Ainda abalada com a tragédia causada pelas cheias, a população de Santa Catarina convive agora com uma polêmica proposta de mudanças da legislação ambiental. O Executivo estadual pretende unificar todas as leis que tratam do assunto em um código ambiental. No entanto, ambientalistas catarinenses criticam vários pontos do projeto e o consideram inconstitucional.
A secretária executiva do Comitê de Bacias do Rio Itajaí, Beate Frank, disse que a idéia de criação do código ambiental é positiva, mas ressaltou que vários itens da proposta ferem a legislação nacional. Um exemplo citado pela ambientalista é a proposta de redução de 30 para 10 metros da distância mínima de mata ciliar para cursos d'água e para rios com largura inferior ou igual a 10 metros.
"A intenção da criação do código é positiva, porque a legislação ambiental é muito fragmentada e dispersa. Existem muitas leis tratando de muitas coisas. A reunião disso tudo em um único instrumento legal facilita tanto a gestão quanto o ensino e a orientação. A idéia é muito boa, mas é muito difícil de ser praticada", argumentou Beate.
Segundo ela, o impacto da redução das áreas de preservação permanentes e da mata ciliar é muito sério. "Talvez a melhor forma de explicar o impacto que isso significa seja mostrar as recentes imagens da catástrofe ocorrida aqui em Santa Catarina. Muitos dos deslizamentos, as estradas caindo, as margens de rios cedendo, as enxurradas que arrastaram casas, automóveis e animais são mostras de que a não-observância dessas áreas de preservação permanentes gera impactos econômicos e sociais altíssimos."
Para o presidente da Fundação de Meio Ambiente de Santa Catarina, Carlos Leomar Kreuz, é uma injustiça atrelar o problema das enchentes às ações do estado em termos ambientais. Segundo ele, a discussão do código ambiental é anterior ao fenômeno.
"Santa Catarina tem 41% de cobertura com mata nativa. Qual é o estado no Brasil, além dos amazônicos, com essa situação? Santa Catarina é um exemplo de preservação. O que aconteceu é uma conseqüência dos fenômenos climáticos globais", afirmou.
Beate Frank criticou também a forma como o projeto foi elaborado. Existem tentativas semelhantes em âmbito nacional há muito tempo e não se consegue avançar. E aqui em Santa Catarina se fez isso de forma bastante rápida, sob pressão, e depois que o órgão ambiental, por meio de consultorias, conseguiu chegar a um documento, não discutido publicamente, a proposta foi encaminha ao governo do estado em março do ano passado.
No entanto, Kreuz sustenta que o projeto foi discutido em várias ocasiões com a sociedade civil e já conta com 300 emendas. "Só na Assembléia [Legislativa] foram cerca de 10 audiências públicas. Algumas questões têm que ser discutidas, mas lá é o espaço democrático para isso, e as coisas estão sendo discutidas."
De acordo com Beate, o Executivo demorou cinco meses para enviar a proposta ao Legislativo. "E, quando foi enviado à assembléia, o projeto chegou com mudanças, muitas delas inconstitucionais. Nesse conjunto de alterações, constatou-se que elas não eram de forma, mas também de conteúdo, incluindo uma lista de aspectos inconstitucionais."
Kreuz admitiu que o projeto realmente sofreu alguns "ajustes polítcos", após ser entregue ao governo para atender "demandas do setor produtivo", mas não acredita que as mudanças possam colocar em risco a preservação da região.
"Santa Catarina é um estado diferente, quase 90% do território é ocupado por pequenas propriedades. Se nós cobrarmos o cumprimento do código federal, inviabilizamos essas propriedades Em cima disso é que foram feitos os ajustes. O estado precisa de um tratamento diferenciado no que diz respeito ao tratamento do solo", justificou.
Além da diminuição das áreas de mata ciliar, Beate Frank diz que o novo código ambiental proposto pelo governo de Santa Catarina prevê uma compensação ambiental e a imposição de um prazo mínimo para expedição das licenças ambientais.
No caso da compensação, a falha, segundo a ambientalista, está no fato de o projeto prever que os recursos serão destinados a outros setores, e não ao ambiental. "Outro assunto muito sério é que o órgão ambiental de Santa Catarina vem sendo sucateado, com um número muito pequeno de servidores. Para contornar isso, [o projeto] diz que, se o pedido de licença não for respondido em dois meses, automaticamente a licença será concedida."
Para ela, isso significa praticamente a instalação de um regime de ditadura. "Significa eliminar o órgão ambiental, partindo do pressuposto de que tudo pode funcionar sem ele."
Beate Franck informou que, para evitar que o projeto seja aprovado e implementado da forma com está, o Comitê de Bacias do Rio Itajaí, ao lado das ambientalistas do estado, lançou o Movimento por um Código Ambiental Legal. A iniciativa apóia a implantação do código, desde que esteja de acordo com a legislação nacional e promova a justiça social.
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