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 | Fotos: Valterci Santos/ Gazeta do Povo
| Foto: Fotos: Valterci Santos/ Gazeta do Povo

Visitação ainda é tímida

Cerca de quatro pessoas costumam visitar o arquivo público por dia para fazer algum tipo de pesquisa. O número é pequeno justamente porque se desconhece o que o arquivo público guarda em suas prateleiras. Acabam chegando ao local, em sua maioria, estudantes de Direito e de História, pessoas curiosas que estão em busca do seus antepassados (genealogia) e ainda um ou outro que pesquisa uma possível indenização para algum parente (como os que foram prejudicados pelo Dops).

Apesar de ser em número pequeno, quem vai ao arquivo costuma gastar horas em cima de documentos que não imaginava existir. A professora de inglês Nilcéia Nogari quer montar a genealogia da família e aproveita as terças-feiras, quando está de folga no trabalho, para olhar papéis dos mais diversos. "Sou descendente de italianos e aqui encontrei uma boa fonte de pesquisa. Cada coisa que eu acho é uma lágrima, porque consigo ver em documentos simples como viviam meus antecessores. Estou conseguindo fazer a trajetória deles e isso é gratificante", afirma. Nilcéia pesquisa seu histórico há dois meses e passa todas as tardes de terça-feira no arquivo.

Já a pesquisadora e historiadora Marlene Cezário está em busca de documentos que lhe deem suporte para escrever um livro sobre a migração italiana. "Quero pesquisar como era a educação no Paraná desses migrantes durante o século 18 e início do 19. A intenção é ver se nas colônias as disciplinas eram ensinadas, em sala de aula, na língua italiana ou em português mesmo", diz. Marlene vai ao arquivo uma vez por semana e gasta o dia todo em cima dos documentos. "Antigamente vinha com mais frequência, mas é muito cansativo. Alguns são difíceis até de ler, porque eram escritos à mão e com letra muito elaborada. Fico feliz quando encontro algumas pistas, como documentos que dizem que ficava proibido aos migrantes, em tal data, o uso da língua vernácula", conta. (PM)

Se fôssemos empilhar todos os documentos do arquivo público do Paraná chegaríamos a ter cinco vezes a altura do maior prédio do mundo, que tem 828 metros e fica em Dubai. São cerca de 4 mil metros de folhas (uma sobre a outra) que formam o acervo que conta a história do estado sob diversos pontos de vista. Os documentos mais velhos estão guardados a sete chaves – há cópias dos originais, porque eles estão tão velhos que só de olhar desmancham. Trata-se dos inventários de dois grandes proprietários de terra do Paraná: o bandeirante e fundador de Curitiba Baltazar Carrasco dos Reis e o empresário João Leme da Silva. Eles foram escritos, respectivamente, em 1697 e 1698.

Analisar o inventário de Silva, por exemplo, é ter uma verdadeira aula de história, pois é possível compreender como vivia a população do estado durante o período colonial. O documento é uma prova de que havia negros e índios que eram escravizados por aqui (contrariando algumas correntes históricas que colocam em dúvida se houve escravidão no Paraná). O inventário mostra que Silva tinha cerca de 60 escravos divididos entre as raças gentis da terra (nome dado aos índios) e gentis da guiné (os africanos). Silva, inclusive, avalia o valor de cada um dos seus empregados escravizados. Um gentil da terra de nome Sebastião e suas três filhas (Luzia, Verônica e Piriná) valiam, na época, 60 mil réis. A mulher de Se­­bastião, Asença, foi calculada à parte: só ela valeria 30 mil réis. Era costume inventariar também ferramentas usadas na agricultura e louças da casa – uma espingarda valia 8 mil réis e um prato de estanho, 1,6 mil réis. "O pa­­pel usado para fazer o inventário provavelmente vinha de Portugal, porque não havia produção de papel por aqui", explica a historiadora do arquivo público Bruna Ma­­rina Portela. Também sobre os índios e africanos, há uma lista dos que receberam alforria e dos que continuaram escravizados por mais tempo.

