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Embriaguez

Decisão livrou motoqueiro de júri popular

Na semana passada um caso envolvendo embriaguez no trânsito ganhou repercussão no Paraná por ser muito parecido com o processo do ex-deputado Luiz Fernando Ribas Carli Filho, mas no qual uma interpretação distinta do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) livrou o réu do júri popular. O caso envolve um motoqueiro embriagado e sem carteira de habilitação que atropelou uma mulher em março de 2008 em Cerro Azul, na Grande Curitiba. A vítima acabou morrendo, mas não havia excesso de velocidade.

Os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do TJ-PR (a mesma que optou por levar Carli Filho a júri popular) tomaram a decisão por concluírem não se tratar de dolo eventual, e sim culpa consciente.

A diferença, segundo o TJ-PR, é que nos casos de dolo eventual o condutor assume o risco de produzir o resultado lesivo. Já nos casos de culpa consciente o motorista, embora consciente do risco, espera poder evitar o resultado lesivo ou confia na sua não ocorrência. Nesse processo, a ausência do excesso de velocidade foi o fator determinante.

Segundo o juiz Fernando de Moraes, o dolo eventual é uma forma encontrada pelo direito de punir mais gravemente quando há uma composição de fatores notoriamente mais abusivos.

Depois de quase três anos em vigor, e com resultados positivos na diminuição de acidentes, a Lei 11.705/08, conhecida como Lei Seca, volta a estar sob os holofotes, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), desta vez em uma discussão que procura torná-la mais eficaz na punição de infratores. A dificuldade em obter evidências técnicas (teste do bafômetro ou exame de sangue) sem ferir o princípio de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo, tem levado juristas a defender um retorno ao texto anterior da lei e pressionado os magistrados por uma nova interpretação.As sessões realizadas nos dias 8 e 29 de fevereiro pelo STJ, para decidir se outras provas que não o bafômetro valem no tribunal, não foram suficientes para um consenso entre os ministros. De um lado pesa a necessidade prática de levar à condenação quem é pego dirigindo embriagado, mas nega-se a fazer o teste ou um exame de sangue. De outro, há o entrave do próprio texto da lei, que fixa em seis decigramas de álcool por litro de sangue o limite mínimo para penalizar o condutor de um veículo com a retrição de liberdade. Embora a constatação de testemunhas seja suficiente para o infrator ser multado, a detenção só ocorre após o processo penal, no qual a prova técnica é indispensável.

A votação deve prosseguir no dia 14 de março. Até o momento, há três votos favoráveis à aceitação de outros meios, como um laudo médico ou a prova testemunhal, também na fase penal, e um voto pela manutenção do exame de sangue ou bafômetro como únicas formas de comprovar embriaguez. Quatro magistrados ainda não se manifestaram.

Na defesa do voto contrário à mudança de interpretação, o desembargador convocado Adilson Macabu lembrou que a lei possui um elemento objetivo (0,6 decigramas por litro de sangue) que não pode ser relativizado. "Não se pode inovar no alcance de aplicação de uma norma penal. Essa não é a função do Judiciário", afirmou.

Lei antiga

Esse problema não existia na redação anterior da lei, dizem especialistas. Antes da revisão, feita em 2008, a prova testemunhal era suficiente para a condenação. "Pela lei atual, uma testemunha pode até dizer que o condutor estava bêbado, mas como vai provar o nível de álcool no sangue? Com esse texto é impossível registrar a materialidade do crime", diz o professor de Direito Penal José Carlos Portella Júnior, do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba). Para ele, o problema da lei anterior era outro. "Não havia fiscalização, mas o texto previa punição para quem dirigisse sob efeito de álcool, sem citar os seis decigramas. Era muito mais eficaz", afirma.

Portella diz ainda que há um movimento de juristas e deputados que buscam uma reforma da lei, retomando o texto anterior, medida considerada por ele mais adequada do que uma revisão da interpretação. "A meu ver a mu­­dança de jurisprudência serviria para agradar à plateia, mas juridicamente seria inviável", diz.

A professora Clara Roman Borges, que ministra a disciplina de Direito Processual Penal na Universidade Federal do Paraná, concorda que, apesar da ineficácia da lei para prender quem dirige embriagado, a revisão de interpretação do STJ caracterizaria uma invasão no campo do Poder Legislativo. "Se o tribunal decidir que valem outros meios de prova, ele vai estar criando outra lei sem alterar o texto. Ele estaria legislando", diz.

Decisão do STJ não afetaria outras instâncias

Embora a interpretação definida pelo STJ tenha influência sobre processos em todo o país, a decisão não é vinculante, o que significa que juízes de outras instâncias não são obrigados a segui-la.

O juiz de direito Fernando de Moraes, da 1.ª Vara de Trânsito, de­­finiu sua interpretação desde que a lei foi adotada, em 2008. "Eu me convenci de que se a pessoa está cambaleante, não há como ignorar o fato. Já julguei vários casos aceitando a prova testemunhal", diz. Com a indefinição do STJ, o que vem ocorrendo é a suspensão dos recursos dessas decisões que chegam a instâncias superiores.

Embora tenha um posicionamento claro, Moraes considera positiva a possibilidade de considerar um laudo médico como meio de provar embriaguez. "O ideal seria a presença de um médico, nos postos policiais, que possa constatar sinais de embriaguez. Mas como é possível fazer isso na prática?", questiona.

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