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Expulsar alunos das escolas e chamar a polícia é sinal de fracasso pedagógico. A opinião é do educador Miguel Arroyo, autor do livro Imagens Quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres, Ph.D. em Educação pela Scholl of Education da Universidade de Stanford e ex-professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Segundo o educador, está havendo uma campanha de difamação da infância e é necessária uma reação da sociedade. Na semana passada, Arroyo participou de um congresso de educação em Foz do Iguaçu promovido pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do Paraná (Undime) e concedeu entrevista à Gazeta do Povo.

Confira os principais trechos da conversa.

Os atos de vandalismo e furtos nas escolas públicas envolvendo crianças e adolescentes estão se tornando cada vez mais comuns. Na visão do senhor, qual é a explicação para esses problemas?

Em primeiro lugar, nem todas as crianças são "capetas". Temos que levar isso em conta. Há um perigo generalizado. É preciso ter muito cuidado. A sociedade, e sobretudo a mídia, pega um fato e generaliza para a toda a infância. Aliás, não é para toda a infância. É para a infância popular, para os pobres, para os negros e para aqueles que a sociedade marginaliza. Então temos de ter clareza para entender que por trás dessa "demonização" da infância há uma intenção. É nós, educadores, temos que ter muita lucidez para não entrar nessa campanha tão negativa contra a infância popular. E eu acho que os educadores que trabalham com os setores populares da escola pública têm que reagir contra isso.

Qual é o interesse que está por trás da campanha?

A intenção dessa idéia é salvar os adultos. Os verdadeiros violentos na sociedade atual não são as crianças. O senhor George Bush é muito mais violento do que todos os milhões de crianças do mundo. Temos que ter clareza, educadores e educadoras, sobre isso. Não nos deixemos enganar. Não podemos desviar a violência adulta, a violência das guerras e toda a violência que existe hoje do tráfico de drogas, nas mortes de cada fim de semana, onde as vítimas principais são crianças, adolescentes e jovens, parecendo que elas são réus. Se alguém não pode admitir isso somos nós educadores e educadoras do povo.

Qual seria postura correta diante desta situação?

A postura correta é nos tornarmos defensores da infância. Ao invés de sermos juízes, nos tornemos defensores.

Como poderíamos defender as crianças?

Mostrando à sociedade que essa infância é vítima e não ré. A culpada é a sociedade. São apenas os adultos que promovem a violência, mas não é só a violência da droga. É a violência da fome, da sobrevivência, a violência de colocar a criança e o adolescente sem outra alternativa para sobreviver, na droga.

Qual é o papel da mídia nesse contexto?

A mídia parece que hoje está gostando demais de violência, no mundo inteiro. Se você espreme alguns jornais e canais de televisão, 80% das notícias são de violência. E dessas, grande parte são notícias de violência na infância. Na maior parte dos programas de televisão, aos sábados e domingos, há brigas. Não são brigas como antigamente, são brigas entre marido e mulher, um chifrando o outro e são sempre de setores populares. Sempre as elites desse país tentaram passar a idéia de que o povo é um bando de preguiçosos, bêbados, degenerados. Contra isso temos que reagir violentamente.

E quanto à violência nas escolas, qual seria a maneira de combatê-la?

Você pode ter um menino que está na droga, na violência, mas pode ver que esse menino não está totalmente estragado. Esse adolescente tem sentimentos, emoção, generosidade. Às vezes ele entra na droga para levar comida para a mãe, para os irmãos. Temos que ver outras dimensões de suas trajetórias humanas que são positivas. Por exemplo, o fato dessas crianças continuarem indo à escola é positivo. Eles ainda acreditam que na escola podem encontrar compreensão, proteção, um futuro. E o que a escola pode fazer? Aproveitar esses brotos de humanidade e cultivá-los. Eu acho que é possível sim recuperar essa infância de uma sociedade tão perversa que a trata com tanta crueldade.

Mas há professores que alegam dificuldades para lidar com crianças e adolescentes problemáticos.

Uma escola que tem medo da infância é o último sinal da barbárie. Vamos ter que reagir a tudo isso e adotar uma postura pedagógica. Quando uma escola, um diretor e um colegiado resolvem expulsar crianças e até adolescentes e chamar a polícia é o atestado do fracasso pedagógico. O pior é que às vezes nem tentamos a recuperação pedagógica e dizemos: não damos conta. Então, vamos fechar as escolas e abrir academias de polícia. Eu acho que a escola ainda tem sentido com um projeto educativo para a infância. A palavra pedagogia, de origem grega, diz cuidar da infância, acompanhar a infância, acreditar na infância. Então acho que isso tem que ser a postura ao invés de chamar a polícia.

Em Foz do Iguaçu, há o caso de uma escola que nem acabou de ser construída e já está sendo depredada pelos alunos. O que poderia ser feito?

Isso pode acontecer. Na nossa casa, talvez nossos filhos risquem as paredes e nem por isso os condenamos. De qualquer maneira, isso nos deve fazer pensar alguma coisa. Por que essas instituições públicas não conseguem ser reconhecidas como do povo? Por que ainda são consideradas coisas dos outros e não nossas? Isso depende muito da forma como o estado se relaciona com o povo. Quando uma escola aparece muito mais como dádiva de um prefeito, um vereador, do que como uma conquista do povo, isso pode acontecer. Na realidade isso acontece porque o sistema escolar desse país ainda aparece como dádiva das barganhas políticas. Ainda não aparece como algo que o povo tem direito. Eu conheço muitas escolas dentro de favelas, onde os próprios moradores defendem sua escola. Mas há outros lugares onde atacam, picham, sujam a escola do vereador, do prefeito, da diretora, que não dialoga às vezes com essa comunidade. O melhor é dialogar com a comunidade. Fazer com que a comunidade assuma a escola como dela, mas para isso temos que ter uma escola mais democrática, um estado mais democrático, temos que acreditar no povo como partícipe das decisões políticas.

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