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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Perfil

Embora a maior parte dos homens do Projeto Caminhos, de Londrina, tivesse de 25 a 35 anos, o projeto chegou a receber um integrante com mais de 70. Os perfis são variados: de pedreiros a empresários, e das mais variadas faixas de renda. Porém, quem trabalha na área diz que as famílias de renda mais alta recorrem antes a planos de saúde, psicólogos e psiquiatras.

Mudanças

"Hoje minha filha é minha melhor amiga"

R.M, 56 anos, e E.G, 37, participaram de todas as sessões do grupo reflexivo ofertado em Londrina, onde a iniciativa ganhou o nome de Projeto Caminhos. Os atendimentos não trouxeram o retorno com as antigas companheiras, mas provocaram mudanças na percepção de mundo dos dois. R.M ficou detido por quatro meses e 23 dias após agredir fisicamente a filha e verbalmente a esposa, com quem era casado há 28 anos. No Caminhos, ele encontrou um espaço onde se sentiu à vontade para partilhar sua vivência. "Eles deixam você falar, fazem perguntas, você tem o direito de se expor. É muito bom", avalia.

A violência doméstica – segundo ele, provocada especialmente pelo consumo de álcool – cessou. R.M ainda mora na residência com a família, mas não mantém o relacionamento amoroso com a esposa. Ele conta que o projeto motivou reatar o laço afetivo com a filha. "Hoje, ela é minha melhor amiga."

E.G foi acusado de cometer violência doméstica contra a ex-esposa, com quem tem dois filhos e ficou casado por 14 anos. "Eu acho que era muito machista, a gente trabalhou essas coisas no grupo e eu mudei bastante", diz.

A jornalista Elisiê Peixoto, de Londrina, entrevistou cerca de 40 participantes do projeto. Vários disseram sentir falta dos encontros. Alguns pediram para que o grupo tivesse continuidade e outros sugeriram um módulo direcionado a casais. Os depoimentos serão compilados no livro Passo a passo – homens resilientes, que Elisiê lançará em 30 de março pela Editora da Universidade Estadual de Londrina.

Segundo a psicóloga Renata Maciel de Freitas, ex-coordenadora do Projeto Caminhos, os participantes passaram a buscar formas de resolução dos conflitos sem o uso da violência. Embora os resultados positivos sejam inegáveis, o desembargador Marcelo Anátocles ressalta que os atendimentos não podem ser vistos como solução para todos os casos. "Alguns homens tiveram de participar novamente do grupo [em São Gonçalo]. Em outro caso, descobrimos que o autor de violência era um psicopata e advertimos o juiz", alerta.

"Eu fiquei preso por quatro meses e 23 dias. Durante uma briga eu agredi verbalmente a minha esposa e fisicamente a minha filha." Aos 56 anos, R.M é um dos 97 homens que participaram, entre 2013 e 2014, de um grupo de reflexão em Londrina, no Norte do Paraná, voltado a autores de violência doméstica punidos pela Lei Maria da Penha. Entre os participantes, muitos nem sabiam que estavam sendo agressivos e encaravam as atitudes como normais, o que reforça a tese de que "assim como elas necessitam de apoio para deixar de apanhar, eles precisam de ajuda para parar de bater".

Embora desde 2006 a Lei Maria da Penha determine a criação de centros de educação e reabilitação para os agressores, as medidas nesse sentido sempre foram pontuais, mantidas por iniciativa de poucos municípios e por curtos períodos. A esperança é que a situação mude a partir do ano que vem, com a implantação do Projeto Basta, desenvolvido pelo Patronato Central do Paraná com financiamento da Secretaria Estadual da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju) e da Secretaria Estadual da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti).

A iniciativa será desenvolvida por meio dos Patronatos Municipais em ao menos 15 cidades: Apucarana, Campo Mourão, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão, Guarapuava, Irati, Jacarezinho, Londrina, Maringá, Paranaguá, Paranavaí, Pitanga, Ponta Grossa, Toledo e Pontal do Paraná.

O Projeto Basta foi inspirado na experiência londrinense, que por sua vez teve como "guia" um programa tido como modelo na área, desenvolvido desde 1999 em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O desembargador Marcelo Anátocles, do Tribunal de Justiça do Rio, foi um dos primeiros a criar grupos de reflexão para homens que haviam agredido suas mulheres. Na época juiz titular do Juizado Especial Criminal de São Gonçalo, vara que atendia os casos de violência doméstica do município, ele sentiu na pele a resistência de membros da sociedade e do Judiciário ao investimento de esforços no atendimento aos homens.

Ciclo

Se normalmente o réu de um crime nega a prática, a situação é outra quando se trata dos casos da Lei Maria da Penha. Segundo Anátocles, o homem na maioria das vezes admite a conduta, porque ela é aceita culturalmente. O desembargador explica que o objetivo dos grupos é resolver o problema que está por trás do crime, a naturalização da violência contra a mulher. "Quando o processo judicial é aberto, o homem pode romper o relacionamento com aquela mulher, mas não interrompe a violência contra outras parceiras. É preciso mexer com a subjetividade daquele homem", avalia.

A psicóloga Renata Maciel de Freitas, que coordenou os grupos em Londrina, afirma que os homens encaminhados ao programa apresentavam características machistas e usavam a violência como forma de frear um comportamento da mulher considerado inadequado. "Nos grupos nós discutíamos os papeis femininos e masculinos construídos socialmente e que, às vezes, autorizam a violência como forma de correção", explica.

Os agressores eram acompanhados durante quatro meses. O projeto funcionou entre fevereiro de 2013 e fevereiro de 2014. Durante esse período, houve apenas um caso de reincidência.

Atendimentos serão ofertados em parceria com universidades

O Projeto Basta integra uma iniciativa maior, o Programa Patronato, criado pela Seju, em agosto de 2013, para acompanhar o cumprimento de medidas alternativas e de penas em meio aberto. Os atendimentos a homens autores de violência doméstica serão ofertados a partir de parcerias com universidades estaduais, de onde virão equipes multidisciplinares compostas por estudantes, professores e profissionais recém-formados em Direito, Serviço Social, Psicologia, Pedagogia e Administração.

As equipes já foram selecionadas por meio de edital e em alguns municípios estão em processo de capacitação. O dinheiro para a contratação dos estagiários e profissionais virá do Programa Universidade sem Fronteiras. Segundo a Seju, os homens autores de violência serão inseridos em grupos de até 15 integrantes e participarão de 12 encontros, cada um com cerca de duas horas de duração. "Em Londrina estamos acabando capacitação da equipe em dezembro, para começar os grupos em 2015. Em Guarapuava, Jacarezinho e Foz, os homens já começaram a ser atendidos", afirma Iris Miriam do Nascimento, coordenadora do Patronato Central do Paraná.

De acordo com a atual legislação, o homem que comete agressão contra a mulher pode ser preso em flagrante ou preventivamente, para garantir a integridade física da vítima. O juiz também tem autoridade para aplicar imediatamente uma série de medidas protetivas contra o agressor, como o afastamento do lar e dos filhos. De acordo com Iris, é o Poder Judiciário que determinará quais homens serão encaminhados aos grupos reflexivos. A participação pode ocorrer, por exemplo, como alternativa à prisão ou como complemento às medidas protetivas.

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