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Hospital de Campanha construído no Riocentro, em foto do dia 29 de abril, antes da inauguração. O local tem 100 leitos.
Hospital de Campanha construído no Riocentro, em foto do dia 29 de abril, antes da inauguração. O local tem 100 leitos.| Foto: AFP / Carl de Souza

O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) aprovou na terça-feira (5), em reunião virtual, um conjunto de recomendações que aponta parâmetros para orientar a internação de pacientes em unidades de terapia intensiva (UTIs). O alvo do documento, preparado pela Câmara Técnica de Intensivismo do órgão e aprovado, com pequenas alterações, pelos conselheiros, são profissionais pouco experientes que atuam no combate à Covid-19, informou o presidente do colegiado, Sylvio Provenzano.

Segundo ele, a decisão sobre quem irá para CTIs será sempre dos médicos. O Cremerj apenas expediu um conjunto de orientações, que deve ser publicado no Diário Oficial.

O documento aconselhará a internação de pacientes que apresentem por exemplo, má perfusão tissular (sinais de que o fluxo sanguíneo na região afetada é insuficiente); quadros de choque; alteração de exames dos marcadores inflamatórios; sinais de tromboembolismo; alteração da função renal; alteração da função de oxigênio, mesmo com cateter de oxigênio nas narinas. Serão usados critérios internacionais, com base no Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), que avalia com pontos o estado de alguns órgãos, como coração e pulmões.

Pontuações mais altas reduzem as chances dos pacientes. Alterações pulmonares de mais de 50% e com 48 horas serão motivo para uso de respirador. "E uma vez necessitando de entubação endotraquial e ventilação artificial, o paciente vai precisar ficar em um leito de UTI. Aí o colega não deve deixar de solicitar, e o quanto antes esse doente for colocado na rede, para uma transferência, melhor para ele", disse Provenzano.

E se faltarem leitos?

O Cremerj não abordou critérios de escolha entre pacientes para casos nos quais faltarem leitos de UTI. Segundo ele, o órgão só cuida de parâmetros para internação - cabe ao Estado prover leitos.

Ele afirmou que escolhas desse tipo são feitas em todo o mundo, como parte da rotina médica.

"Se tenho um paciente com câncer avançado de pulmão, que mesmo com respirador a opção de tratamento para ele é a mínima possível, ele pode ficar monitorado em uma enfermaria, com toda a sedação, todo o conforto, para não ter sofrimento. Mas o leito de CTI será ocupado por outro."

A Secretaria de Saúde fluminense confirmou que tem discutido documento com orientações para uso de UTIs, em conjunto com vários órgãos. A pasta disse ainda manter discussão sobre o assunto com o Cremerj e analisar protocolos da Espanha e dos EUA.

Uma versão do documento da SES, que circulou na semana passada, apontava como critérios para ocupar leitos de UTI o funcionamento de órgãos segundo o SOFA; doenças preexistentes, como diabete, obesidade e hipertensão; idade; e a ordem de solicitação. Carlos André Uehara, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, disse que, no documento prévio, a idade seria só um critério de desempate.

"Nossa posição é a de que a idade não deveria ser critério para nada."

Entre os conselhos e entidades brasileiros que também se manifestaram sobre o assunto - como a Associação de Medicina Intensiva Brasileira e o Conselho de Medicina de Pernambuco -, há o entendimento de priorizar os pacientes graves com maior chance de sobrevivência e, em segundo caso, os que têm maior expectativa de anos de vida.

Dilemas éticos

Protocolos de prioridade de pacientes na fila da UTI são vistos com ressalvas por especialistas e, na linha de frente, há queixas de falta de orientação. Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com pós-doutorado em Ética e Saúde, o sanitarista Flávio César de Sá ressalta que esse tipo de decisão deve ser tomada só em momentos de excepcionalidade. "O melhor a se fazer é não ter de decidir, ter vaga para todos."

Ele aponta que ter fila única para UTI (públicas e privadas) ajudaria a evitar cenário tão grave.

"A escolha entre um paciente ou outro na UTI em hospital público, sabendo que, do outro lado da rua, tem vaga em hospital privado é muito cruel com a sociedade."

Mas ele pondera que instruções podem atenuar conflitos e chancelar medidas adotadas pelos profissionais de saúde. "Se não tem nenhum tipo de recomendação, acaba tendo de resolver por questões circunstanciais. É difícil para a equipe médica tomar a decisão caso a caso, sem orientação."

Segundo o presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas, Mário Rubens Viana, a coordenação dos processos é precária. "Não tem nenhum critério estabelecido por gestão ou comitê de ética. O cenário no Amazonas é de confusão, não há coordenação central. O ministro da Saúde esteve aqui e disse que tem dinheiro, mas falta gestão", afirma o cirurgião, afastado desde abril para se recuperar da covid. "Quase sempre existe superlotação e ninguém sabe o que fazer", acrescenta.

"O médico vai acomodando do jeito que dá, em cadeira, no chão, é cenário de Medicina de guerra. Não tem muita escolha. Atende conforme a demanda. Quando chega em hospital que não tem vaga, espera na ambulância até aparecer", diz Viana.

Procurado pela reportagem, o governo do Amazonas não se manifestou até 19h30 da terça-feira.

Sá, da Unicamp, comenta ainda que a decisão não é entre a vida e a morte, mas de quem receberá o melhor tratamento. "Isso não alivia completamente a dificuldade da decisão, nem o sofrimento em ter de tomar uma decisão que certamente vai fazer alguém não ser tão bem cuidado como deveria."

Ele comenta que as recomendações brasileiras estão na linha tomada também na Itália e nos Estados Unidos. "Quanto mais independente, melhor é a avaliação. Se já está acamado, cai bastante. Se é dependente para comer ou tomar banho, cai mais ainda", diz.

Além disso, trabalhadores da saúde costumam ter prioridade por terem uma função essencial em um momento de pandemia.

Decisão deve ser burocrática?

Já Dário Pasche, enfermeiro e professor de pós-graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é contrário a protocolos que possam excluir pacientes que necessitam de UTI. Ele teme que isso banalize uma situação "inaceitável" que poderia ser resolvida com medidas do poder público, como a adoção da fila única e uma coordenação nacional da rede pública. "Há um acordo civilizatório que a vida de ninguém é mais importante", afirma.

"É muito burocrático e frio, uma resposta inadequada para um sistema como o SUS. Não posso aceitar como correta uma medida que deve ser absolutamente exceção", diz. Pasche também destaca impactos desse tipo de escolha. "Para um médico, um enfermeiro, é uma experiência mortificadora. Ninguém toma uma decisão dessas sem se afetar profundamente." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Pasche também destaca impactos desse tipo de escolha. "Para um médico, um enfermeiro, é uma experiência mortificadora. Ninguém toma uma decisão dessas sem se afetar profundamente."

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