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Veja as estatísticas sobre a violência |
Veja as estatísticas sobre a violência| Foto:

Quadros estão defasados há 20 anos

O déficit de policiais poderia ser maior do que efetivamente é. Se­gundo as entidades de classe vinculadas à segurança pública, o atual número de cargos existentes no estado está desatualizado há 20 anos. Com o recente projeto de reestruturação da PM, aprovado pela Assembleia Le­­gislativa, o total de vagas sobe dos atuais 21.880 para 26 mil. Na Polícia Civil, o crescimento necessário para atender a população precisa praticamente ser dobrado: salta dos atuais 6,5 mil para perto de 12 mil.

Na corporação, parte dos oficiais se transformou em carcereiro. O Paraná é o estado brasileiro com o maior índice de detentos em delegacias, impedindo os policiais civis de investigar crimes, pois precisam evitar as fugas de encarcerados. Da mesma maneira, existe policiais cumprindo funções administrativas, o que diminui o efetivo das rondas. "Muito mais do que 29% não está atuando. Existe uma escala de serviço, férias, licenças. Em Curitiba, não há mil policiais nas ruas atualmente", critica o delegado da Polícia Federal Fernando Francischini.Na avaliação do coronel Eliseu Ferraz Furquim, da Amai, os 26 mil policiais da PM devem ser destinados às funções específicas para incrementar o poder de vigilância. "Cada vez que se tira alguém de sua atividade real, diminui-se a possibilidade de atender melhor a comunidade e administrar os conflitos da sociedade", diz. Ex-secretário de Estado da Se­­gurança Pública, Luiz Fernando Delazari analisa com cuidado a criação de vagas. "Quando se cria um novo serviço, abrem-se novas vagas. Não é necessário ampliar o quadro se não há possibilidade de aumentar as contratações", diz. Delazari não vê necessidade de ampliação: "Uma legislação é criada para perdurar 10, 20 ou 30 anos. As projeções nascem com excesso de vagas", diz.

E o que fazer quando a polícia não vem?

O assistente administrativo Rosalvo Aparecido dos Santos, de 29 anos, voltava de viagem com a mulher, em setembro do ano passado, quando encontrou com um homem embriagado no portão de sua residência, no Barreirinha. Santos diz ter cumprimentado o rapaz, mas, por algum motivo que diz desconhecer, houve mal-entendido. Então, o homem passou a ameaçar o assistente e sua esposa. Para evitar confusões, o casal se trancou em casa. Mas não foi o suficiente: o homem continuou a ameaçar Santos e jogou pedras na porta de sua casa.

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As polícias Civil e Militar do Paraná contabilizaram 29% de cargos vagos em seus quadros funcionais em 2009, situação que, com pequenas diferenças, persiste neste ano. Das 28,5 mil vagas existentes no estado, havia déficit de quase 8,3 mil até o fim do ano passado, de acordo com análise das contas do governo estadual realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR). Na Polícia Civil, a situação era mais caótica do que na Militar: das 6,5 mil vagas, praticamente 3 mil estavam em aberto.Se não esclarece totalmente os notórios problemas de segurança pública dos últimos anos, a falta de policiais justifica parte das dificuldades para cumprir o dever de proteger a população. Enquanto os po­li­ciais não ocupam todas as ca­deiras existentes, a violência con­tinua a crescer no estado, con­for­me estatísticas oficiais da Secre­taria de Estado da Segurança Públi­ca (Sesp). De 2007 a 2009, o índice de homicídios dolosos cresceu 57% e o de atentados contra a pessoa subiu 22%.Delegado da Polícia Federal e ex-secretário Antidrogas de Curitiba, o recém eleito deputado federal Fernando Francischini analisa que os dois números se re­lacionam. "Sem policiais nas ruas, a consequência é o aumento da criminalidade. A tarefa da Polí­cia Militar é a prevenção", diz. A falta de efetivo é histórica. Há quase duas décadas, os concursos pú­blicos da área apenas repõem as perdas. Há anos, o planejamento da segurança pública vê o número de policiais diminuir. Na PM, cerca de mil oficiais se aposentam ou são exonerados por ano, conforme a Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares e dos Pensionistas (Amai). Na última década, a Polícia Civil não completou um ano com porcentual de ocupação maior que 70%. "Nosso máximo foi 69%", diz o presidente do Sindicato das Classes Policiais Civis do Estado do Paraná (Sinclapol), André Luiz Gutierrez. Uma ressalva deve ser feita: PM e Polícia Civil não são as responsáveis.

