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Entrevista

A área de saúde é a mais visada pelos fraudadores

Rosana Félix

Quais são as fraudes mais comuns na área de saúde?

Os vários escândalos na administração pública decorrem da ausência de controles internos ou de sua ineficiência. Os recursos do orçamento público somem com a nefasta participação das quadrilhas organizadas, sendo que na área da saúde é muito mais doloroso, pois isto resulta na desordem e ineficiência do atendimento básico da assistência da saúde ao cidadão. A base da ilegalidade está no descumprimento das aquisições de bens, obras e contratações de serviços, nas compras efetivadas sem observância da lei de licitações.

A área da saúde é mais visada pelos políticos corruptos e corruptores?

É a mais visada em razão do orçamento substancial, tanto no âmbito da União quanto nos estados e municípios. Vale destacar a ausência do acompanhamento e fiscalização da aplicação dos recursos em tempo real. Nas minhas atividades de auditorias, identifiquei milhares de recursos aplicados em sofisticados aparelhos de milhares de reais, encaixotados por anos. Também, de forma chocante, identifiquei investimentos em medicamentos e remédios que, por falta de distribuição, se encontravam armazenados com datas vencidas.

O controle social da saúde por meio dos conselhos de saúde funciona?

A maioria dos membros conselheiros ou não são bem preparados para a função ou são omissos no dever de cumprimento da missão. Além disso, carecemos da indicação de pessoas comprometidas com a sociedade. A ideia da constituição dos conselhos em vários níveis e âmbitos é bastante positiva. O que falta é ação de gestão proativa para monitorar o processo de gestão do sistema de saúde nos vários ambientes buscando atingir e assegurar resultados por meio de planejamento que fixe objetivos e metas, mensurados na execução dos planos a curto, médio e longo prazo.

O cidadão comum pode fazer alguma coisa para combater o desvio de dinheiro público?

O cidadão é o elo mais importante. É preciso cobrar qualidade e regularidade na aplicação do recurso público, e cobrar celeridade do Judiciário, pois qualquer cidadão pode entrar na Justiça cobrando providências contra as fraudes. E a escolha de bons governantes e representantes do Legislativo é responsabilidade do cidadão.

Inaldo de Vasconcelos Soares, auditor, consultor e professor, autor do livro Fraudes na Gestão Pública

O dinheiro não é pouco. Só em 2012, o Ministério da Saúde consumiu R$ 26 bilhões do orçamento federal. No Paraná, os gastos do estado com a área também ficam na casa dos bilhões – R$ 2,8 bi, no total. Na mesma escala milionária das despesas parecem estar os desvios na área. São muitos os casos de mau uso do dinheiro da saúde detectados pelos tribunais de contas, corregedorias e demais órgãos de controle. Mas há quatro tipos de fraudes que são as mais corriqueiras: superfaturamento de medicamentos e equipamentos médicos, licitações direcionadas, maquiagem na prestação de contas e cobrança de serviços indevidos ou que não foram realmente prestados.

INFOGRÁFICO: Veja como funcionam alguns dos esquemas de desvio de verbas

Um dos meios mais comuns de se obter vantagens ilícitas em cima do sistema de saúde são as parcerias entre o agente público e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips). Normalmente, essas organizações cobram taxas de administração, o que é proibido. Isso foi o que ocorreu em Juranda, na região central do estado. No fim do mês passado, o Tribunal de Contas do Paraná (TC-PR) determinou que a Oscip Instituto Corpore devolva R$ 129 mil aos cofres públicos. O valor deveria ter sido aplicado em ações de saúde, mas foi utilizado pela organização para cobrir despesas administrativas e de provisões.

Além dessa cobrança indevida de taxas de administração, também há casos de superfaturamento e pagamentos por serviços não executados. Parte disso, de acordo com a experiência de auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) no Paraná, ocorre devido à ausência de controle sobre a execução dos serviços prestados pelas Oscips. Em 2011, o Ministério Público do Estado desmontou um esquema de superfaturamento e prestação de contas falsas em Londrina que se encaixa nesse perfil de desvio.

Na época, havia a suspeita do pagamento de propina para agentes públicos para que os institutos recebessem os recursos, mesmo sem a comprovação do serviço. Um ano antes, investigações da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal levaram à prisão de dirigentes do Ciap acusados de desviar cerca de R$ 300 milhões que deveriam ter sido destinados à saúde.

A Oscip tinha sede em Londrina, onde também atuava. No município, o rombo chegou a cerca de R$ 10 milhões. "O que observamos em muitos casos envolvendo as Oscips é a maquiagem da prestação de contas, com o lançamento de despesas inexistentes e a falta de comprovação do serviço", comenta o analista da CGU, Ricardo Fukaya.

Licitação

Outra irregularidade recorrente na área é o direcionamento de licitações e o superfaturamento de serviços, medicamentos ou equipamentos médicos. Um exemplo disso é a Operação Saúde, deflagrada em 2011 pela Polícia Federal após investigação do Tribunal de Contas da União (TCU) detectar irregularidades na compra de medicamentos em municípios do Paraná e outros estados.

O reembolso pago pelo SUS aos hospitais e clínicas credenciados à rede pública também é alvo dos fraudadores. Um dos esquemas mais usados é cobrar do sistema público por um atendimento mais caro do que o realizado. Outro meio é cobrar o paciente pelo serviço e depois pedir reembolso ao SUS pelo mesmo trabalho. Muitas dessas irregularidades foram detectadas pelo Ministério da Saúde por meio de denúncias feitas por pacientes depois de receberem a Carta SUS, criada em novembro de 2011.

Cartão-ponto - Controle da jornada de médicos também desafia o sistema

Fora os grandes esquemas de desvios de recursos, o sistema de saúde também sofre para manter o controle das faltas de alguns médicos – uma forma pulverizada, porém importante, de mau uso do recurso público. No fim do mês passado, chamou atenção do estado o caso de um ginecologista de Cascavel que ia até a Unidade de Saúde, batia o ponto e depois seguia para sua clínica particular.

Em março, a polícia desmontou um esquema mais avançado utilizado por médicos de Ferraz de Vasconcelos, na região metropolitana de São Paulo, para burlar o sistema. Sete profissionais que deveriam prestar serviço no Samu usavam dedos de silicone com a digital para fraudar o sistema de ponto.

De acordo com técnicos do Tribunal de Contas da União no Paraná, muitos médicos possuem vários vínculos empregatícios, sem que a carga horária seja efetivamente cumprida – principalmente quando se trata dos hospitais públicos.

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