INTERNET

“A internet é, ao mesmo tempo, um tesouro de informações e um ninho de rato de desinformação. A velocidade com que a mídia eletrônica funciona permite que tanto a luz do conhecimento quanto a escuridão da ignorância cresçam rapidamente. Mas, na internet, se tornou mais fácil se perder em labirintos de desinformação.”

ARMADILHAS

“Há muitas maneiras de escapar do labirinto da ignorância: considerar a fonte da informação, testar as evidências apresentadas, ampliar sua perspectiva, nunca parar de aprender. A superação da ignorância requer um esforço para entender ‘as causas das causas’. A verdade é que, em geral, a ignorância vem da ilusão e da parcialidade cega.

“COMBATE

“Fico chocado com os delírios do fundamentalismo, com a miopia devastadora e os paroquialismos que prejudicam nosso discurso político e científico. A desinformação deve ser estudada, exposta e combatida.”

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