Escalas forçadas

As consequências do déficit acarretam no desserviço à população e respingam na própria classe policial. A sociedade espera o atendimento quando busca a polícia, não importando se a questão se trata de uma ameaça à vida ou a uma briga típica entre vizinhos. Os policiais, por outro lado, esperam ter condições de atender as ocorrências sem a exigência de jornadas exageradas. "Para atender o máximo de chamados, as escalas de trabalho começam a ficar forçadas. Em vez de trabalhar as 44 horas, trabalha-se mais em um serviço desgastante, resultando em atendimentos ruins", diz o coronel Elizeu Ferraz Furquim, presidente da Amai.

Os mecanismos de administração estatal dificultam a reposição de policiais, na avaliação do presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Paraná (Adepol), Luiz Alberto Cartaxo Moura. A Lei de Responsabilidade Fiscal obriga os estados a não ultrapassarem o limite de 50% do orçamento com gastos em pessoal. Consequência: "O estado cumpre, mas precisa eleger prioridades. No intervalo, a tropa envelhece e se aposenta", argumenta Cartaxo. Além do concurso público, o treinamento para formar policiais é demorado. Em geral, da abertura do edital ao fim do treinamento, correm 12 meses.

Em nota enviada por e-mail, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) afirma realizar concursos públicos para preencher os cargos vagos nas duas polícias. "A Polícia Civil teve um aumento de efetivo este ano de 500 novos policiais e 16 delegados. A Polícia Mili­tar teve um aumento de efetivo de 1,5 mil novos PMs", diz a nota.

Responsável pela pasta da Segurança Pública até abril deste ano, o ex-secretário de Segurança Pública Luiz Fernando Delazari considera mais complexa a solução dos problemas de violência. "Aumento do contingente não é formula mágica. Nunca foi e nunca será", diz. Tropas bem pagas, com treinamento, armadas de forma eficiente, com capacidade de comunicação e com investimento em inteligência dão mais resultados do que o simples aumento no número de policiais, na avaliação de Delazari. "Na minha administração, entendo que cumpri adequadamente com isso. Nosso papel a gente fez, mas é evidente que os problemas de segurança pública existem no Brasil e no mundo. É muito difícil acabar com isso", diz.

Parte da verba da Sesp não foi usada em 2009

Com um orçamento de R$ 1,4 bi­­lhão, a Secretaria de Segurança do Paraná (Sesp) autorizou, em 2009, o uso de R$ 9,5 milhões no Fundo de Reequipamento da Polícia. No entanto, apesar de previsto, apenas R$ 7,5 milhões foram usados, conforme o TCE-PR. Em nota oficial, a Sesp explica que lançou licitações que não tiveram interessados, o que atrasou o uso da verba. "Outras (concorrências) não foram autorizadas pelo governador, outras vezes a autorização chega muito tarde e não há tempo hábil para realizar a licitação, que tem prazos legais para ocorrer", diz a nota oficial enviada pela secretaria. De acordo com a Sesp, o dinheiro não investido no ano passado não é perdido: pode ser aproveitado neste ano.

Presidente da Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares e dos Pensionistas (Amai), o coronel Elizeu Ferraz Furquim afirma que, em muitas ocasiões, sentiu interesse da Sesp em liberar os recursos, mas não houve o empenho. "Às vezes, não é de responsabilidade da secretaria. O tesouro do estado controla os recursos e manobra no entendimento do próprio gestor", avalia Furquim. Os equipamentos, segundo André Luiz Gutierrez, presidente do Sindicato das Classes Policiais Civis do Estado do Paraná (Sinclapol), não são um problema grave. "Chegamos a ter viaturas em excesso por falta de material humano", diz. Apesar de afirmar que, em geral, não é possível reclamar dos equipamentos disponibilizados, Gutierrez reconhece a falta de coletes à prova de bala na Polícia Civil.

A dificuldade de investimento, no entanto, expõe uma das razões para o não funcionamento da polícia: a burocracia. O estudo O Policia­­­mento que a Sociedade Deseja, realizado em 2003 pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, coloca a limitação administrativa como entrave. "A estrutura burocratizada impede a otimização dos recursos: em razão da grande burocracia, muitos policiais são alocados na administração da Polícia Militar, fora da atividade-fim", diz. A hierarquia das polícias também é apontada como problema: "A existência de várias instâncias intermediárias exige que uma ordem superior percorra um longo caminho até chegar aos encarregados."

Delegado da Polícia Federal e ex-secretário Antidrogas de Curitiba e deputado federal eleito para o mandato 2011-2014, Fernando Francischini não considera a burocracia responsável. Para ele, o planejamento precisa prever essas situações. "Qualquer grande empresa planeja o número de baixas por ano. Se forem ‘x’ baixas, terá de incorporar ‘y’ de pessoal", opina.

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