Dops

O arquivo guarda 47,5 mil fichas de pessoas "cadastradas" pelo De­­par­­tamento de Ordem Política e So­­cial (Dops), porque elas eram consideradas subversivas. Entre os nomes es­­tá o de Hatsutaro Akutso, que era mi­­li­­tan­­te a organização terrorista ja­­ponesa. Hatsutaro tem três fichas – uma de 1948, outra de 1949 e uma de 1963 – esta última sentenciou a data limite para que ele fosse expulso do territó­­rio brasileiro. Ele era lavrador, nasceu no Japão e morou em São Pau­­lo e Curi­­tiba. Chegou a ser preso na pe­­niten­­ciária central do estado por "exercer ati­­vidades nocivas à segurança nacional" durante a ditadura militar. Ainda en­­tre os documentos do Dops, o arquivo público guarda o re­­gis­­tro do movimento estudantil no Paraná. O Dops tinha infiltrados responsáveis por tirar fotos dos estudantes para um futuro re­­conhe­­ci­­mento. Havia interesse principalmente pelos que faziam parte da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Não é preciso ir muito longe pa­­ra poder ver pessoalmente a assinatura do romancista e contista Machado de Assis ou do antigo presidente do Brasil Marechal Deo­­do­­ro. Documentos escritos por essas duas personalidades foram destinados ao Paraná no período em que eles ocuparam cargos públicos e os papéis, até hoje, estão guardados no arquivo. Machado foi diretor da Secretaria de Estado dos Negócios de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do país e enviou car­­ta ao presidente da província listando os privilégios que foram concedidos aos industriais durante os anos de 1888 e 1889. Já Deo­­doro nomeava Fran­­cisco Xavier da Silva para o cargo de terceiro vice-governador do Paraná, em 1890.

"Traçado impreciso"

O comandante Manoel Eufrásio de Assunção mostrou suas habilidades, em 1861, ao desenhar para um alfaiate como deveria ser a farda para a banda de música da Companhia Policial da Província do estado do Paraná. O próprio comandante encaminhou as medidas das roupas dos policiais e chegou a pedir desculpas, no documento, pelo traçado impreciso.

Já o italiano Frei Timóteo, capuchinho missionário de Castel Nuo­­vo, relatou em um documento escrito em 1858 o pedido de retorno de índios e africanos livres que teriam "fugido" do aldeamento, ha­­via cerca de dois anos, e ainda não teriam voltado. "Este documento dá uma ideia de como eram os aldeamentos no estado. Mostra a questão da catequização e civilização indígena. Sabe-se que volta e meia este povo vinha a Curitiba para pedir brindes, por exemplo", explica Bruna.

As prateleiras do arquivo, que parecem não ter fim, zelam por documentos e fotos do século 17 ao 21 – tudo isso ao dispor do público. Além dos despachos oficiais do atual governo, há uma coleção de fotos como a do ex-governador Moysés Lupion cumprimentando o presidente Juscelino Kubitschek. "Este acervo, em especial, é grande porque a família Lupion resolveu doar tudo ao arquivo após a morte dele. Tem, inclusive, fotos do casamento, notas fiscais de viagens e sobre as empresas que pertenceram a Lupion", afirma Bruna.

Aniversário

Na próxima quarta-feira, 7 de abril, o arquivo público completa 155 anos e vai comemorar a data com um site novo e palestras especiais no seu próprio auditório. Estão previstas as presenças do jornalista e escritor Laurentino Go­­mes, das historiadoras Joseli Maria Nu­­nes Mendonça e Marion Bre­­pohl de Magalhães e do bacharel em arquivologia Lamberto Ricarte Serra Junior. O evento começa às 9h30 e termina no final do dia. "Somos o segundo arquivo público mais antigo do Brasil (o primeiro é o de São Paulo). Para este aniversário estamos terminando um projeto, com a ajuda do BNDES, para poder identificar e recondicionar volumes e documentos que fazem parte do acervo histórico. A intenção é facilitar cada vez mais a vida do pesquisador e das pessoas que nos procuram. Já tivemos um trabalho de catalogação premiado pelo Iphan", afirma a diretora do arquivo, Daysi Lúcia Ramos de Andrade.

Serviço

O arquivo público fica na Rua dos Funcionários, 1.796, Cabral. Telefone: (41) 3352-2299. Abre de segunda a sexta-feira das 9 às 17h30. Site: www.arquivopublico.pr.gov.br

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