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Eles têm uma mente privilegiada, estão entre os 2% mais inteligentes da população. Não têm tempo ruim em Lingüística, nem Matemática ou Lógica. Já nas relações sociais são um desastre, mas não por vontade própria. Para o professor desavisado, eles são um estorvo, para os colegas, são os nerds, ou "cdf". Os problemas parecem crescer na mesma proporção do quociente de inteligência dessa turma. Eles são os superdotados, ou portadores de altas habilidades, um grupo privilegiado no intelecto, mas discriminado e muitas vezes excluído no convívio social. E isso faz sofrer, sobretudo quando se é criança ou adolescente.

Tanta inteligência pode ser escamoteada por sintomas que poderiam indicar exatamente o contrário, como a hiperatividade, a dificuldade de aprendizagem e a aversão à escola. A sala de aula pode virar um ambiente de frustrações e fracassos se a escola não for capaz de perceber que a origem dessas dificuldades está num talento extraordinário e na capacidade acima da média.

Foi o que aconteceu com Bianca Carolina Marucci. Ela encontrou pela frente professores iletrados no assunto e que, por isso mesmo, se mostraram indiferentes ou hostis ao se depararem com o jeito irrequieto e contestador dessa aluna tão diferente.

Confronto

Aos 15 anos de idade, Bianca já passou por nove escolas. "O superdotado é pesquisador em essência, rico em hipóteses que geralmente se confirmam em decorrência da sua alta capacidade intuitiva", diz a educadora Eloá Cristina Sucharski. Esses dons de Bianca colocavam em xeque a autoridade do professor. O confronto de idéias acabava em discussão. Por isso, volta e meia ela era "convidada a sair" da escola. "Eles (professores) tinham uma visão muito cartesiana", explica. Cartesiano, segundo o Aurélio, é aquele que confia de modo irrestrito e exclusivo na capacidade cognitiva da razão, mas limitando-a às explicações mecânicas, simplificadoras, inadequadas à compreensão da realidade.

As manifestações de superdotação intelectual de Bianca começaram a aparecer na infância, como na maioria dos iguais a ela. Começou a falar aos 7 meses de idade e aos 2 anos aprendeu a ler numa lista telefônica. A mãe incentivou o lado emocional e o pai, o intelectual. Aos 7 anos, a menina já tinha a convicção de que seria advogada. E quer a Universidade de São Paulo (USP). Desde cedo ela manifestava na música a inteligência precoce. Compunha em inglês, para impedir a invasão do seu mundo particular. Também de forma precoce os problemas começaram a surgir. A depressão chegou aos 10 anos e a persegue ainda hoje.

Bianca integra uma elite cujo talento pode se atrofiar por falta de atenção adequada. O Ministério da Educação encontrou no ano passado 1.980 superdotados nas escolas públicas e particulares. Eles representam só 0,003% dos 56 milhões de alunos matriculados do ensino fundamental ao superior, conforme o Censo Escolar de 2005. Se adotados os critérios da Mensa, sociedade internacional com sede no Brasil que reúne os cérebros mais notáveis do mundo e reconhece aqueles 2% da população com QI acima de 132, o país estaria desperdiçando 1,2 milhão de talentos pelo simples fato de não saber identificá-los.

Atenção

Uma fração desse desperdício pode ser medida pelo descaso com que a educadora Eloá Sucharski foi tratada ao longo de muitos anos. Superdotada e incompreendida, ela tenta agora, já aposentada, fazer por meio de uma organização não-governamental internacional o que não conseguiu nos tempos de servidora pública em Curitiba. A criança com inteligência acima da média requer atenção – e até um eventual acompanhamento terapêutico – para não virar um adulto problemático. Mas Eloá adverte que não basta separá-la das demais ou adiantá-la na série escolar. A idade mental pode ser superior, mas a emocional é igual a qualquer um da mesma faixa etária.

A educadora lembra que o superdotado pode aprender e saber de maneira diferente, mas necessita do convívio social, da cooperação e da informação, formando um círculo de ajuda mútua. "Por isso, a necessidade de interação constante", diz. Quando isso, não acontece, o resultado é desastroso. "A inteligência faz sofrer", resume por experiência própria. Isso acontece porque o superdotado não é uma pessoa aceita com facilidade nos grupos sociais, porque não pode usar sua inteligência por limitações alheias. "A dificuldade de enquadramento social surge pela forma diferente de pensar, o que o torna diferente para ver o mundo", observa.

Essa diferença também tem feito Bianca sofrer, como tem acontecido desde os 10 anos. O problema se agrava numa fase crucial na vida dos superdotados. Na adolescência, quando todo jovem sente a necessidade de se afirmar e pertencer a algum grupo, eles acabam refreando seus dotes para se igualar aos demais. Recentemente, Bianca teve de interceder em favor de um colega que, por ser muito inteligente e ter um bom desempenho escolar, estava sendo agredido pelos colegas na quadra de esportes do colégio. Eles não entendem que ser inteligente não é uma escolha da pessoa.

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