• Carregando...

“No dia 29 pela manhã, eu já estava há quase dois dias sem dormir. Os helicópteros começaram a dar rasantes sobre o acampamento, levantando poeira e as barracas. Quando o caminhão de som avisou que estavam começando a votar o projeto do ParanaPrevidência houve muita confusão. Começou a vir pancada de tudo quanto é lado. Coloquei a mão no rosto e nisso veio um cassetete no meu braço, que acabou quebrando meu dedo. Por sorte tinha amarrado papelão como uma ‘armadura’ na perna. Mas não adiantou: senti muita dor e saí correndo. Quando cheguei no bosque da praça fiquei tentando apagar o fogo das bombas que caíam nas barracas. Os policiais corriam e parecia um videogame de guerra. Absurdo. Caí, inconsciente. Acordei perto de uma parede e só lembro de um menino de olhos verdes que estavam vermelhos de fumaça. Ele chorava e me arrastava. Mesmo machucada, fui ajudar outras pessoas no acampamento. Minha vida mudou muito depois disso. Eu ando com medo. Sinto cheiro de gás, de pólvora estourando. E com qualquer barulho eu fico pensando ‘meu Deus, é aqui? Não é?’. Fui três vezes no posto de saúde 24h do Boa Vista e fiquei quatro horas esperando. Meu dedo ficou uns cinco dias inchado até colocarem a tala. Sou do PSS, não tenho sistema de saúde e vou ter que ir num hospital particular. Não sei como vou pagar, porque ainda não recebi salário este ano. Ainda estou me recuperando dos fungos no pé do primeiro acampamento da greve, lá em fevereiro.”

Rafaelin Poli, professora de artes nos colégios estaduais Maria Teixeira Braga e Ivanete Martins de Souza, em Piraquara.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]