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Ciudad del Este, o maior centro de comércio popular da América Latina: compras isentas de tributação só até US$ 300 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Ciudad del Este, o maior centro de comércio popular da América Latina: compras isentas de tributação só até US$ 300| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Sobrevivente não quer voltar ao Paraguai

Clique aqui e leia o relato de um sacoleiro que sobreviveu ao acidente na BR-277 que matou 14 pessoas no mês passado.

O que e como importar

É comum para os brasileiros atravessar a Ponte da Amizade e comprar mercadorias mais baratas em Ciudad del Este, no Paraguai. O documento de identidade do sacoleiro é registrado na aduana e uma nova entrada no país só pode ocorrer após 30 dias

Pode

Trazer produtos que totalizem até US$ 300 (o equivalente a R$ 615, dependendo do câmbio).

Trazer até 10 unidades de um produto que custe mais de US$ 5 ou até 20 unidades de um produto com preço inferior a US$ 5.

Trazer até 12 litros de bebidas por pessoa.

Trazer até 10 carteiras de cigarro por pessoa.

Não pode

Importar produtos proibidos, como armas, munições, cigarro para revenda e medicamentos não autorizados pela Anvisa.

Trazer produtos em quantidade que caracterize revenda.

Comprar mercadorias que excedam a cota de US$ 300, o que só pode ser feito mediante o pagamento de tributação de 50% sobre o excedente.

Destino das apreensões

A Receita Federal tem três destinos para as apreensões: doação a entidades cadastradas, destruição em locais licenciados (como os aterros) e leilões de bens.

"Profissão"

Atividade de sacoleiro existe há pelo menos 30 anos

A trajetória dos sacoleiros teve início na década de 80. O diretor do Centro Empresarial Brasil-Paraguai (Braspar), Wágner Enis Weber – autor de quatro livros sobre as relações comerciais entre os dois países –, conta que em 1982 o Brasil adotou políticas restritivas de importação e emprestou dinheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI) para amenizar a crise econômica. O Paraguai, ao contrário, não contraiu dívida externa e manteve sua economia equilibrada.

No decorrer dos anos 80, quando os computadores pessoais começaram a se popularizar, o Paraguai, que vendia eletrônicos mais baratos devido à baixa carga tributária, tornou-se, conforme Weber, "a solução para os brasileiros que queriam consumir as novidades tecnológicas e, ao mesmo tempo, aos desempregados que precisavam de uma colocação, mesmo que no mercado informal".

Movimentação

Embora na década atual alguns fatores tenham contribuído para a queda na demanda de brasileiros pelo comércio paraguaio, como as oscilações do dólar, o aumento na fiscalização e o próprio aquecimento do mercado interno, a Receita Federal em Foz do Iguaçu trabalha com a estimativa de que 13,6 milhões de pessoas entrem no Brasil pela Ponte da Amizade e que, destes, cerca de 70% voltem com mercadorias compradas em Ciudad del Este, ou seja, 9,5 milhões de pessoas.

Pelos números do Ministério do Turismo, em 2010, 132,1 mil brasileiros viajaram ao Paraguai. O número é 16% inferior ao registrado em 2009, quando 156,8 mil brasileiros cruzaram a fronteira. Todo esse contingente estimado de 9,5 milhões de sacoleiros movimenta, conforme Weber, perto de US$ 5 bilhões por ano.

"Formiguinha"

A cifra parece grandiosa, mas o professor de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Denian Castro lembra que os sacoleiros são apenas a "ponta do iceberg" do descaminho e do contrabando no Brasil. "Tem muitas empresas instaladas no Brasil que operam com grandes valores e com menos riscos, ao contrário dos sacoleiros, que fazem um contrabando ‘formiguinha’ e movimentam pouco", considera. Weber calcula que a importação feita pelos sacoleiros não representa nem 5% do total importado irregularmente no Brasil.

Castro acredita que o comércio ilegal dos sacoleiros vai continuar "enquanto o país não conseguir fazer um mercado de trabalho decente". O grande atrativo ao brasileiro – o preço baixo do produto paraguaio – deve permanecer. "A tributação paraguaia é muito baixa. O Paraguai não tem dívida pública, não tem uma previdência como a nossa, e, além disso, nós arrecadamos quase 36% sobre o PIB (Produto Interno Bruto) e o Paraguai não chega a 8%", lembra Weber.

"Vamos pedir proteção contra acidentes, assaltos e fiscalização." A invocação, feita antes da oração do Pai-Nosso, na partida de um ônibus fretado em Ponta Grossa com destino ao Paraguai, revela os três principais medos dos sacoleiros que viajam diariamente para o maior centro popular de comércio da América Latina. A atividade é proibida aos olhos da Receita Federal e repleta de riscos e incertezas, mas atrai todo ano cerca de 9,5 milhões de pessoas que movimentam perto de US$ 5 bilhões.

VÍDEO: Sacoleiros enfrentam rotina de sacrifício e medo no Paraguai

A reportagem acompanhou a excursão por 29 horas, em trajeto de 292 quilômetros. A viagem aconteceu 17 dias depois do acidente que matou 14 sacoleiros dos Campos Gerais que iam às compras no Paraguai no dia 12 de junho.

