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Arrasada por deslizamentos de terra em 2008, a cidade catarinense de Ilhota aguarda até hoje pela construção de casas populares: apenas 6 de 42 foram entregues | Rodolfo Bührer/arquivo/ Gazeta do Povo
Arrasada por deslizamentos de terra em 2008, a cidade catarinense de Ilhota aguarda até hoje pela construção de casas populares: apenas 6 de 42 foram entregues| Foto: Rodolfo Bührer/arquivo/ Gazeta do Povo

Santa Catarina

Controladoria investiga desperdício

Em Ilhota, uma das cidades mais atingidas pela tragédia no Vale do Itajaí (SC), em 2008, apenas seis das 42 casas que deveriam ter sido construídas foram entregues, segundo denúncia da Associação dos Atingidos da Região dos Baús (Adarb). Desde a tragédia até o fim do ano passado, a cidade decretou oito vezes situação de emergência, quinto maior índice entre todas as cidades do país.

As duas principais pontes da cidade, reconstruídas em 2010 ao custo de R$ 750 mil, tiveram de ser reconstruídas um ano depois. A mesma empreiteira voltou a campo e cobrou, dessa vez, R$ 1,5 milhão pelo serviço. O caso é investigado pela Controladoria-Geral da União (CGU).

"O que me incomoda é que, em cima da nossa dor, da nossa tragédia, se faz política, se faz promessa e se deixa o povo à míngua. Mais de três anos depois, continuar esperando as famílias saírem de áreas de risco para ganhar uma casa de 36 metros quadrados, é fazer pouco caso do povo", desabafa a presidente da Adarb, Tatiana Reichart, que perdeu 14 familiares na tragédia.

Os moradores suspeitam de direcionamento de licitações e combinação de preços entre as participantes. A construção de várias pontes destruídas pelas enchentes é motivo de desconfiança. Duas delas, no caminho para o Alto Baú, que fazem ligação com as outras comunidades do complexo e com o centro de Ilhota, foram reconstruídas e, na primeira enxurrada, arrastadas pela correnteza. Cada ponte custou cerca de R$ 790 mil. "Faltou qualidade ao projeto, no material e na execução. Simplesmente as cabeceiras ruíram", diz Tatiana.

Na prefeitura de Ilhota, a informação é de quem falaria sobre o assunto seria o coordenador da Defesa Civil, Paulo Drum, mas ele não atendeu às ligações.

Agência O Globo

Em permanente estado de emergência

Levantamento realizado a partir de dados do Ministério da Integração mostra que 55 cidades tiveram mais de seis decretos reconhecidos pela União nos últimos quatro anos. Do total, 52 estão em Santa Catarina e três no Rio Grande do Sul. O ápice se deu em 2010, quando 266 cidades, 90% do total de municípios catarinenses (295), decretaram emergência. O volume é 3,5 vezes maior que o registrado em 2008 (77), ano em que o estado vivenciou a maior tragédia climática de sua história, com enchentes que mataram 135 pessoas.

Se a indústria da seca fez história no Nordeste, hoje é a indústria das chuvas que virou fenômeno no Sul do país. Prefeitos aproveitam a ineficiência da fiscalização dos órgãos de controle para superestimar danos, receber mais recursos e abusar de compras e obras sem licitação para desviar dinheiro público.

Levantamento feito pela reportagem localizou notas fiscais forjadas para justificar compras de materiais de construção nunca entregues, obras refeitas duas vezes em menos de dois anos, casas que nunca ficam prontas e pedido para construção de pontes que já existiam, além de denúncias de direcionamento de contratos e pagamentos por serviços não executados.

Para a indústria das chuvas entrar em ação, o primeiro passo é decretar emergência ou estado de calamidade, o que permite dispensa de licitação. Nos últimos quatro anos, municípios de duas das 27 unidades da federação – Santa Catarina e Rio Grande do Sul – responderam por quase metade (45%) das declarações em todo o país.

