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Foi em 1994. O professor de inglês e artista plástico Luiz Arthur Montes Ribeiro, 45 anos, ficou indignado ao receber uma multa. Era injusta. Além do mais, aquilo não tinha nenhum resultado educativo, só punição." Mas eis que, por vias tortas, o resultado apareceu. Arthur cursava mestrado em Educação e pesquisava um assunto, então, ainda em gatinhas – o ensino a distância. Mexeu e virou, a dissertação acabou desembarcando na mesa de dirigentes do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e com ela veio o convite para participar de um programa semipresencial de formação de dirigentes dos quatro cantos do país. Como queria encontrar fiscais menos truculentos, aceitou no ato.

Hoje, Montes Ribeiro é um expoente em estudos de trânsito no Paraná. Tem quatro livros publicados pela Editora Juruá, nos quais trata das necessárias dicas de mecânica à elaborada engenharia de tráfego. Também leciona em especializações, como a mantida pela PUCPR, e é palestrante Brasil afora. Tudo depois daquela multa. Ao conversar com a reportagem da Gazeta do Povo, tinha acabado de voltar de Goiânia. Entre uma viagem e outra, circula pela cidade, um exercício que o ajuda a bolar novos projetos e, claro, a se indignar. No seu caso, é o princípio de tudo – principalmente de um novo projeto. "Tiraram as vagas para estacionar na Visconde de Guarapuava. A medida trouxe mais carros e menos gente circulando. Até quando vamos confundir rapidez com fluidez?", questiona.

Falando assim, parece aquele desabafo que todo mundo faz ao chegar em casa depois de enfrentar um engarrafamento. Mas não é. O trânsito nosso de cada dia tem linha direta com as mais sólidas lições da sociologia, da psicologia e da história. Uma pena haver ainda tanta timidez acadêmica em tratar do tema. São poucos os intelectuais da área de ciências humanas dedicados exclusivamente a isso, ainda que haja contribuições sazonais, como a do antropólogo Roberto DaMatta. "Trânsito é comportamento", endossa Luiz Arthur, contrariando o caráter técnico que impera no setor.

O pesquisador demarca território recorrendo a uma imagem bastante comum - a do pacato cidadão, incapaz de matar uma mosca, mas que fica agressivo logo que bate a chave na ignição. "É como se o sujeito se transformasse num cavaleiro medieval, vestido com uma armadura, entrando em campo de batalha. Ele se sente protegido e ataca", compara.

Dos guerreiros armados – seja de Fuscas ou de BMWs – Montes Ribeiro vira o arco da conversa para cidades que considera de trânsito exemplares, como Kassel, na Alemanha, e Blumenau, em Santa Catarina. Pula para duas problemáticas ruas curitibanas, a Ângelo Sampaio e Francisco Rocha. Fala da necessidade de reurbanizar a Presidente Kennedy. E do não-cumprimento do artigo 74 do Código Nacional de Trânsito – que prevê educação para o trânsito nas escolas. Trata de soluções.

Mas que não se espere um programa ortodoxo de normalização urbana. O estudioso defende de ostensivas campanhas de carona a bondes elétricos circulando pelo Centro. Isso mesmo. "Os bondes seriam a solução para a Vicente Machado, por exemplo. O número de carros só aumenta. Não há outra saída senão investir em transporte coletivo, seja ele qual for. A luta é por manter a escala humana da cidade".

Em resumo, o homem que transformou uma multa do passado numa paixão é um ardoroso defensor de medidas que mudem o foco da engenharia de tráfego do veículo para a sociedade. A saída lhe parece simples: investir na formação dos profissionais de trânsito. Na hora do "vamos ver", quando uma vaga é disputada ou os ânimos de acirram, cabe a eles melhorar as relações com a cidade e entre os motoristas. E, nos dizeres de Ribeiro, enterrar de vez a visão ultrapassada de que trânsito é mera disputa de espaço.

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