O medo de acidentes foi lembrado por Clarice Marques, que foi pela primeira vez a Ciudad del Este em busca de uma alternativa para complementar a renda da família, formada por fumicultores. "Não dormi na viagem de medo de o ônibus bater. Dá uma sensação ruim, porque deixei a minha casa, com meus filhos e meu marido chorando porque não queriam que eu viesse", afirma.

Quem não compra, mas está envolvido na excursão, também tem receios. O motorista Cristiano Kanzlr foi vítima de assalto no ano passado quando levava uma excursão para São Paulo. "Eles chegam atirando na lataria e você é obrigado a parar", afirma. A maioria dos sacoleiros viaja desprotegida, embora muitas empresas contratem batedores armados, nem sempre regularizados. "Eu conto com a proteção de Jesus", comenta Kanzlr.

"Laranjas"

A fiscalização é outro grande receio pelo risco da perda da mercadoria e pelas horas a mais que o sacoleiro pode perder na viagem. Como a cota de isenção tributária é de US$ 300, muitos sacoleiros profissionais levam "laranjas", pessoas que viajam junto para que o comprador possa gastar o equivalente a duas cotas. O "laranja" tem a passagem paga por quem o contratou e ainda pode trazer algumas encomendas. Mesmo estando dentro da cota, no entanto, o risco de prejuízo existe, já que a Receita Federal não deixa passar mercadorias cuja quantidade caracterize revenda.

Outro "inimigo" a enfrentar é o cansaço. Depois de longas horas de viagem, o tempo é curto e é preciso andar muito pelas lojas para escolher as melhores mercadorias. Quem quer economizar e não desembolsar R$ 10 para os carregadores tem de levar tudo nos ombros até o ônibus de origem, que fica estacionado a algumas quadras das lojas, no chamado "chiqueirinho", que ganhou o nome devido à falta de limpeza do local.

Por causa da falta de fiscalização sanitária nos restaurantes, outro problema para o sacoleiro é fazer as andanças de estômago vazio. Nas excursões organizadas por Maria Dirce Souza Panizon, os passageiros são orientados a esperar pelo jantar no retorno a Ponta Grossa.

Depois da chegada, os sacoleiros ainda enfrentam mais um percalço: o calote de clientes. Janete Novaki é sacoleira há quatro anos e diz que as dívidas somam "um carro zero". "Eu sei que não vou receber", conforma-se. A sacoleira Jussara Becker, que conseguiu aumentar a renda mensal em 10% com a importação, afirma já ter recebido até ameaças de clientes que não querem pagar a dívida.

Mesmo assim, quem é sacoleiro não desiste da atividade. A iniciante Ângela Cristina Verneck conta que os perigos não vão fazê-la deixar a atividade. "Era isso que eu esperava e pretendo continuar", afirma.

R$ 331,7 mi em produtos foram retidos em 2011

A fiscalização de sacoleiros é concentrada na aduana brasileira, próximo à Ponte da Amizade, e na BR-277, que é a rota principal de quem volta do país vizinho. Porém, a Receita Federal (RF) diz estar atenta a rodovias secundárias, que não têm postos policiais.

Em todo o ano passado, a RF no Paraná apreendeu o equivalente a R$ 331,7 milhões em mercadorias que são fruto de descaminho (importação ilegal de produtos permitidos, como brinquedos) e contrabando (importação de produtos proibidos, como medicamentos). Já neste ano, somente no primeiro semestre, as apreensões somam R$ 214,5 milhões.

A fiscalização na aduana é feita por amostragem. Quando um veículo, seja carro de passeio, van ou ônibus fretado por sacoleiros, cai no pentefino dos fiscais, todas as mercadorias são revistadas. Quem passar da cota paga imposto de 50% sobre o valor excedente ou perde a mercadoria que extrapolou a cota. Se a fiscalização ocorrer fora da aduana, em posto policial, por exemplo, a Receita declara "pena de perdimento", ou seja, apreende 100% da mercadoria, caso se caracterize a intenção de revenda dos importados.

O responsável pelo transporte é penalizado com a perda do veículo. Como as sacolas são identificadas com o nome dos proprietários, quem está regularizado, em tese, não perde o que comprou. "Nós sempre orientamos que a fiscalização seja individualizada", lembra o delegado da RF em Ponta Grossa, Gustavo Luís Horn.

Uma sacoleira, que não quis ser identificada, conta que em certa ocasião, até o relógio de uso pessoal, que estava dentro de sua bolsa, foi apreendido pelos fiscais na aduana. Mesmo no ponto de revenda, o importado é passível de apreensão.

Desde fevereiro está em vigor a Lei dos Sacoleiros, com a criação do Regime Tributário Único (RTU), em que a mercadoria entra no país pagando uma alíquota única, de 25%. Porém, por enquanto, a adesão ainda é baixa.

14 sacoleiros morreram em um acidente na BR-277, no dia 12 de junho, depois que a van em que viajavam bateu em um caminhão.

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Vida e Cidadania | 2:10

Acidentes, assaltos e apreensão de mercadorias são apenas alguns dos riscos encarados por milhares de brasileiros que compram mercadorias no Paraguai para revender no Brasil. Mesmo proibido, o comércio informal movimenta cerca de US$ 5 bi por ano no Brasil.

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