No Ministério da Integração, apenas seis funcionários cuidam da aprovação dos decretos, sem verificar in loco os danos alegados nos relatórios. "O prefeito decretou situação de emergência, a ‘porta da esperança’ está aberta para a licitude", admite o vice-prefeito de Barra Velha (SC), Claudemir Matias Francisco, que assumiu o lugar do prefeito anterior, Samir Mattar, afastado por suspeita de falsa comunicação de desastres para realização de compras fraudulentas e desvio de verba pública.

Quando Barra Velha recebeu R$ 249 mil da União para recuperar vias alagadas em 2008, Mattar foi acusado de cobrar R$ 20 mil de propina da empresa escolhida para ser contratada, segundo a Polícia Federal. Um ano depois, decretou situação de emergência por causa de um vendaval e recebeu R$ 609 mil. Parte das compras realizadas com o dinheiro nunca foi entregue.

Diante de novos deslizamentos, a cidade apresentou ao governo federal orçamento de R$ 950 mil. Mas, segundo levantamento anterior da prefeitura, o custo real era de R$ 83 mil. Em janeiro de 2010, novo decreto foi publicado e o município pediu mais R$ 1 milhão para construir uma ponte que já existia. A PF conseguiu impedir o repasse. "Hoje a comunicação de decreto e pedido de verba é on-line. O ministério avalia o pedido, o orçamento, mas fez isso a distância. Notícias falsas nem sempre são detectadas e, por isso, eles ficam reféns da má-fé de alguns gestores", diz o delegado federal Alessandro Netto Vieira, responsável pela investigação.

Especialistas lembram que a decisão de decretar ou não emergência é mais complexa do que a análise de eventos climáticos — fatores devem ser considerados, como característica de bacia hidrográfica, drenagem de águas pluviais e estrutura das cidades.

No ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) instaurou nove processos para avaliar a execução das obras de resposta a desastres apenas no Rio Grande do Sul. Os processos não foram concluídos, porém auditores ouvidos pela reportagem atestam a existência de casos nos quais o dinheiro para recuperação foi parar em obras que o município já demandava bem antes de se abater a calamidade.

Em auditoria realizada em 2010 na Secretaria Nacional de Defesa Civil, técnicos do TCU alertaram para a fragilidade da fiscalização das obras de reconstrução, criticando a falta de projetos para a execução de obras e a inexistência de clareza sobre a responsabilidade de União, estados e municípios.

Não há estrutura para checar a veracidade das informações, diz União

O secretário nacional de Defesa Civil, Humberto de Azevedo Viana Filho, admite não ter estrutura suficiente para visitar municípios, mas diz apostar no fortalecimento da rede de técnicos e agentes para melhorar a aplicação dos recursos. E diz que prefeitos que relatam informações falsas podem ser responsabilizados. "É preciso melhorar? É claro. A máquina pública tem deficiência de pessoal, na Defesa Civil não é diferente. Mas se você pergunta se estamos dando conta do recado, sem apenas confiar no que diz o município, respondo que sim. Devem ocorrer falhas, até no seu jornal ocorrem falhas. Mas estamos atuando", afirma o secretário, que atribui o grande número de decretos na Região Sul a mudanças climáticas e a uma "cultura um pouco mais apurada na hora de pedir ajuda" de gestores da região.

Ex-coordenador de Defesa Civil em Santa Catarina e professor do Centro Universitário de São José, o major Murilo de Melo sugere que o governo federal crie condicionantes em contratos com municípios. Um deles seria a formação de Defesa Civil Municipal organizada.

"A maioria só existe para se reunir e declarar situação de emergência. Mesmo com maior incidência de desastres, os decretos viraram banalidade e o governo federal não tem como confrontar informações. Como saber se aqueles citados como desabrigadas existem? Se o número de pontes destruídas é real?", pergunta o especialista.

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