O pesquisador diletante que, à maneira da antropóloga Mirian Goldenberg, queira estudar a natureza do riso no Brasil, seus sorrisos e quetais, há de se deparar com estantes vazias. Esse não é o tema preferido de ensaístas em geral, ainda que como escreveu o filósofo e escritor Roberto Gomes no seu indispensável Crítica da razão tupiniquim o humor seja a nossa filosofia.
Como diz a própria Mirian, é provável que a relação lúdica do brasileiro com a vida tenha sido inibida pela emergência de temas que doem os calos da nação. Como pensar a piada e o chiste diante da exploração sexual de adolescentes, por exemplo, assunto que não tem nenhuma graça?
Mas o que se perde com esse pouco caso com os temas do cotidiano é flagrante. Equivale a descartar a fotografia em que aparecemos melhor, como se sair-se bem fosse um crime. Daí talvez, a ausência de estudos sobre a boemia, para citar mais um assunto da nau dos desprezados. Foi nos espaços noturnos que nasceu a música e a poesia, quando não o melhor dessas duas expressões. Mesmo assim, bares e boates e suas gentes com exceções, a exemplo do que promove o historiador Carlos Antunes dos Santos, da UFPR permanecem à margem da história, da sociologia e da antropologia.
O que não se pode dizer é que há de ser sempre assim. O Brasil avança nos estudos de vida privada, no biografismo e na atenção a assuntos ditos do segundo escalão. E o humor, afinal, anda em alta. Enquanto se espera a publicação de Corpo, envelhecimento e felicidade, título provisório da nova pesquisa de Mirian Goldenberg, pode-se recorrer a obras como Raízes do riso a representação humorística na história brasileira: da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio, do historiador Elias Thomé Saliba, da USP.
O livro é um achado. Saliba, que era conhecido pelo delicioso ensaio A dimensão cômica da vida privada na República, publicado em coletânea, vai mais longe em Raízes. Com graça, claro, tira do limbo da História Cultural programas de rádio e o teatro de revista, entre outras peripécias usadas pelos brasileiros de antanho para mostrar como viam o mundo. E que mundo: findava o Império, nascia meio torta a República, marchava Getúlio até o Catete, fechava-se por decreto o Cassino da Urca, sequestrando até a alegria do palhaço. Quem conseguiu rir em meio a tudo isso tinha um parafuso a menos. Ou a mais.
A "bola" de que as capacidades histriônicas brazucas ultrapassavam a mera macaquice já tinha sido cantada anteriormente por outra pesquisadora Monica Pimenta Velloso, no revelador Modernismo no Rio de Janeiro, publicado em 1996 pela Fundação Getúlio Vargas. A "modernidade carioca", como prova ela, começou muito antes da paulista, eternizada na Semana de 22. E pintou e bordou nas revistas e nas caricaturas, via de regra, fadadas ao rodapé da história. Que dó.
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