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Fernando Martins

Projeto de país oculto nas cédulas de real

Os brasileiros que vendem, compram, poupam ou investem talvez nem se lembrem. Ou não saibam. Mas os reais com o quais movimentam suas finanças são carregados de compromissos simbólicos da nação consigo mesma. Ideais estampados nas cédulas que, com a exceção daquele de caráter econômico, ficaram esquecidos no aniversário de 18 anos da moeda, no último dia 1.º.

A moeda nacional foi batizada de real como uma aposta de que o valor do trabalho tinha de corresponder à realidade. Ou seja, de que o suor despendido para ganhar o pão tivesse um valor real, que não fosse corroído pela hiperinflação. A promessa de batismo o real cumpriu. Mas há outros compromissos simbólicos impressos nas cédulas cuja execução o Brasil e suas autoridades deixam a desejar.

Toda nota de real traz em sua face a efígie de Marianne. O termo possivelmente é resultante da contração de Marie e Anne – dois nomes comuns entre as mulheres na França do século 18, época da nascente primeira República da era moderna. A imagem da Marianne francesa se espalhou pelo mundo como símbolo do povo e do republicanismo. A dama do real, portanto, sugere fortemente ao país a noção de res publica. Ela lembra que o país deve perseguir o ideal de construir uma sociedade centrada no povo.

E mais: Marianne invadiu as cédulas de real e destronou os antigos heróis nacionais – a maioria dos quais representantes de oligarquias. O país deixou, assim, a tradição de olhar ao passado e homenagear nas notas seus vultos históricos; estes tiveram de se contentar em estar nas menos valorosas moedas de centavos. O recado é claro: o povo é mais importante que seus dirigentes.

Mas o país idealizado nas estampas do real tampouco entronizou o ideal de uma República radical – parte expressiva daqueles revolucionários franceses do século 18, por exemplo, pretendia extirpar a religião da esfera pública. O republicanismo brasileiro proposto nas cédulas sutilmente admite a religiosidade ao gravar em cada cédula, ainda que em letras diminutas, a frase "Deus seja louvado".

Não se pode esquecer ainda do verso das notas de real. Lá estão exemplares da fauna brasileira. Simbolizam o valor que o país dá (ou deveria dar) à natureza. Mas alguns dos animais estampados – como o mico-leão-dourado, a tartaruga-marinha, a arara e a onça – estão hoje ameaçados de extinção. Sintoma de que o compromisso de preservar o meio ambiente ainda não é cumprido.

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